Reportagens

Um foco na dengue: a doença que ganha força em Santa Catarina

Com quase 500 casos por dia, aumento de focos do mosquito e doentes nos últimos três anos preocupa autoridades e cidadãos

Reportagem por Luana de Almeida Angelo

“Senti muita dor, muita dor mesmo, não tinha uma junta do meu corpo que não doesse”. É desta maneira que Dalton Barreto descreve sua experiência tendo contraído dengue em março de 2023. Aos 63 anos, Dalton foi pego de surpresa com os fortes sintomas da doença, que o fizeram perder cinco quilos por não conseguir se alimentar sem sentir enjoo. Ele afirma ser cuidadoso para evitar água parada em sua residência na Agronômica, bairro central de Florianópolis, porém tem reparado que a quantidade de mosquitos na região aumentou. Ao retornar para casa, após a internação de cinco dias para tratar da dengue, Dalton buscou conversar com seus vizinhos para alertá-los sobre as medidas de prevenção. Além dele, sua esposa e mais seis pessoas da mesma rua tiveram a doença em poucos meses. “A dengue foi terrível, acabou comigo”.

Dalton é apenas um dos catarinenses que sofreram por conta da doença neste ano. Com mais de 46 mil focos de larvas do mosquito Aedes Aegypti e 68.900 casos confirmados de dengue em 2023, segundo o informe epidemiológico 20 da Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado, Santa Catarina decretou situação de emergência para a doença, ainda no final de março. Os municípios do litoral e do Oeste são os mais atingidos, considerados infestados de focos, entre eles Florianópolis, Bombinhas, Balneário Camboriú, Chapecó e Caçador. Cidades populosas como Joinville, Palhoça e São José atingiram o nível de epidemia de dengue.  

Especialistas alertam que a doença está fora de controle, principalmente nas temporadas de verão, quando as chuvas frequentes facilitam o acúmulo de água, locais de proliferação das larvas do mosquito. Apesar do cenário descontrolado, a dengue não é uma doença desconhecida, como a covid-19 era em 2020. O vírus da dengue circula e faz vítimas no Brasil há mais de 40 anos. A Fiocruz Minas estima em sete milhões de casos desde então.

Retrospectiva: Uma passagem pelo histórico do vírus e do vetor que juntos fizeram milhões de vítimas ao longo dos anos. Infográfico: Luana de Almeida.

O pesquisador da UFSC e biomédico, José Henrique de Oliveira, considera que a dengue é um problema relativamente recente na história brasileira, porém, o mosquito transmissor está presente no país há pelo menos 150 anos. Apesar do curto histórico, a doença é considerada endêmica. “Isso significa que o vírus não deixa de circular nunca, a doença veio e se estabeleceu, se tornando constante na população humana”. Entre as causas para essa presença constante, estão as condições climáticas do Brasil. “Somos um país tropical, em que a existência do Aedes Aegypti é permanente em todos os Estados, então temos a situação perfeita de difusão do vírus em mosquitos e humanos”, salienta o especialista.

Sobre a alta nos casos de dengue em Santa Catarina na última década, o pesquisador aponta algumas hipóteses que estão sendo estudadas: a natureza oscilatória da doença e a imunidade da população. “É um cenário complexo, onde nós não temos todas as variáveis, é uma questão que envolve elementos biológicos distintos, como a biologia do mosquito, o genótipo do vírus, a sorologia da população humana e o clima”. 

Oliveira coordena um grupo de pesquisa sobre a fisiologia do mosquito Aedes Aegypti, do Laboratório de Imunologia e Doenças Infecciosas (Lidi) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nos estudos, o grupo busca entender como o vetor não se prejudica com o vírus e assim consegue aproveitar os nutrientes do sangue humano, além de transmitir a dengue para outros hospedeiros. Deste modo, ao descobrir os genes de resistência do inseto em relação ao vírus, pode ser possível inibi-los e causar a morte do mosquito transmissor que picou alguém. Além desta pesquisa, a UFSC possui uma Comissão de Combate à Dengue que atua na prevenção da doença, através da educação ambiental e vistorias técnicas no campus. “As atitudes importantes a respeito da dengue, que dependem do poder público, são o investimento em ciência e campanhas públicas de conscientização da população”, reforça o pesquisador.

A ciência é o caminho: Equipe de pesquisadores, liderada pelo professor José Henrique (à direita) , que estuda a fisiologia do Aedes Aegypti. Foto: Camila Collato/Agecom UFSC.

Apesar do Estado já ter ultrapassado a marca dos cinco mil casos suspeitos de dengue em 2023, o Governo de Santa Catarina lançou a primeira campanha publicitária de conscientização sobre a doença apenas no dia 18 de fevereiro. Veiculada nas rádios, emissoras de televisão, jornais e nos meios digitais, a campanha enfatizava que a doença está presente no Estado e reforçava os cuidados que cada cidadão deve ter em suas residências. Até junho deste ano, em bairros da Capital como Trindade e Centro, eram encontrados materiais publicitários com a mensagem “Onde o mosquito não se cria, a dengue não se espalha”.

Para todos verem: Na rua Dr Álvaro Milen da Silveira, no Centro, e na rua Lauro Linhares, na Trindade, eram encontrados materiais publicitários do Governo do Estado. Foto: Luana de Almeida.

Na análise do epidemiologista e pesquisador da UFSC em saúde coletiva, Rodrigo Moretti, a população catarinense ainda não está devidamente consciente sobre os riscos da dengue e suas formas de prevenção. “Quando uma pessoa não tem o cuidado necessário com a sua residência, ela expõe ao risco todos que moram próximo”. O especialista reforça que além da conscientização individual dos cidadãos, órgãos municipais e estaduais de saúde podem e devem participar do combate à doença. “A Vigilância Sanitária tem, legalmente, o direito de vistoria nos ambientes e ela deve fazer isso, inclusive para informar as pessoas e mostrar onde estão os criadouros do mosquito em seus lares”.

Santa Catarina reflete a realidade nacional

Santa Catarina não é o único Estado que está em situação de alerta para dengue. Em 2023, segundo dados do Ministério da Saúde, Espírito Santo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul apresentaram os maiores índices de contaminação do país, com destaque para o Estado capixaba que contou com 1.282 casos para cada cem mil habitantes. Na região Sul, o último informe epidemiológico da Secretaria Estadual de Saúde do Paraná contabilizou mais de cem mil casos confirmados de dengue, desde de agosto de 2022. Com 497 cidades no Estado, o Painel de Casos de Dengue do Rio Grande do Sul contabiliza 460 municípios infestados de Aedes Aegypti e 50 óbitos, em 2023. De janeiro a maio deste ano, o Centro Nacional de Operações de Emergência em Arboviroses contabilizou 1.101.270 contaminações por dengue em todo o país.

Apesar do cenário descontrolado da dengue no Brasil ser de longa data, a situação não era comum em Santa Catarina até 2019. O gráfico abaixo demonstra o aumento significativo dos casos da doença nos últimos 12 anos, principalmente no triênio passado. A tabela compõe o Plano de Contingência, documento que reúne os principais dados epidemiológicos e as estratégias de combate às doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti, do Governo do Estado.

Santa Catarina padece: Os dados demonstram o descontrole da doença e o aumento exponencial de casos na última década.Créditos: Plano de Contingência/Secretaria Estadual de Saúde.

As estatísticas confirmam que também houve uma mudança no perfil das contaminações. A partir de 2020 os casos autóctones, aqueles que são contraídos no território catarinense, representam a maioria dos confirmados. Dentre as razões para essa condição, a bióloga Tharine Dal-Cim relata que o mosquito transmissor da dengue está presente no Estado há pelo menos dez anos, inclusive alguns municípios da região oeste tiveram infestação do vetor. “Com a presença do mosquito, cada vez mais adaptado ao ambiente, e a circulação de pessoas com dengue, o estado começou a registrar transmissão local da doença”.

Dal-Cim é integrante do Programa de Vigilância e Controle do Aedes Aegypti da Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado (Dive). Ela avalia que 2022 foi o pior ano para a doença, quando Santa Catarina atingiu 80 mil casos e 90 óbitos. Entre as causas para esse surto, segundo a bióloga, estão o comportamento da população e o despreparo de alguns profissionais de saúde. “Nós não tínhamos essa doença tão instalada no Estado, então os catarinenses não estão conscientizados, e falta capacitação para os profissionais de saúde sobre o manejo clínico dos pacientes”. Ela afirma que a Dive tem atuado com apoio do Ministério da Saúde na promoção de treinamentos e palestras, para orientar sobre a assistência clínica de pessoas com dengue.

Além desta ação, a Diretoria elabora o Levantamento de Índice Rápido para o Aedes Aegypti (LIRAa), responsável por mapear os municípios com mais focos do mosquito e identificar os principais criadouros. O levantamento realizado em março de 2023 classificou cidades como Joinville, Chapecó e Florianópolis em alto risco de transmissão de dengue. “Entre os depósitos de larvas que mais encontramos estão calhas, sucatas e pratos de flor. Além do lixo mal descartado, que é um problema sério aqui no estado”, afirma a bióloga.

Onde está o Aedes?: Material divulgado no Instagram da Secretaria Estadual de Saúde mostra por que o cuidado com a dengue deve começar nos lares. Créditos: Secretaria Estadual de Saúde/Divulgação.

Sobre as políticas públicas importantes, Dal-Cim considera que a ação mais eficaz é o combate ativo do vetor. “Lembrando que além da dengue, ele também transmite a chikungunya, que é uma doença que já está presente aqui no Sul e causando uma epidemia no Paraguai”. No informe epidemiológico da Dive de 19 de junho de 2023, Santa Catarina contabilizava 41 casos confirmados de chikungunya, um aumento de 141% em relação ao ano anterior. 

A Ilha da Magia e da água parada

Em Florianópolis, o órgão responsável pelo combate às larvas do mosquito Aedes Aegypti é o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), vinculado à Secretaria Municipal de Saúde. Nos mutirões de fiscalização realizados pelo Centro, os agentes também orientam os cidadãos sobre os cuidados necessários com locais de fácil acúmulo de água, como calhas, ralos e pratos de flor. “Sempre orientamos os moradores que cinco minutinhos cuidando do seu quintal nos finais de semana já faz muita diferença”, afirma Emanoella Miranda, gerente do CCZ. Em março de 2023, o órgão realizou mutirões de limpeza e Pesquisa Vetorial Especial (PVE) em duas comunidades vulnerabilizadas de Florianópolis, a Vila Aparecida e o Monte Cristo. Com o apoio da Companhia de Melhoramentos da Capital (Comcap), foram retirados lixo e entulhos de locais com criadouros do mosquito transmissor da dengue. Além desta ação, foi feita pulverização de inseticida, conhecido como fumacê. 

De porta em porta: Em 04 de março de 2023, os agentes de combate à endemias do CCZ atuaram na comunidade Vila Aparecida, realizando a busca por focos do mosquito Aedes Aegypti. Foto: Centro de Controle de Zoonoses/Divulgação.

A comunidade Vila Aparecida, localizada no bairro Coqueiros, pertence à terceira região da Capital com mais casos de dengue, segundo a Sala de Situação da Vigilância Epidemiológica Municipal, sistema que reúne os principais dados de saúde da cidade. A presidente do Conselho Local de Saúde, Cleuse Soares, relata que a situação da dengue na comunidade nunca foi tão grave quanto este ano e os dados confirmam sua percepção. Somados, os casos de 2021 e 2022 totalizam 50 contaminações por dengue em Coqueiros. Em 2023, até junho, foram mais de 830. Segundo ela, o local sofre com um problema sério de descarte irregular e acúmulo de lixo em terrenos baldios. “Foram recolhidos os resíduos em alguns pontos, mesmo assim ainda tem muito lixo em local impróprio”. 

Lixo na rua é perigo na certa: Trabalhadores da Comcap realizando a limpeza de um ponto de descarte irregular de resíduos, na Comunidade Vila Aparecida. Foto: Cleuse Soares/Arquivo pessoal.

Cleuse reforça que a prefeitura tem um papel importante em executar medidas de combate à dengue e os cidadãos devem colaborar. “É claro que a prefeitura precisa agir, mas a comunidade tem que se conscientizar e zelar pelo espaço dela”, enfatiza. Apesar das contaminações não terem diminuído, ela percebeu que em abril deste ano as ações de combate aos focos do mosquito não estavam tão assíduas como em fevereiro e março, no auge dos casos. “A doença não foi eliminada, é importante que o trabalho e a vigilância continuem sendo feitos”. 

Para Albertina da Silva, “as ações não têm surtido efeito”. Ela é atuante no movimento comunitário há mais de 20 anos e vice-presidente do Conselho Municipal de Saúde de Florianópolis. O Conselho é um órgão permanente e deliberativo, que discute, elabora e fiscaliza as políticas públicas de saúde na cidade. “Percebemos que a dengue chegou com muita força em 2022 e neste ano a situação está ainda pior. O que nós sugerimos é que os Centros de Saúde se mobilizem para discutir medidas próprias”.

 Como conselheira e também moradora do bairro Itacorubi, na região central da Capital, ela nota que a população está pouco sensibilizada a respeito da dengue. Por isso, afirma ela, “estamos perdendo para o mosquito”. Albertina avalia que para atingir resultados melhores, é necessária uma atuação conjunta de alguns órgãos. “Outras secretarias precisam se envolver nesta causa, principalmente a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que é a responsável pela coleta de lixo, um problema visível nas ruas”. 

A escassez de integração entre os órgãos municipais também é percebida a poucos quilômetros do Itacorubi. A presidente do Conselho Comunitário do Córrego Grande, Mônica Duarte, relata que além dos problemas com terrenos baldios e acúmulo de lixo, o bairro sofre com ocupações irregulares. “Eu e outros integrantes do Conselho estivemos no Poção e encontramos construções irregulares, onde o esgoto corria a céu aberto. Atualmente é o local que mais nos preocupa”. O Poção faz parte do sertão do Córrego Grande e compõe a Área de Proteção Permanente (APP) do Parque Municipal do Maciço da Costeira do Pirajubaé. 

O Conselho Comunitário, por conta própria, providenciou a doação de repelentes para as famílias que moram neste local, muitas em condições extremamente vulneráveis. A respeito da postura dos moradores frente à doença, Mônica considera que falta proatividade. “Parece que as pessoas estão muito mais preocupadas em culpar os vizinhos, do que tomar atitudes preventivas nas suas próprias casas. Elas não têm consciência de que se trata de uma responsabilidade compartilhada”.

Mesmo possuindo mais de 60 focos do Aedes Aegypti, detectados pelo CCZ, o Córrego Grande não contou com campanhas de combate ao mosquito em 2023, promovidas por órgãos municipais. O Conselho Comunitário buscou explicações e recebeu como resposta da Vigilância Sanitária Municipal que a atuação do órgão é guiada pela Sala de Situação. Os bairros com mais casos de dengue e focos do Aedes Aegypti têm prioridade na execução de ações, já que o município não possui recursos humanos para atuar em todas as localidades. Na ausência de políticas públicas eficazes, a presidente do Conselho busca alternativas para orientar os moradores do bairro. “Estamos tentando organizar uma palestra, presencial ou online, com algum especialista para tratar da prevenção e do combate à dengue”, afirma Mônica.

No Sul da ilha, no bairro Campeche, o relato é semelhante. Local conhecido por suas praias com mar agitado, de água fria e cristalina, tem sofrido com as consequências da água parada e os mais de 210 casos notificados de dengue. O coordenador do Conselho Local Saúde, Marcos Ferreira, considera que o bairro está em situação de epidemia para dengue, mesmo que haja outras localidades com o triplo de casos. 

No outro lado da ilha, o bairro Ingleses, no Norte de Florianópolis, já ultrapassou os 990 casos de dengue, segundo a Sala de Situação do município. Apenas o Centro e o bairro Coqueiros registraram mais casos, até o momento. A presidente da Associação de Moradores Renovação Ingleses e Santinho (Amoris), Daniele Novaes, relata que a prefeitura tem executado algumas ações na localidade, devido ao número expressivo de casos, mas ainda enfrentam resistência. “Muitas vezes os agentes não conseguem entrar nas casas. Algumas residências de temporada ficam abandonadas e também temos terrenos baldios onde a população descarta lixo de forma irregular, esses são os maiores focos aqui”. Em fevereiro de 2023, a pedido dos moradores e da Associação, Ingleses passou a contar com um Ecoponto – local adequado para descarte de resíduos volumosos.

Destino correto ao lixo: No Instagram, a Amoris divulgou a inauguração do Ecoponto. A publicação contou com muitos usuários parabenizando a iniciativa. Foto: Amoris/Divulgação.

Ecopontos como esse são importantes aliados no combate à dengue, já que evitam a formação de depósitos irregulares de lixo em terrenos baldios e nas ruas, por exemplo. O descarte irregular do lixo é altamente preocupante, pois até uma tampinha de garrafa pet com água pode hospedar larvas do Aedes Aegypti. É o que relata Rosilani Martinello, diretora de Vigilância em Saúde de Florianópolis. Para ela, a Capital catarinense segue uma tendência nacional de aumento de casos de dengue. Entre as razões para a atual epidemia na cidade, a diretora considera que o vetor tem tido facilidade de se adaptar a diferentes ambientes. “Com isso, temos encontrado focos do mosquito em águas completamente sujas, inclusive com óleo diesel”, relata. Em relação às ações realizadas pela Secretaria Municipal de Saúde, Rosilani afirma que “existem várias campanhas e a prefeitura tem atuado em várias situações”.  

A respeito do lixo, a prefeitura de Florianópolis, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, alega em nota que mantém regularidade na prestação de serviço na coleta de rejeitos. Em relação à coleta de entulhos, o principal tipo de resíduo encontrado em pontos de descarte irregular, a prefeitura diz que coloca à disposição da população, de forma permanente, duas caçambas com capacidade de 5m³ na comunidade Vila Aparecida, em Coqueiros. A líder comunitária Cleuse Soares contesta: “a prefeitura está enviando apenas uma caçamba grande por mês pra cá”. Já no bairro Itacorubi, onde a conselheira Albertina relata problemas com o lixo, a Secretaria afirma que realiza coletas mensais de resíduos volumosos por meio de agendamento. O local também conta com um Ecoponto e o recolhimento do lixo reciclável seco ocorre duas vezes por semana. 

Investir no presente para mudar o futuro

Os problemas relatados por lideranças de diferentes regiões de Florianópolis, que têm agravado a situação da dengue, estão relacionados com um conjunto de serviços públicos essenciais: o saneamento básico. Entre as principais ações, que são de responsabilidade estatal, estão a coleta e tratamento de esgoto, a limpeza urbana e o manejo de resíduos. A Constituição Federal de 1988 assegura que o saneamento básico é um direito fundamental à dignidade humana. Quando é ofertado de forma precária, cria-se um ambiente propício para diversas doenças infecciosas, dentre elas, a dengue. “A ciência mundial investe alto na busca por tratamentos de doenças que seriam neutralizadas por completo com dignidade e saneamento básico”, afirma José Henrique de Oliveira, pesquisador e biomédico.

Ele, que também é professor da disciplina de parasitologia na UFSC, reforça que, apesar do saneamento básico ser um importante pilar no combate de doenças, as larvas do Aedes Aegypti geralmente são encontradas dentro das casas das pessoas. “Portanto, o que ataca diretamente o problema da dengue é política da educação pública. Divulgar informações para que as pessoas saibam como agir”. Além de informar a população, Oliveira considera que o investimento em ciência e tecnologia é essencial, quando se trata de possíveis soluções. Neste sentido, o Brasil tem tido dificuldades. Há quase uma década os programas de pesquisa sofrem com a perda de orçamento. É o que demonstra o gráfico abaixo, do artigo Evolution of research funding for neglected tropical diseases in Brazil 2004–2020, sobre a destinação de verba federal para estudo de doenças tropicais negligenciadas, dentre elas, a dengue.

Declínio: Ao contrário dos casos de dengue no país, o orçamento federal destinado para pesquisas na área oscila para menos. Créditos: Artigo “Evolution of research funding for neglected tropical diseases in Brazil, 2004–2020”/Adaptado por Luana de Almeida.

O pesquisador ressalta que, apesar dos esforços, a comunidade científica ainda não entende a biologia da dengue por completo e, portanto, é necessário estudar para encontrar possíveis soluções. “Eu sou uma das pessoas que estuda dengue no Brasil e faço parte de um grupo com mais ou menos 400 pesquisadores, para um problema que causa bilhões em ônus para o SUS”. Além do prejuízo financeiro, o descontrole da dengue aumenta a pressão sobre os sistemas de saúde, que já convivem com a sobrecarga de demanda. Em 16 de junho de 2023, o Governo do Estado de Santa Catarina decretou situação de emergência em saúde pública por conta da elevada taxa de ocupação de leitos das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) neonatais, pediátricos e adultos. Segundo a nota da Secretaria de Estado da Saúde, a saturação do serviço ocorreu pela alta demanda de pacientes com dengue e síndromes respiratórias. 

A dengue, assim como outras doenças infecciosas, possui um grupo de risco composto por pacientes que têm maior chance de agravamento da doença. A médica infectologista Maria Júlia Rostirolla afirma que o protocolo de atendimento de pacientes com dengue classifica gestantes, crianças e idosos no grupo B, que inspira atenção. “Na dengue especificamente, as crianças menores de dois anos e os idosos costumam apresentar quadros mais graves”. Ela ressalta que a doença não possui tratamento próprio, apenas medidas de suporte, como hidratação. 

Quando Dalton, de 63 anos, deu entrada em um hospital particular de Florianópolis, ele relata que foi classificado no grupo B de atendimento. Durante o período de internação, a doença se agravou e ele chegou a ser classificado no grupo D, o penúltimo nível de gravidade, por conta da queda expressiva das plaquetas em seu sangue. “O médico me falou assim: suas plaquetas baixaram mais de 40 mil, o senhor já está correndo risco de vida, se avançar para a classificação E, é considerada dengue hemorrágica”, conta, em tom abalado. Após a passagem pelo hospital, Dalton seguiu se recuperando em casa, cumprindo as orientações que recebeu. “Recebi bastante instrução dos médicos, mas cura de fato não existe, o tratamento da dengue é hidratação”.

Ainda sem tratamento específico, a comunidade científica recebeu com entusiasmo a aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) da vacina japonesa Qdenga. Oliveira classificou a vacina como “animadora e interessante em um cenário de ausência de outras perspectivas na prevenção por imunizantes”. A infectologista Maria Júlia destaca que o produto é destinado para um grande público, que inclui a faixa etária dos 4 aos 60 anos de idade, um aspecto positivo em relação a outras possibilidades. Para ela, ainda existem algumas incertezas sobre a distribuição da vacina, principalmente se as doses estarão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) ou apenas nas redes privadas. “A vacina não é uma solução, é necessário outros cuidados de prevenção, mas ela é uma perspectiva futura bem interessante”, pondera. 

Como epidemiologista e especialista em saúde pública, Moretti considera que vacinas são sempre importantes e contribuem no controle de várias doenças, porém a Qdenga ainda deve passar por uma fase de testes no Brasil, para avaliar o efeito na população. “E mesmo quando a vacina é aplicada em massa, ela demora um tempo para apresentar resultados e mudanças no cenário epidemiológico da doença”. Sem vacinação ampla no curto prazo, sem tratamento e com condições de saneamento básico precárias, a tendência é que a dengue continue fazendo mais vítimas todos os anos. Oliveira alerta que a escalada de casos não será linear, com anos mais controlados e períodos de pico da doença. “A única certeza que temos é que vai continuar aumentando”.

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