O Departamento de Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC) é responsável pela disciplina de Jurandir e outras optativas da instituição. Foto: Matheus Vargas
Reportagens

Produtividade não tem data de validade

Jurandir Sell Macedo Júnior, um dos maiores nomes de finanças comportamentais no Brasil, hoje lida com a necessidade de desacelerar

Por Matheus Vargas

“Eu conheço muita gente com pouco dinheiro que vive bem, mas conheço também gente com bastante grana que está endividado até o pescoço”, afirma Jurandir Sell Macedo Júnior, de 61 anos, que há quatro décadas ensina como administrar as finanças em palestras, consultorias, artigos e, principalmente, nas aulas que ministra. Hoje, tem como prioridade sua disciplina de Finanças Pessoais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Os alunos não perdem a hora, sabem que cinco minutos de atraso são suficientes para perder a primeira chamada. Das 8:20hs da quarta-feira até meio-dia, a sala 204 do prédio Espaço Físico Integrado (EFI) da UFSC está ocupada pela disciplina optativa. O silêncio acaba na primeira abordagem do conteúdo, nesse instante, a aparência séria do professor Jurandir some e o bom humor toma conta. “Ele gosta muito de dar aula, tem tesão por isso”, conta o colega, também professor do Departamento de Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC), Gregorio Varkavis Rados.

O foco de sua disciplina no universo financeiro e comportamental gera muito interesse. São três turmas, totalizando 179 vagas, dispostas entre manhã, tarde e noite, para ser acessível a todos os perfis de alunos. Os estudantes, alguns no início da carreira e outros preparando-se para a aposentadoria, escutam atentamente. São pessoas de diferentes cursos no mesmo ambiente.

Além da instituição, Jurandir também compartilha seus conhecimentos em artigos, matérias e entrevistas. Já foi comentarista do Jornal do Almoço da NSC, deu entrevistas ao Fantástico e escreveu para a Forbes. Em seus textos conta histórias, cria metáforas, fala de casos reais. Um dos portais para o qual produz é a Revista Relações com Investidores (RI), onde escreve desde 2013. São 10 artigos ao ano, apenas nesta publicação.

Perfil de Jurandir publicado em 7 de janeiro de 2000 pela Gazeta Mercantil. Foto: Matheus Vargas

Para aqueles que não têm acesso às aulas ou às revistas, esses artigos se transformam em posts no Instagram, onde acumula mais de 11 mil seguidores, em vídeos no YouTube e até mesmo em um podcast, nomeado A visão do Jura. “Finanças Pessoais, longevidade e qualidade de vida” é como ele descreve os assuntos que aborda no programa. Também disponibiliza suas redes para tirar dúvidas a quem tiver interesse.

O espaço que Jurandir dedica a gravações de vídeos e de seu podcast, que fica em sua casa na Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Foto: Matheus Vargas

Foi na pandemia de COVID-19 que percebeu a importância de estar presente na internet. Depois da suspensão das aulas presenciais na UFSC, o professor sentiu muita falta de ensinar, “ficar preso foi um choque, eu sempre dei aula”. Por isso, começou a publicar seu material nas redes. Hoje conta com uma equipe que faz o design de seus posts e revisão dos textos. Seu objetivo é divulgar seu conteúdo para seus seguidores, que considera muito “comparado ao número de alunos que cabem numa sala de aula”. Ali prefere deixar a vida pessoal de fora das redes para focar no que gosta: ensinar finanças pessoais.

A paixão pela economia surgiu de uma perda importante: o falecimento do seu pai, Jurandir Sell Macedo, em 1971,  quando ele tinha dez anos. A mãe, Nilza Granzotto Macedo, sozinha com seus três filhos, se mudou de Bocaina do Sul, cidade de aproximadamente 3.500 habitantes no interior catarinense, para Florianópolis. Ele era o filho mais velho, por isso aprendeu a lidar com o dinheiro da família, já que a mãe tinha parado de estudar aos 16, para cuidar de todos. Além da precoce administração familiar, começou a trabalhar aos 14 anos, para ajudar Nilza.

Naquele tempo, as contas eram apertadas, “a grana era difícil até para comer”. Dias duros que mudaram graças aos estudos. “Minha mãe sempre dizia que poderia faltar comida, mas não educação”. Seus irmãos, Giancarlo e Sandre, hoje são executivos e empresários de sucesso, regra que acompanha Jurandir, que não deixa de dar crédito à instituição na qual toda a família se formou: “respeito demais a UFSC, eu adoro isso aqui”. O significado do dinheiro foi um dos temas abordados em sua disciplina e na publicação de agosto de 2015 da revista RI. Devido às dificuldades ao perder seu pai,  passou a enxergar o dinheiro como segurança. Entretanto, hoje faz um esforço para que tenha o significado de liberdade. Afinal, está em uma nova fase da vida. Chegou o momento que chama em seu livro A Árvore do Dinheiro, de “colher os frutos” do que plantou ao longo da vida.

O professor sente que está na segunda adolescência, que, para ele, é um dos  processos de mudança radical no ciclo de vida de uma pessoa. Segundo Jurandir,  ao atingir a fase adulta, os jovens sofrem ao começar a trabalhar e estudar com mais intensidade. Apesar da dificuldade, os adolescentes precisam se adaptar ao ritmo intenso e dar os primeiros passos em direção às suas responsabilidades. Ele se encontra num processo parecido de reajuste, porém, inverso. O desacelerar da vida. “Eu sei que preciso reduzir, eu estou envelhecendo”.

Esse reconhecimento começou em 2018, quando decidiu ter uma rotina menos intensa e dar início a um grande projeto de aposentadoria e de realização pessoal. A “casa dos sonhos”, como descreve um de seus grandes amigos, Roberto Rogerio do Amaral, é onde Jurandir planeja ficar no futuro. A residência fica em Bocaina do Sul, sua cidade natal.  Nas mesmas terras que deu seus primeiros passos, hoje administra uma fazenda de reflorestamento, além de plantações, como a soja.

Fachada de sua casa em Bocaina do Sul, já concluída. Foto: Arquivo pessoal
São de dois a quatro anos até o crescimento dos pinheiros que hoje são a principal fonte de renda de Jurandir. Foto: Arquivo Pessoal

A gestão do espaço é dividida, parceira na administração da propriedade, sua esposa cuida dos animais. Celina Maria Ramos Arruda Macedo. Além da fazenda, uma das grandes paixões do casal é o ciclismo. Jurandir iniciou o percurso com sua bicicleta Peugeot, aos sete anos. Por “falta de grana”, durante o tempo de faculdade, ficou sem bicicleta. O que resolveu ao fazer sua primeira consultoria financeira. Com o pagamento, comprou uma nova bike. Pedalando, gosta da altimetria, que é o ganho de elevação do início ao fim do trajeto, e de percorrer longas distâncias.

Viagens de bicicleta de 100 km em um dia, em diversas cidades do Brasil e do exterior, fazem parte da história do casal. Em 2017, foram à França, o período de um mês pedalando, totalizando em torno de 1000 quilômetros. Mais próximo de Florianópolis, uma das rotas é de Bocaina até Urupema, são 72 km e quase dois mil metros de altimetria. Roberto Amaral, amigo do casal, também participa das pedaladas. Amigos há mais de 25 anos, Roberto afirma: “tudo que ele inventa, eu vou atrás, inclusive na bicicleta”. Começou no ciclismo para “imitar o Jurandir” e recentemente os dois fizeram seu primeiro passeio juntos. Foram 42 quilômetros na serra e além deles, estavam Adriana, a esposa de Roberto, e Celina.

Roberto Amaral e Jurandir em um de seus pedais. Foto: Arquivo pessoal

“Eu viro criança quando estou nisso aqui”, conta aos gritos, enquanto sua voz compete com o vento da velocidade do pedal. Naquele momento, Jurandir deixava para trás um jovem de 19 anos, num trajeto que apenas começava. Enquanto pedala também comenta sobre sua preocupação com segurança, “nunca saio sem capacete”. Não anda mais pelas ruas de Floripa, apenas no seu bairro, por conta do “trânsito violento”. Por isso, leva a bicicleta no topo de seu carro até Bocaina do Sul. Quando questionado do porquê no teto, e não atrás do veículo, como é comum, entre risadas diz: “vai que tem uma batida, quando a gente gosta mais da bicicleta do que do carro é assim”.

Volta de bicicleta pelo condomínio que Jurandir mora, na Lagoa da Conceição. Foto: Matheus Vargas

“Ele ainda faz muito, né? Não sei como consegue”, enfatiza seu amigo Ercy Soares, de 65 anos, que é psiquiatra. “Eu invejo a disciplina que ele tem”, assume ao falar sobre a rotina de atividades físicas do amigo que, além das longas distâncias no pedal, inclui exercícios em uma máquina de remo e uma esteira. Jurandir tem como regra: 10 mil passos todos os dias. Mesmo quando viajava com frequência para palestras, o movimento não cessava. Em uma ocasião, no aeroporto de Congonhas, São Paulo, foi abordado por uma pessoa que pensou que ele estava perdido quando, na verdade, caminhava pelo espaço para completar a meta diária.

Jurandir se exercitando na máquina de remo que usa praticamente todos os dias. Foto: Matheus Vargas

Buscando reduzir a carga de sua rotina, o professor planeja fechar uma das três turmas de sua disciplina. Além do sentimento de falta de interesse de muitos alunos, quer reduzir seu tempo na sala de aula para ter mais disponibilidade em outras atividades. No fim do semestre, o tema foi riqueza. No diálogo, expôs de forma simples: “ser rico é ter o suficiente”. Quando lhe perguntam se se considera rico não duvida: “é claro!”, responde.  “Tenho meus filhos comigo, Júlia e Gustavo, minha esposa. Se eu quisesse ter um helicóptero, por mais que eu gostaria, não ia dar”, conta aos risos e completa, “mas consigo fazer tudo que tenho vontade e vivo muito bem”.

Em outra aula, diz: “muita gente não vê a hora de chegar aos 60 e parar de trabalhar, tem até quem queira ‘ficar rico e parar aos 40’”. Diferente do que vê em seus clientes e alunos, não tem sido simples para ele deixar para trás a rotina incansável de trabalho. “Eu estou num período de sofrimento, de reaprendizado. Sinto falta do sentimento de propósito, sabe?”. Quando era jovem, precisava lutar pela sua empresa recém formada ou pelo futuro dos seus filhos. Hoje, essas preocupações não existem mais. Apesar de reduzir sua carga de trabalho na UFSC, ainda não pretende se aposentar. “O que melhor me define, é ser professor”. Finalmente conclui: “Não é que eu vou deixar de ser produtivo, mas eu preciso aprender a viver mais lento”.

Jurandir fez 61 anos em novembro de 2022. Foto: Matheus Vargas

*** Reportagem produzida para a disciplina Linguagem e Texto Jornalístico III, ministrada pela Profa. Dra. Melina de la Barrera Ayres, no segundo semestre de 2022.

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