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Braço do Trombudo: mandonismo em um retrato do interior catarinense

Numa pequena cidade no Alto Vale do Itajaí uma indústria se destaca economicamente e socialmente. Conheça a história de interdependência entre a Industrial Rex e Braço do Trombudo – SC.

Reportagem por Mariana Oliari e Nicole Santos

Localizada a 205 quilômetros de distância da capital catarinense, e quase 5h de viagem de carro, Braço do Trombudo é uma típica cidade do interior de Santa Catarina. Com 4.026 habitantes, há apenas uma praça pública disposta na travessa de uma das duas únicas vias centrais da cidade. O local é mais frequentado nos finais de tarde pelas famílias braço-trombudenses e remete ares bucólicos e acolhedores de um final de tarde tranquilo.

O letreiro “Eu amo Braço do Trombudo” fica na praça que leva o nome de Edgar Arnold, fundador da Rex. Foto: Nicole Santos.

Ao lado do letreiro “Eu amo Braço do Trombudo” está um monumento com formato de bíblia com a inscrição do Salmo 127:1 em letras garrafais: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela.” 

O Salmo 127:1 pode ser associado às características do mandonismo, uma relação de cordialidade que se mantém entre patrões e seus empregados, para que estes mantenham sua lealdade. Foto: Nicole Santos.

Do outro lado da região central está o maior templo religioso da cidade, uma Igreja Evangélica Luterana, frequentada nas manhãs dominicais de missa ou em dia de celebrações, em grande parte por fiéis de sobrenome alemão ou italiano. 

Antes de chegar ao centro, uma empresa chama a atenção. Na frente, quatro figuras coloridas, cada uma com tamanhos entre 2 e 4 metros; limões, um copo de caipirinha, garrafas de cachaça, e a marca Rex Destilaria

A Destilaria Rex, outra empresa da família Arnold, também compõe o cenário da cidade.
Foto: Reprodução/Google

Adiante, bem no coração do município, está sua maior empresa, a Industrial Rex. Agora sem estátuas lúdicas que demonstram sua área de atuação, apenas placas com seu nome, afinal de contas, todos sabem que se trata de uma das maiores metalúrgicas do ramo de fixadores metálicos no Brasil. Seus muros ocupam a vista dos que passam por algumas dezenas de metros no que pode ser considerado o maior imóvel edificado da cidade. Além do CEP, as duas empresas compartilham o mesmo sobrenome em seu quadro societário: Arnold. A família Arnold é tradicional de Braço do Trombudo e iniciou a história do seu império com a Industrial Rex em 1958. 

É principalmente por causa dessas empresas que Braço do Trombudo, com apenas 32 anos de história – desde que se emancipou de Trombudo Central, em 1991 –, conquistou destaque por sua economia em nível estadual e até nacional. A cidade está no top 5 dentre os municípios do Alto Vale do Itajaí com a maior arrecadação de impostos. A empresa também já chegou a ocupar o 1º lugar dentre as maiores indústrias de porcas e parafusos no país. Hoje em dia, depois de alguns tropeços financeiros e um processo de recuperação judicial, o contexto não é mais o mesmo. Ainda  assim, a relevância da empresa é inegável, especialmente para o pequeno município do interior.

Sem a Rex, Braço do Trombudo não seria nada

Ivone Stramoski, ex-funcionária da Rex

Um dado recente exemplifica a importância econômica da empresa para a população; segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao todo o município conta com 1.507 pessoas com ocupação regular residindo na cidade, ou seja, com atividade remunerada registrada.  Dessa parcela, em média, mais de um terço trabalha diretamente na Rex ou em outras empresas ligadas ao grupo na cidade. O número exato de trabalhadores é desconhecido publicamente. Segundo o site da própria empresa, são 350 colaboradores, mas informações publicadas pela agência de notícias da Assembléia Legislativa do estado de Santa Catarina (ALESC),  são mais de 800 pessoas empregadas. De acordo com relatos dos próprios funcionários e ex-funcionários, a empresa chegou a ter mais de 1.000 colaboradores entre trabalhadores registrados, empregados “frios” – ou seja, sem carteira assinada ou qualquer vínculo empregatício – ou terceirizados. A estimativa da própria empresa é de que quase 10 mil toneladas de parafusos e porcas sejam produzidas ao mês. Na prática, há 2,4 toneladas de parafusos produzidos por mês para cada habitante de Braço do Trombudo. 

Quando se fala da empresa, o sucesso do negócio é sempre atribuído a Rolando Arnold. Filho primogênito de Edgar Arnold, fundador da Rex. “Seu” Rolando é sempre descrito como o “pai de Braço do Trombudo”. Isso porque foi em sua gestão que a Rex atingiu os maiores patamares, tanto em produção quanto em expansão do negócio, empregando mais funcionários e, consequentemente, elevando a qualidade de vida dos moradores em razão da estabilidade profissional e garantia de renda. Falecido em 2022 em decorrência de problemas de saúde, a maioria dos funcionários e ex-funcionários o descrevem como bondoso, gentil e visionário. Alguns poucos se arriscam a apontá-lo como controverso. As relações entre dono da empresa e funcionários ia para além do ambiente da fábrica, Rolando era presente na comunidade, conversava com todos, era próximo de alguns funcionários. Para alguns até assumiu a posição “compadre”, batizando os filhos. Para outros foi visto como bondade e suporte.

Mandonismo

Citado pela primeira vez nas dinâmicas entre senhor e caboclos em Lages – SC, o conceito de mandonismo serve para explicar as relações entre patrões e empregados que ainda se replicam nas cidades do interior brasileiro. Similar ao coronelismo, o mandonismo descreve os relacionamentos entre indivíduos em níveis hierárquicos superiores, normalmente os chefes, que mantém a cordialidade e o afeto no centro das relações com seus funcionários e empregados. É o que explica o professor Alcides Cunha, historiador especialista em economia catarinense:

Ivone Stramoski 

Há quase dois anos, em 10 de dezembro de 2021, Ivone sofreu um grave acidente no ambiente de trabalho: uma empilhadeira que circulava pelo almoxarifado a atropelou. Mesmo depois de nove anos aposentada, ela ainda trabalhava no setor de embalagem e logística da empresa, onde dedicou mais de 20 anos da vida profissional. Para ela, o acidente foi fruto do acaso. 

No acidente, além de perder a perna direita, ela ficou também sem autonomia. Mesmo com a prótese ortopédica, a ex-funcionária relata não conseguir dirigir ou caminhar mesmo em curtas distâncias por causa do período de adaptação, que é lento e caro.

Na época, Ivone firmou um acordo extrajudicial com a empresa para obter os valores referentes à prótese. Mesmo com um número suficiente apenas para uma prótese simples, ela é grata à empresa pelo apoio prestado e por isso preferiu não partir para um processo judicial trabalhista.

Nilton Vogel

Nilton dedicou 16 anos da vida profissional à Rex. Trabalhou no setor administrativo e nos últimos 3 anos de atuação, até 2013, desenvolveu atividades como técnico de segurança do trabalho. Por desentendimentos com o Seu Rolando, um dia, sem aviso prévio, foi demitido. Como era o único atuando na área de segurança do trabalho, após sua saída repentina a empresa descumpriu a norma reguladora  NR4 de 1978, que obriga todas as indústrias a contarem com um TST para garantir a saúde dos funcionários. 

Mesmo com o histórico conturbado com a Industrial, ele acredita que os benefícios que a empresa traz ao município superam qualquer ponto negativo. 

Valfrid Samp

Valfrid Samp esteve durante 12 anos na Industrial Rex. Nesse período atuou em diversas funções, foi contratado como operador de máquinas, mas em pouco tempo foi alocado para o tratamento de efluentes, cargo que exigia esforço físico de subida e descida de escadas, algo que ele, uma pessoa com deficiência na perna esquerda, não poderia exercer. Apesar dos apelos, trabalhou por anos na função e acabou desenvolvendo um problema crônico no quadril. Quando chegou com atestado médico do problema foi trocado de setor. Em 2015, já com o problema no quadril agravado, teve de se afastar para fazer cirurgia de reparação e passar por fisioterapia. Ao voltar ao trabalho, a surpresa: demissão sem justa causa e sem aviso prévio. 

Em 2015 processou a empresa em decorrência da negligência com sua integridade física e diversas outras irregularidades que aconteceram durante o período, como não pagamento de FGTS, não inclusão do adicional de insalubridade e horas extras de trabalho sem a compensação financeira devida. O juiz deferiu em favor do ex-funcionário, que comprovou as alegações e irregularidades da empresa, e definiu o pagamento de indenização de R$ 75 mil. 


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