No estúdio da MPB FM, trabalhou por 17 anos e só saiu quando a emissora foi vendida. (Foto: Acervo Pessoal)
Reportagens

Fernando Mansur, locutor que acompanhou a história do rádio brasileiro, hoje vive em Florianópolis dedicado à teosofia

Mestre e doutor em Comunicação, Mansur foi professor na UFRJ e até hoje grava vinhetas para o rádio

Reportagem de Clara Spessatto

Trecho inicial do programa Papos e Canções com a participação especial de Alcione. Fonte: acervo pessoal de Fernando

 

“Alegria de estar aqui com você!”. Assim Fernando Mansur começava seu programa de rádio Papos e Canções, da emissora carioca MPB FM, entre os anos de 2000 e 2017. Dono de uma forte e marcante voz, é locutor, professor e escritor. Além da apresentação dos programas radiofônicos, também ficou conhecido por gravar as chamadas institucionais da TV Globo. Com os clássicos bordões “proibido soltar balão”, “Criança Esperança”, “cultura, a gente vê por aqui!” e muitos outros, invadiu as casas dos brasileiros no início dos anos 2000. Hoje, aos 71 anos, está aposentado, mas ainda grava “com alegria” vinhetas para a rádio Jornal do Brasil (JB) FM.

Apesar de sua vida girar em torno do rádio, como gosta de destacar, não é somente dentro de um estúdio que Fernando é feliz. Atualmente, mora em Florianópolis junto com a esposa, a psicóloga Josy Mansur, com quem divide seus “momentos de introspecção, paciência e observação”. Josy afirma que o marido é uma das pessoas mais bem-humoradas que conhece. “Ele acorda assobiando e cantando. Até bravo, ele é engraçado”. 

Segundo a esposa, “no dia a dia, ele é metódico, gosta sempre do mesmo cotidiano”, adora caminhar e fazer compras, especialmente na floricultura e no mercado. Logo que acorda, pratica uma meditação por 15 minutos. Depois, toma café e sai para passear com Thor, o cachorrinho da mulher, na praça próxima a seu apartamento, no centro da cidade. Enquanto caminha, lembra, com nostalgia, do seu tempo como locutor.

Como forma de cuidar da saúde, Fernando procura caminhar todos os dias. (Foto: Clara Spessatto)

“Dentro do estúdio, ele é a alma da rádio”, descreve Josy. A grande paixão pelo meio começou há tanto tempo que Fernando nem consegue lembrar. Desde criança, fazia tudo escutando aquele pequeno aparelho que levava para todos os lugares. “Estudava, tomava café, tudo ouvindo o rádio”.

Sempre gostou muito de ler e escrever, principalmente, poesias. (Foto: Acervo Pessoal)

De família religiosa, quando adolescente, começou a ler as epístolas na missa, conquistando todos com sua voz, inclusive o gerente da Rádio Sociedade de Ponte Nova (MG), sua cidade natal. Foi assim que, aos 16 anos, pisou pela primeira vez em um estúdio. Em 1973, após concluir sua graduação em Letras na Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), fez o teste e foi selecionado para a Rádio Nacional, no Rio de Janeiro (RJ). Quarenta anos se passaram na “cidade maravilhosa”, período no qual trabalhou em diversas emissoras, como a Rádio Tupi AM, a Rádio JB – presenciando a transição para FM – e a Rádio Cidade. Luiz Carlos Silva, radialista, afirma que o amigo tem uma notável trajetória. “Um cara completo e super respeitado na rádio do Rio. Aqui, qualificam-no como, se não o primeiro, o mais famoso locutor da rádio FM da época”, declara.

Fernando (o segundo da direita para esquerda) e seus colegas de trabalho da Rádio Cidade, em 1981. (Foto: Acervo Pessoal)

Lula, como Luiz é chamado, é locutor esportivo da Band News FM – RJ, e um dos amigos próximos de Fernando. Como ambos são de Ponte Nova, conheceram-se no serviço militar, também trabalharam juntos na Rádio Sociedade e, posteriormente, chegaram a morar na mesma pensão carioca. “É um parceirão, um irmão que considero muito”. Hoje, apesar da distância, conversam via WhatsApp e sempre que possível visitam um ao outro. 

No final de maio, Fernando visitou o amigo Lula no Rio de Janeiro e mandou uma foto fresquinha” especialmente para esta reportagem. (Foto: Acervo Pessoal)

“Bom dia, Fernando!”. De volta à caminhada com Thor na praça, a memória é interrompida, quando escuta alguém o chamar. Sempre encontra vizinhos e conhecidos que, com um grande sorriso, cumprimenta e começa a conversar. Josy revela que o marido sempre tem assuntos, fala sobre tudo e com todos. “É uma pessoa que sabe escutar e falar”. Seu defeito, segundo Lula, aparece na hora de contar piada. “No meio da piada esquece o resto e começa a rir”. 

Após a caminhada, volta para casa e prepara o almoço. Por muito tempo, morou sozinho e, só recentemente, aprendeu a organizar a rotina e a ter hábitos saudáveis. É vegetariano e, há um tempo, parou de beber. À tarde, começa o trabalho. Voltou a gravar as vinhetas para a emissora JB quando se mudou para Florianópolis, no final de 2017. “Me eduquei e me formei profissionalmente nessa emissora”. Com carinho, lembra-se que entrou para a rádio na década de 1970, em plena ditadura militar. Como programador musical, recebia uma lista de músicas vetadas e, assim, aprendeu sobre o cenário político brasileiro.

Atualmente tem um estúdio montado no apartamento onde mora no centro da cidade. Um dia, enquanto estava gravando, veio um rapaz arrumar a parte elétrica da casa. Josy recorda da expressão de surpresa que o  jovem fez ao escutar a voz saindo do quarto. Apaixonado por rádio, foi, depois, conversar com o dono da voz. O locutor gosta de relembrar os programas que já apresentou, a maior parte envolvendo a esfera musical. Assim, conheceu grandes nomes da música popular brasileira, como Chico Buarque, Roberto Carlos, Gal Costa e muitos outros. Uma das entrevistadas que recorda com carinho é Simone. “Toda vez que a entrevistava, pedia para cantar uma música com ela. Isso foi umas três vezes”.

O Palco MPB, da emissora MPB FM, foi um programa de auditório apresentado por Fernando no início dos anos 2000. Vídeo completo do programa com Simone (2011) disponível em https://www.youtube.com/watch?v=U7qdTHplGaA

Até hoje, o radialista passa o dia escutando música, especialmente, durante seus passeios na praia. Sempre foi apaixonado pelo mar, um dos motivos que tornou mais fácil a adaptação à capital catarinense. Embora não goste muito do frio, encanta-se todo dia com a beleza da cidade, e lembra com saudades dos lugares que deixou para trás. “Cada cidade tem sua importância. A vida vai apresentando as coisas para mim e eu vou seguindo aquilo que ela sinaliza”.

Para Fernando, Ponte Nova representa sua infância e educação. Na pequena cidade de Minas, ele e seu único irmão, Mauro Roberto Mansur Barbosa, cresceram brincando nas ruas. “Ele era o filho travesso”, lembra Mauro. De família tradicional, o pai era “severo”, só que, diferente da forma como foi criado, nunca impediu que os filhos seguissem suas vocações. “Meu pai era bem durão, mas, com um coração muito bom, tinha como convicção que os filhos seguiriam a profissão que quisessem”. Anos mais tarde, levou essa base para o Rio de Janeiro. Lá teve seu único filho, Pedro Mansur (42), que, até hoje, continua morando na cidade.

Pedro, fruto de uma paixão da juventude, é fisioterapeuta no Rio de Janeiro. (Foto: Acervo Pessoal)

Na capital carioca, terminou sua formação acadêmica e passou a maior parte da vida. Foi na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que o locutor fez Mestrado e Doutorado em Comunicação. Sua tese Rádio-Um Veículo Sub-Utilizado?, foi publicada em livro com o título A Caixa Mágica (2017), em comemoração aos 50 anos de sua carreira. Esta não foi a primeira publicação sua sobre o rádio, tampouco sua primeira obra. Em 1985, publicou Bom dia, Alegria!, falando sobre comunicação radiofônica. Fernando também escreveu dois livros de crônicas, O sucesso continua! (1985) e O catador de histórias (2018).

A caixa mágica une a história do rádio brasileiro com a autobiografia de Fernando. (Foto: Clara Spessatto)

Os cantores Lenine (primeira foto) e Tunai (segunda foto) no lançamento do  livro Bom dia, Alegria!, em 1985. (Fotos: Acervo Pessoal)

Motivado pelo amor por aprender e ensinar, em 1992, retornou à UFRJ como professor. Ministrou as disciplinas de Radiojornalismo, Dicção e Interpretação Oral e Locução em Rádio e TV até 2015, ano em que se aposentou.  “Eu gosto de estudar com um objetivo, não só para mim. Eu estou fazendo alguma coisa, mas vai servir para alguém. Por isso, resolvi dar aulas”.

Mudando de Estação

Cá entre Nós é um canal do YouTube criado por Fernando em 2018 para discutir e explicar conceitos teosóficos.

“Alegria de estar aqui com você!”. A frase que deu início à carreira de Fernando segue abrindo seus programas que, agora, mudaram de meio e tema. O rádio foi substituído pelo YouTube e as músicas se transformaram em ensinamentos teosóficos. Entretanto, são a mesma voz e o mesmo homem que continuam gravando “com a alegria” de sempre.

A teosofia entrou em sua vida quando ainda morava no Rio de Janeiro. Na época passava por uma fase turbulenta de sua trajetória. “Estava tudo tão perdido e colocar uma pílula de teosofia alimentou minha alma”. Hoje, grava vídeos para a internet e tem uma coluna dominical no Jornal O Dia, em que fala sobre o assunto. “Eu tenho pensado muito sobre o momento que a gente vive no mundo e o que posso fazer micromente“. Dessa forma, além de estudar sobre a doutrina filosófica, passar adiante o que aprendeu foi a forma que encontrou para auxiliar as pessoas, tentando ajudar na busca da espiritualidade.

Alegria no ar, coluna no Jornal O Dia, aborda problemas e aspectos humanos sob o ponto de vista da teosofia. Disponível em https://odia.ig.com.br/colunas/alegria-no-ar

Foi graças a um evento teosófico na Bahia que, em 2015, conheceu Josy, que também estudava sobre o assunto. “Eu não ia participar, mas minha amiga comprou a passagem sem nem ao menos me perguntar. Foi o destino”, relata ela. Quase três anos depois, casaram-se e uma nova fase se iniciou. De noite, sempre estuda um pouco e lê junto com a esposa. “Ele lê uma página e eu leio a outra”.

 

Josy e Fernando se casaram em 2018, em Florianópolis. “Foi um lindo casamento”, lembra a esposa. (Foto: Acervo Pessoal)

Assim, o dia de Fernando termina, sem ao menos tocar no aparelho que o acompanhou por muitos anos. Em sua rotina, o homem que cresceu e se desenvolveu pessoalmente e profissionalmente escutando rádio, hoje, raramente o liga, a não ser no carro. “Fiquei mal acostumado com a programação de qualidade da Rádio MPB-FM, só de música brasileira, e sinto que, mesmo com tantas inovações tecnológicas, acho que estamos carecendo de criatividade”. O ouvinte, explica ele, precisa ser surpreendido ao escutar uma música ou uma informação. Afinal, para o locutor, o principal fator do meio é a imaginação. “A gente escolhe o que toca a alma”.

 

Reportagem produzida na disciplina Apuração, Redação e Edição III,  sob orientação de Melina de La Barrera Ayres, no semestre 2023.1. 

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