Reportagens

Chique, independente e… excêntrica

Déborah Almada: uma história de autonomia e bom gosto musical

Por Marcelo Pedrozo

Era uma semana de maio, no começo dos anos 2010, quando Déborah Almada recebeu um presente de Dia das Mães do filho mais novo, Bernardo Kiefer. Na escola, os alunos haviam sido orientados a produzir um acróstico com os nomes das mães, escrevendo um adjetivo que começasse com cada letra do nome. Na letra E, a palavra escolhida surpreendeu Déborah: excêntrica. “Eu não sabia o que botar. Eu podia ter botado várias palavras, excelente, espetacular, mas naquele dia eu decidi que eu ia botar a palavra excêntrica”, explica Bernardo. “Provavelmente a única criança na história da atividade de Ensino Fundamental que deu essa palavra para a mãe”.

Hoje, ele prefere descrever Déborah de outras maneiras. O gosto musical, por exemplo, aparece alto na lista de características. “Poucas coisas deixam ela mais orgulhosa do que transmitir gosto musical para os filhos”, conta Bernardo, hoje com 20 anos, que foi muito influenciado pela mãe nesse quesito, assim como os irmãos Lucas Moreira (36) e Gustavo Salles (31). A própria Déborah volta e meia estranha o quão parecidas são as playlists dela e de Bernardo, rindo das músicas dos anos 1970 que o filho escuta. Neste ano, assustada com a possibilidade de seus ídolos morrerem sem que os conhecesse, começou a fazer uma lista de grandes cantores que ainda precisava assistir. Nos próximos meses, shows de Maria Bethânia e Baby Consuelo estão em sua agenda. Ela e o marido, Rogério Kiefer, também passaram a agendar suas viagens pensando em oportunidades de assistir a shows.

A playlist de Déborah está sempre disponível no celular. Não toca somente em casa, também está em seu carro e é o som ambiente oficial do escritório da All Press Comunicação, agência de assessoria de imprensa e produção de conteúdo fundada por ela e por Rogério, em 2002. No trabalho, no entanto, os sons de rock, samba e MPB são pausados constantemente para ouvir ou enviar mensagens de áudio, em uma resolução incessante de demandas de seus clientes.

É nas festas que organiza que ela se esbalda. “Se eu tenho uma festa, a primeira coisa que eu começo a fazer é a playlist”. Nas reuniões em família, Déborah planeja tudo pensando em seus pais. Entre os amigos, ganhou a fama de organizadora de eventos, especialmente a tradicional Bacalhoada na época da Páscoa. A reunião que começou despretensiosa, unindo pessoas que passariam a data longe das famílias, se tornou hábito nos anos 2010. Mas, devido à organização trabalhosa e à crescente lista de convidados (que já passava dos 30, apenas com os amigos de sempre), o evento deixou de acontecer.

E não foi apenas a Bacalhoada. As festas, no geral, diminuíram após a pandemia. Déborah e a família se isolaram completamente em 2020, o que gerou um afastamento dos amigos. Hoje, são mais comuns programas de casal entre ela e Rogério. “Isso foi uma coisa que a pandemia roubou um pouquinho da gente. Depois foi difícil retomar o mesmo ritmo”, lamenta.

Segundo Bernardo, o sonho da mãe ainda é organizar um aniversário em um lugar afastado, convidar todos os amigos e contratar uma banda. Para ela, a banda é a parte mais importante. “Eu tô sempre imaginando que vou fazer um festão com música ao vivo. De vez em quando eu tô assistindo um show e pensando, ‘você precisa trazer esse cara para Floripa para uma festa’. Mas acho que é uma coisa mais no terreno das ideias”, afirma ela.

Sua habilidade na organização não se reconhece apenas para festas, para ela é imprescindível que a casa esteja sempre arrumada. Quando pequena, de acordo com Liliane Almada, sua irmã mais nova, Déborah não gostava das tarefas domésticas. Ela se defende e explica que isso não mudou. Sua vontade de manter tudo no lugar é, justamente, para não ter que arrumar novamente.

Por isso, uma cena recorrente em casa é a reclamação por Bernardo não ter limpado a caixa de areia do gato da família, Zion. “A gente briga mais do que deveria, porque ela é um pouco estressada e eu também sou um pouco estressado”, brinca o jovem. Ele ainda conta que a cozinha é um ponto sensível. É comum ouvi-la dizer: “Eu não fiz a cozinha para ficar esculhambada assim”. 

A limpeza do ambiente faz sentido, considerando seu amor pela comida. Fã de massas e pizzas, deixou-as de lado após uma “onda saudável”, segundo o filho. O começo do inverno é especial para ela e Rogério, que se deleitam com as sopas propícias para essa época do ano. A maior parte dos dias, contudo, começa em jejum. Geralmente, Déborah trabalha em casa pela manhã, acompanhada apenas de uma xícara de café preto “e nada mais, o que eu acho muito corajoso, porque eu nunca me arriscaria a começar o meu dia tomando só uma xícara de café preto sem comer nada”, opina Bernardo.

Apesar das manhãs aparentemente tranquilas, o filho descreve a rotina da mãe como extremamente corrida, o que não é nenhuma novidade. Na infância, em Porto Alegre, Déborah era uma criança ativa que dava trabalho para os pais. “Acho que eu fui umas três, quatro vezes com ela para o pronto-socorro. Quebrou o braço, jogou talco nos olhos, quebrou a perna”, conta a mãe, Rosa Almada. Na escola, o pouco tempo de estudo e as notas altas eram motivo de admiração. Rosa perguntava à filha “Não tem prova amanhã? Não tem que estudar?” e recebia como resposta “Ah, mãe, eu já sei tudo”.

O Jornalismo não foi sua primeira opção de carreira. Fã ávida de Cinema, sonhou em dirigir filmes a la Hitchcock. Aos 16 anos, decidiu que cursaria Oceanografia, mas desistiu da ideia perto do vestibular, porque a família não teria condições de mantê-la estudando fora e não havia esse curso em Porto Alegre, onde moravam. Foi perto da prova que, motivada por seu gosto por política e pelo costume de ler jornais, optou pelo Jornalismo. “Eu fui meio na intuição. Eu achava o máximo aquelas jornalistas que eram correspondentes internacionais, jornalistas que cobriam guerra. Então eu acho que queria mais uma coisa assim.”

Formada na Escola de Comunicação, Artes e Design – Famecos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), foi a primeira da família a ter curso superior. Entrar na faculdade ampliou seus horizontes. “Abriu, para mim, o mundo. Talvez para outras pessoas fosse tudo muito simples e muito normal, mas para mim era tudo muito diferente”. Ela afirma ter aproveitado todas as chances mais “culturais” do novo ambiente. Nessa época, em uma Porto Alegre mais segura, frequentava as sessões sempre cheias do Cine ABC, nas sextas-feiras à meia-noite, e depois voltava a pé para casa sozinha.

Após sua formatura, em janeiro de 1986, passou o Carnaval em Florianópolis. Na época, o Diário Catarinense estava sendo inaugurado, e ela aproveitou para visitar alguns de seus mentores que participavam da criação do jornal. Eles a convenceram a fazer um teste para a equipe. A mudança para a Ilha da Magia não estava em seus planos, pretendia ir para São Paulo em busca de oportunidades nos grandes veículos de comunicação. “Para mim Florianópolis era um paraíso, um lugar que eu queria voltar nas férias”, lembra, se referindo à cidade que é sua casa há 37 anos. Na família, a decisão foi recebida com surpresa, mas confiança. “A Déborah sempre foi muito responsável, e ela estava com foco voltado para uma coisa de profissional, não era para balada, para tirar férias, era para trabalhar”, conta a irmã Liliane.

Recém-formada, sozinha em uma nova cidade e mulher em uma profissão dominada por homens, passou dificuldades de todos os tipos, sempre evitando pedir ajuda aos pais, tanto financeira quanto emocional. “Deve ter momentos em que ela se sente fragilizada, que ela quer um colo, mas ela dá esse colo para a gente”, conta Rosa.

Em 1987, veio a primeira gravidez, do filho Lucas. Sem uma rede de apoio, as adversidades cresceram, ainda assim, Déborah evitava levar qualquer problema aos pais, inclusive os mais graves. Era com muita vergonha que, às vezes, precisava pedir socorro. “Eu me lembro direitinho do dia em que eu liguei para minha mãe de um orelhão, pedindo para ela depositar 100 reais para eu comprar carne para fazer um negócio para o Lucas”. Sua filosofia era sempre, “Primeiro eu resolvo, depois eu conto para minha mãe e meu pai”.

No trabalho, as dificuldades estavam em achar fontes para entrevistar. O número de contatos foi crescendo aos poucos, e em uma época sem celulares, eram todos anotados em uma agenda que ficava cada vez maior. Hoje, seu nome como jornalista em Santa Catarina é muito conhecido. “Ela tem respeito, ela fez acontecer, com a atitude dela”, diz Lúcia Helena Vieira, amiga e também jornalista. Lúcia Helena, que foi colega de Déborah no Diário Catarinense, sorri ao se lembrar da diversão que tinham ao trabalharem juntas: “Eu era feliz e sabia que era”.

Uma das lembranças mais antigas que tem da colega é dela entrando em sua sala vestindo um macacão jeans de que gostava na época. Sempre reconhecida por seu visual, hoje ganha elogios do próprio filho: “Minha mãe é uma pessoa chique. Ela tem uma classe, pessoa fina, sempre bem vestida”, descreve Bernardo. Na opinião de Lúcia Helena, Déborah é referência, não apenas nas roupas, mas por todo o seu gosto cultural. “Uma pessoa com quem tu podes conversar qualquer assunto. E, depois que eu deixei de conviver mais intensamente com ela, eu sentia falta disso”.

Desde 2002, está no comando da All Press Comunicação, onde trabalha com assessoria de imprensa. Esse é um grande mercado para jornalistas, apesar de Déborah fixar a diferença entre as duas funções: “No Jornalismo, tu tá produzindo conteúdo para opinião pública. Na assessoria de imprensa, a gente fala em nome de um cliente, então o nosso papel é muito diferente do papel do jornalista da redação, mas ele é complementar”.

Sobre comandar a All Press ao lado do marido, que considera uma pessoa mais tranquila do que ela, a jornalista brinca: “Talvez ele goste menos do que eu. Eu acho ótimo”. Pode ser desgastante, já que a agência é um assunto constante na relação dos dois. Ainda assim, “ele é uma pessoa muito boa de trabalhar, tem um jeito de lidar que torna fácil conviver com ele”. Déborah também considera o jeito “menos intenso” de Rogério indispensável no momento de gerir crises. Para Lúcia Helena, ele é um “ponto de equilíbrio” na vida de Déborah.

Atualmente, ela divide seu tempo entre a All Press e a Associação Catarinense de Imprensa (ACI), da qual é presidente. Lúcia Helena, que é a primeira vice-presidente, elogia a capacidade de liderança da colega. “Na diretoria [da ACI] já virou piada e brincadeira, na frente dela, que ninguém mais quer sugerir nada, porque, se alguém sugerir, ela delega. E aí a gente é obrigado a trabalhar”, brinca. Para ela, a iniciativa de separar as demandas para cada pessoa é essencial em seu cargo, já que “ninguém consegue fazer tudo sozinho”.

Tendo trilhado um caminho longo entre a jornalista recém-formada que mudou de cidade sem conhecer ninguém e a profissional experiente que comanda a ACI e a All Press, Déborah mantém uma qualidade importante: sua independência, característica herdada por Lucas, Gustavo e Bernardo. “Eu botei na minha cabeça, ‘meus filhos vão estudar e vão se virar sozinhos’. E, hoje, todos os meus filhos se viram”.

Aos 58 anos, Déborah é avó de Henrique Salles, de oito anos, filho de Gustavo, e se considera uma mãe realizada. “Acho que toda mãe se realiza vendo os filhos terem sucesso”. Mesmo que nenhum tenha aceitado as sugestões profissionais da mãe, se alegra por vê-los felizes nos caminhos que escolheram.

 * Reportagem produzida para a disciplina Linguagem e Texto Jornalístico III, ministrada pela Profa. Dra. Melina de la Barrera Ayres, no semestre 2023.1.

 

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