Reportagens

Paralisação nacional da educação: entre o protesto e o diálogo

Reportagem por Georgia Rovaris e Rodrigo Barbosa 

Os dias 2 e 3 de outubro foram de paralisação das atividades em instituições federais de ensino em todo o Brasil. A paralisação foi convocada por entidades representativas de todas as categorias – estudantes, professores e técnicos-administrativos – e foi motivada por uma série de medidas tomadas pelo Ministério da Educação (MEC) desde o primeiro semestre de 2019. O contingenciamento de cerca de 30% do orçamento discricionário dessas instituições, o corte de bolsas de pós-graduação e a tentativa de transformar o programa Future-se, que aumenta a participação do capital privado no financiamento das universidades, em projeto de lei foram os principais alvos de críticas. Em Florianópolis, os dois dias de paralisação foram marcados por protestos e diálogo entre comunidade acadêmica e população. O Cotidiano UFSC acompanhou as atividades e te mostra tudo o que aconteceu. 

Os dias 2 e 3 de outubro foram de paralisação nacional nas instituições federais de ensino (Fotos: Rodrigo Barbosa)

Quarta-feira, 2 de outubro 

A quarta-feira amanheceu com todos os centros de ensino bloqueados por estudantes no Campus Trindade, o maior campus da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Lacres, barricadas e correntes humanas foram feitas por alunos para impedir as aulas de uma parcela minoritária da comunidade acadêmica que foi contra a decisão de sindicatos e entidades representativas. A situação mais tensa ocorreu no Centro Tecnológico (CTC), que abriga os cursos de engenharia.  

Com exceção dos laboratórios, todas as entradas do prédio estavam impedidas, irritando estudantes e professores do centro, que se mostravam pouco abertos ao diálogo. Ao ser questionado sobre a situação dos trabalhadores terceirizados da UFSC, que estão sobrecarregados após a demissão de 95 funcionários, um professor relativizou: “Eu dou aula por 6 horas e ainda limpo a minha casa”. Na opinião dele, sua jornada é comparável às dos terceirizados da limpeza, que estão sendo obrigados a limpar até 16 banheiros por dia após as demissões – número este que foi definido pelo mesmo professor como “razoável”. 

O prédio seguiu trancado e a Polícia Militar foi chamada para resolver o impasse. Um estudante, revoltado com a paralisação, adentrou o prédio com uma faca e ameaçou estudantes que faziam a vigília das entradas do CTC. Foi o único momento no qual a PM interveio, entrando no prédio na tentativa de neutralizar o estudante, que não foi encontrado. O CTC permaneceu trancado até o fim da manhã, quando os estudantes que realizavam o trancamento desse e de outros centros se dispersaram para realizar outras atividades. 

Durante o período da tarde, professores e estudantes que se encontravam na UFSC rumaram à Praça XV de Novembro, no centro da cidade, onde acontecia o UFSC na Catedral desde a manhã. O evento contou com a participação de 37 projetos de extensão e laboratórios da universidade que proporcionaram aulas públicas, atividades infantis e exposições que mostravam a importância do conhecimento produzido pela instituição para a comunidade, que compareceu em peso às tendas instaladas em frente à Catedral Metropolitana.  

UFSC na Catedral expôs o conhecimento gerado na universidade para a comunidade externa

Diversos serviços também foram prestados durante o evento. O curso de Farmácia media pressão arterial e níveis de glicose de qualquer um que estivesse interessado. Foram realizados mais de 400 atendimentos e ao menos 40 pessoas foram diagnosticadas com diabetes pela primeira vez. Outro exemplo foi o NPJ (Núcleo de Prática Jurídica), que levou sua equipe para a praça e prestou assessoria jurídica a mais de 60 famílias. O projeto do curso de Direito realiza mais de mil atendimentos gratuitos anuais, conforme mostramos em matéria do mês de junho. Durante toda a tarde, panfletos que explicavam a atual situação da UFSC também foram distribuídos no centro da cidade a fim de sensibilizar motoristas e pedestres. 

Quinta-feira, 3 de outubro 

O acesso aos centros de ensino ficou ainda mais difícil na manhã da quinta-feira. Isto porque, além do trancamento dos prédios, que já havia ocorrido no dia interior, estudantes também fecharam as três principais entradas do Campus Trindade: as dos bairros Trindade, Pantanal e Carvoeira. Tábuas, pedras e entulhos foram empilhados nas cancelas até a metade da manhã. Entradas secundárias da universidade não foram afetadas.  

Principais entradas da UFSC foram bloqueadas durante a amnhã da última quinta (3)

Os alunos também bloquearam o trânsito da Rua Lauro Linhares e da Avenida Professor Paulo Henrique Fontes como forma de protesto. A cada cinco minutos, mesas e cadeiras fechavam os fluxos das vias e palavras de ordem eram proferidas. Parte dos alunos iam até os carros parados para dialogar e distribuir panfletos. A interrupção do tráfego também durava cinco minutos. A PM foi chamada para acompanhar o ato, que foi pacífico e se encerrou, por vontade dos manifestantes, pouco depois das 10h. 

Estudante dialoga com motorista durante o bloqueio intermitente na rua Lauro Linhares

No Largo da Catedral, ocorria, pelo segundo dia seguido, o UFSC na Catedral. O evento, entretanto, terminou duas horas mais cedo. O motivo? Uma manifestação, que teve sua concentração realizada no mesmo local, às 16h. Durante três horas de caminhada, os manifestantes passaram pela Alesc (Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina), rua Silva Jardim e pelas avenidas Mauro Ramos e Hercílio Luz, antes de encerrar o ato em frente ao TicenEstudantes do IFSC e da Udesc, em menor número, também participaram do protesto. 

Cerca de 5 mil manifestantes marcham pela rua Alvaro Millen da Silveira, próximo à Alesc

De acordo com os organizadores, entre cinco e sete mil pessoas participaram da marcha, que ficou marcada pelo desentendimento entre dois grupos de manifestantes que discordavam quanto à condução do ato. Apesar do clima tenso e de discussões entre estes dois grupos, não houve nenhum tipo de confronto. A Polícia Militar, embora armada desde antes do começo do ato, também não interveio com o uso de força em momento algum. 

Sexta feira, 4 de outubro 

Se na maioria das instituições federais de ensino as atividades foram retomadas normalmente após a paralisação de 48 horas, na UFSC a situação é diferente. Isto porque, desde o dia 10 de setembro, os estudantes da universidade se encontram em greve. As duas principais reinvindicações dos discentes são o restabelecimento do orçamento da UFSC e a recontratação dos terceirizados demitidos durante o ano de 2019.  

Alunos deflagraram greve em assembleia no dia 10 de setembro

Embora deflagrada há quase um mês, a greve estudantil da UFSC ainda não é totalmente homogênea dentro dos campi da instituição. Parte dos cursos optou por não aderir à greve e uma parte dos estudantes grevistas têm sido obrigados a comparecer às aulas por professores, cuja categoria rejeitou a adesão à greve. Uma sessão aberta do Conselho Universitário realizada na última segunda (30), encaminhou uma portaria que anula faltas e atividades avaliativas aplicadas durante o período de greve. A expectativa é de que a portaria seja assinada nesta semana pelo reitor Ubaldo Cesar Balthazar. O mesmo documento também garante a reposição posterior do calendário acadêmico, que ficará sob responsabilidade dos Colegiados de cada curso. 

Na sexta-feira, dia seguinte às 48 horas de paralisação nacional, uma assembleia estudantil encaminhou a continuidade da greve por pelo menos mais duas semanas. No dia 17 de outubro, uma nova assembleia discutirá os rumos da greve. Os grevistas entendem que o descontingenciamento de um terço do orçamento antes bloqueado, ou 21 milhões de reais, não são satisfatórios para a continuidade das atividades da universidade. O Secretário de Planejamento e Orçamento da UFSC, Vladimir Fey, já afirmou que o montante garante o pagamento dos compromissos da instituição apenas até o dia 20 de outubro. Além disso, o orçamento da UFSC para o ano de 2020 é 40% menor que o orçamento de 2019. Com isso, a verba de 2020 (cerca de 85 milhões de reais) será a menor da universidade em uma década. 

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