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“O método científico não é uma questão de fé, de acreditar ou não acreditar”, diz pesquisadora Andréa de Lima Pimenta

Com a pandemia de covid-19, a professora tem se dedicado cada vez mais à divulgação científica

Reportagem por Geovani Martins

“O conhecimento científico salva vidas”. Essa frase resume o pensamento de Andréa de Lima Pimenta, de 59 anos. Doutora na área de Microbiologia, atualmente se dedica a orientar pesquisas e a divulgar descobertas científicas nas redes sociais. Ela precisou se afastar dos laboratórios em 2020, durante a pandemia de covid-19, para se isolar em casa, na Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Sua filha, Isabelle Louise Pimenta Blight, diz que esse período foi um marco na vida da mãe. “Ela já pensava no que ia fazer dali para frente, se ia continuar nos laboratórios ou não. A pandemia fez ela escolher um caminho”. Mesmo assim, Andréa não parou de produzir ciência. “Ela não consegue largar isso, é uma mulher que pensa em ciência o tempo todo. Sabia que arranjaria um jeito de seguir, ainda que de maneira virtual”, conta Isabelle.

Ao longo de quase quarenta anos, ela construiu uma extensa carreira como professora e pesquisadora. Fazer ciência com microrganismos segue sendo a paixão que alimenta desde sua graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Essa paixão, entretanto, foi descoberta somente no final do curso. “Nos meus dois primeiros anos eu não sabia o porquê de estar lá. Botânica e Zoologia eram muito decoreba. Não me interessava saber que tipo de planta é essa ou onde fica o orifício anal daquele bicho”. Na segunda metade do curso, quando começaram os estudos sobre microrganismos, se encontrou. “Estava quase largando o curso, mas, nas últimas fases, me apaixonei por genética e decidi que esse seria o foco da minha carreira. Foi bem na época do boom sobre estudos genéticos no Brasil”.

A área onde Andréa tem maior especialização é em genética e fisiologia de microrganismos. Ela passou grande parte da sua vida tanto em laboratórios, fazendo pesquisas biológicas em nível microscópico, quanto em salas de aula, lecionando para centenas de alunos. Agora, em casa, além de analisar e publicar os resultados das pesquisas de seus orientandos, também atua na comunicação científica pela internet. “Sempre gostei de divulgação científica, mas nunca tinha me arriscado a fazer. Com a pandemia, ficou patente a necessidade de se combater a quantidade de fake news e de informação pseudocientífica que se produz por aí”. Hoje, participar de lives e podcasts, dar entrevistas e administrar páginas de redes sociais fazem parte da rotina. “O conhecimento não pode ficar só no laboratório, tem que ser levado para toda a comunidade”. Entre seus principais projetos online, estão o perfil Baseado em Ciência, criado por ela, e o canal Mulheres na Ciência, que participa junto com outras cientistas brasileiras.

Além do trabalho na internet, Andréa também faz parte da organização do Pint of Science Brasil, evento que reúne cientistas e pesquisadores para fazer divulgação científica em bares (Foto: Arquivo pessoal)

Após se graduar e fazer Mestrado pela Universidade de Campinas (Unicamp), em São Paulo, recebeu uma bolsa para fazer sua pesquisa de Doutorado na Universidade de Paris XI, na França. “Minha dissertação de Mestrado foi bastante extensa. A banca queria me dar o título de Doutorado já direto, mas recusei para não perder a bolsa no exterior. Eu queria fazer pesquisa lá fora”.

Viajar para fora do Brasil sempre permeou os desejos de Andréa. Nascida em Nova Iguaçu (RJ), passou por diversas cidades e países para fazer suas especializações. No seu passaporte, carimbos dos Estados Unidos, Argentina, Países Baixos, Uruguai, Reino Unido e tantos outros destinos são comuns. Agora, estabelecida em Florianópolis, gosta de planejar novas viagens no seu tempo livre. “É um hobby maravilhoso. Me dedico a pensar elas, fazer o orçamento, economizar, planejar para onde e com quem vou”. Para ela, é uma maneira de distrair a mente quando precisa descansar do trabalho. “Gosto muito de viajar com minhas filhas. Agora que cada uma está seguindo o seu caminho, é um quebra-cabeça para conciliar os tempos livres de todo mundo. Pensar em tudo isso faz as horas passarem”. Suas filhas Rebecca e Isabelle hoje têm 26 e 24 anos, respectivamente. O último destino foi a França para visitar Rebecca, que, seguindo os passos da mãe, mudou-se para lá recentemente.

Quando Andréa foi ao “país da baguete” pela primeira vez, em 1991, seu intuito era terminar o Doutorado e retornar para o Brasil. No entanto, a vida tinha outros planos: após apresentar sua tese, surgiu a oportunidade de fazer um concurso público e dar aulas por lá. Ela resolveu tentar, prestou o concurso e foi aprovada. Passou 15 anos lecionando na Universidade de Cergy-Pontoise, nos arredores de Paris, porém nunca esqueceu da sua ligação com o Brasil. “Fiquei por lá, mas sempre procurei contribuir como eu podia. Fazia pesquisa em colaboração com laboratórios brasileiros e cheguei até a dar algumas aulas de graça quando vinha para cá”. Fazer Doutorado em outro país ganhando uma bolsa brasileira lhe gerava o sentimento de ter que retribuir a oportunidade. “Falavam que eu era maluca de trabalhar sem receber nada, mas sempre tive em mente que fui para a França com dinheiro do contribuinte. Não voltei por conveniência minha, por coisas da vida. Não recebia diretamente, na verdade a sociedade já tinha me pagado”.

Até hoje, a excelência da pesquisa brasileira a impressiona. “A estrutura que eu tinha lá na França, 30 anos atrás, ainda era melhor que a que temos no Brasil hoje”. Conta que seus amigos europeus também ficam espantados com a produção científica no país. “Eles leem os resultados que publicamos e vêm de visita para colaborar. Quando se deparam a nossa estrutura, ficam admirados como fazemos tanto com tão pouco”. Para ela, a valorização da ciência brasileira passa pelas condições que os pesquisadores têm para trabalhar. “Aqui o nosso dinheirinho é mais suado”.

Em 2006, Andréa voltou a morar no Brasil e escolheu se estabelecer em Florianópolis, pois tinha parentes morando na cidade. Na ilha, manteve o trabalho em laboratórios e lecionou no ensino superior. Deu aulas como professora visitante na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), vinculada à Cergy-Pontoise. Além disso, fez dois pós-doutorados pela UFSC e orientou dezenas de projetos de pesquisa e extensão. “Sempre tive que me virar, como qualquer pesquisadora. Vivia dependendo de contratos para financiar as pesquisas, alguns pagos por empresas, outros por bolsas do governo”.

A vida entre pesquisas e produções em laboratórios precisou mudar em março de 2020, quando ficou em casa para se proteger da pandemia. Nesse período, começou a passar mais tempo na internet e a consumir mais notícias sobre a situação do mundo à época. Foi quando percebeu que um dos maiores problemas estava na desvalorização do trabalho científico. “Durante uma pandemia temos pacientes sendo tratados com cloroquina, algo cientificamente provado que não funciona para tratar covid. Isso são vidas colocadas em risco. Então é preciso saber ciência, seguir um método baseado em comprovação”. Para ela, a ignorância em ciência é um buraco profundo do qual se precisa sair o quanto antes. “O método científico não é uma questão de fé, de acreditar ou não acreditar. Temos que investir na formação de profissionais que trabalhem com embasamento científico”.

Agora, precisando desacelerar devido à idade, diz que não pretende largar sua vida de pesquisadora tão cedo. “Já não pego pesado como antes e a minha vista agora cansa mais rápido. Só que não vou deixar de ler para o meu trabalho, vou ver se compro um negócio de audiolivro”. Para Isabelle, parar de produzir ciência não é uma opção para a sua mãe. “Consigo visualizar ela com 90 anos nas costas tendo a mesma paixão pelo que faz. É muito focada. O corpo fica mais devagar, mas a mente segue a milhão”.

* Reportagem produzida para a disciplina Linguagem e Texto Jornalístico III, ministrada pela Profa. Dra. Melina de la Barrera Ayres, no semestre 2023.1.

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