Reportagens

O cinema universitário como manifesto de resistência

Conheça a plataforma criada por estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que disponibiliza gratuitamente obras audiovisuais universitárias independentes

Reportagem de Fernanda Biasoli

O uso dos serviços de streaming (possibilidade de acessar conteúdos online, sem precisar realizar o download) disparou durante o isolamento social. Sem permissão para frequentar cinemas e teatros, as pessoas buscaram outras formas de consumir produções audiovisuais. Segundo um estudo elaborado pela Conviva, plataforma de monitoramento desses serviços, a audiência de sites que oferecem séries, filmes e documentários nesse modelo cresceu 20% desde o início da pandemia. Agora, imagine uma plataforma de streaming que hospeda gratuitamente obras audiovisuais universitárias independentes?

É isso que a Universiflix se propõe a oferecer. A iniciativa agrega o sucesso e a facilidade dos serviços streaming à qualidade das produções universitárias e, de quebra, fortalece o cenário do cinema nacional.

Foi em janeiro deste ano que Sérgio Anansi (mais conhecido por Cid), Drielly Moreira, Bruna Teodoro e Camila Comandolli começaram a pensar a Universiflix. Os quatro estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) perceberam que muitas obras audiovisuais universitárias passavam por festivais e depois eram esquecidas em gavetas, HD’s e páginas pessoais. O grupo, então, quis criar um espaço onde essas produções pudessem ser permanentemente acessadas. ‘’A Universiflix é um manifesto de resistência que mostra ser possível nos organizarmos e nos articularmos coletivamente enquanto classe política da arte audiovisual’’, contam.

Os quatro estudantes durante reunião pela plataforma Zoom. A Universiflix foi planejada quase inteiramente de maneira remota por conta da pandemia (Foto: Camila Comandolli)

Em um cenário em que o cinema brasileiro vem sofrendo diversos ataques por parte do Governo Federal, iniciativas como a Universiflix se tornam cada vez mais necessárias. Em julho de 2019, o atual presidente da república anunciou a mudança da sede da Ancine (Agência Nacional do Cinema) do Rio de Janeiro para Brasília, em uma tentativa de facilitar sua interferência em produções apoiadas pelo órgão e, ainda no mesmo mês, anunciou que estava estudando sua extinção. Durante o decorrer do ano passado, o governo barrou a produção de séries LGBTQI+, cancelou a estreia do filme ‘’Marighella’’ e, em uma canetada, propôs um corte de 43% da verba do Fundo Setorial de Audiovisual para este ano de 2020.

‘’Se a indústria nacional de Cinema convencional já está sofrendo, imagine então a produção independente e estudantil’’, lamentam os estudantes.

Entretanto, o rápido sucesso da plataforma evidencia que o setor audiovisual não está acomodado. Em um mês de funcionamento, a plataforma já conta com quase cem obras audiovisuais distribuídas entre as categorias de documentário, ficção, experimental, animação, websérie, videoclipe e esquete. As produções vão do Norte ao Sul do país (literalmente) passando por 11 estados: Amazonas, Alagoas, Sergipe, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Um objetivo do grupo é expandir a hospedagem para obras de outros países. Por enquanto, estão disponíveis duas produções internacionais em formato de curta metragem: ‘’Oxímoron’’, produzido por Mariano Biondi, na Argentina e ‘’Orca’’, produção canadense de Giovana Nabarrete.

Dentre as obras hospedadas no site, está o curta ‘’Vila Conde’’, dirigido por Romulo Sousa, jornalista formado em Manaus e mestrando em Língua e Literatura inglesa pela UFSC. A sinopse é breve: ‘’ao visitar um velho amigo, Ricardo é surpreendido com um pedido de ajuda.’’, mas a origem da história possui raízes mais profundas. Romulo conta que a ideia para o filme vencedor de diversas categorias na Mostra Olhar do Norte, surgiu quando ele estagiava para um portal de notícias sobre criminalidade na capital do estado do Amazonas.

Sobre a plataforma, Romulo diz: ‘’Eu adorei a ideia da Universiflix, porque a gente tem dificuldade de mostrar o filme para um público. Essa plataforma ajuda a atrair pessoas que estão buscando outros filmes e acabam assistindo os nossos. (…) O processo de hospedagem também foi muito rápido. Essa janela é muito boa pra gente que tá procurando novas oportunidades no audiovisual.’’

Romulo e equipe durante a gravação de ‘’Vila Conde’’ (Foto: Arquivo pessoal)

Para utilizar a hospedagem da plataforma, basta preencher um formulário disponível no site. O único critério exigido é que a obra em questão tenha sido produzida durante o período de estudos, por isso é requerido um comprovante de matrícula no momento do preenchimento. A intenção é incentivar as produções realizadas  em instituições de ensino de toda a América Latina. Também é possível contribuir com doações em dinheiro para que o grupo possa continuar fazendo a manutenção técnica da plataforma e, assim, manter o projeto funcionando.  

‘’A plataforma é um espaço de exibição, compartilhamento e distribuição da arte estudantil e cinematográfica brasileira. Nós lutamos contra o esquecimento, resistimos pela memória das nossas obras e caminhamos juntes pela valorização do fazer coletivo diante da indústria colonizada.’’ finalizam os estudantes.

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