A Liberdade guiando o povo (em francês: La Liberté guidant le peuple), pintura de Eugène Delacroix

A utopia da democracia

Um dia após a última entrevista, no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFSC, Uziel apresentava o TCC intitulado “Conceito de Mundos Possíveis”. Não sei bem do que se trata o trabalho, mas o título me deixou pensativo. Durante todas as conversas que tive com aqueles jovens políticos, via nos seus olhos sonhos e utopias que tratam diariamente de pôr em prática. 

Saber se aquelas ideologias são factíveis ou, realmente, benéficas é trabalho para vidente. Todos eles terão argumentos muito bem estruturados para defender seus pontos de vista, mostrando pensadores, precedentes e números que corroboram com suas opiniões. O fato é: todos eles sonham com os seus próprios mundos possíveis.

Talvez aos olhos do princípio desta década, o mundo em que vivemos seria difícil de acreditar. Mas aqui estamos: o penhasco que nos divide nos polos políticos é alargado cada vez mais e, nesse contexto, o “diálogo” – pressuposto mais basal das democracias – deixa de ter relevância. 

Além dos atores políticos que apostam na polarização por verem que nela seu poder tende a ser maior, os algoritmos das redes sociais fecham-nos em bolhas cada vez mais impenetráveis. No documentário “The Great Hack” (Privacidade Hackeada, no Brasil), lançado em 2019, os cineastas egipco-americanos Karim Amer e Jehane Noujaim mostram como empresas utilizam os dados obtidos através das redes para criarem legiões de defensores ferrenhos de ideias que sequer são conhecidas à profundidade. Com a ajuda de “robôs” de discursos radicais, essas empresas fazem com que as pessoas se assemelhem cada vez mais com máquinas disseminadoras de intolerância.

Entre tanta desilusão, gritaria e desesperança, o mais comum é tentar se afastar disso. Conversando com Maria Woldan, uma colega de curso, sobre esta reportagem, fui capaz de compreender mais a distância que muitos jovens procuram ter do debate político. “É mais confortável não me envolver, até porque não me sinto representada. É meio hipócrita da minha parte, porque eu também não procuro saber”, me conta a estudante.

Mais ou menos uma hora depois da entrevista, Maria me mandou uma mensagem no celular. “Fiquei pensativa”, disse ela em um áudio. A estudante nunca se interessou e, provavelmente, nunca vai se encantar pela política partidária ou apartidária. O fato é que as incertezas são um ingrediente indispensável para a política. Na mensagem, expunha sua consciência de que, apesar da distância entre ela e a militância, a política diz respeito diretamente a sua vida. Ficou inquieta pensando nas maneiras que existem de se envolver politicamente.

Chega ser contraditório dizer que o território inóspito que afasta a população do debate seja o mesmo onde os sonhos daqueles sete jovens mais se desenvolvem. Mas é justamente isso que acontece. Eles decidiram deixar de lado suas privacidades e o conforto do ócio para fazer valer seus ideais.

A atuação desses jovens, nadando contra a corrente em meio à crise, nos mostra o quão admirável e complexa é a democracia: ideias vindas de todos os lados colocadas frente a frente e somadas para que a sociedade floresça. Quanto ao consenso, que fique reservado às ditaduras (por essência incoerentes), que calam as bocas destoantes e se mantêm sésseis dentro de uma humanidade orgânica e em movimento. Consciente de que a única intolerância tolerável é aquela que repele as ideias que desejam silenciar ou destruir as demais.

Se a distopia que vivemos hoje foi possível, por que não acreditar que a democracia voltará a ser inquestionável pelas mãos da emergente Geração Z?

 

Reportagem de Gabriel Iwood

Fotos dos entrevistados: arquivo pessoal

[As entrevistas desta reportagem foram realizadas entre outubro e novembro de 2019]