Escola no Saco dos Limões ganha espaço de orientação a estudantes indígenas
Iniciativa do professor Kaingang Elizandro de Lima é pioneira em Florianópolis e atende crianças da Casa de Passagem Indígena da cidade
Reportagem e fotografia por Rodrigo Barbosa
A Escola Estadual Getúlio Vargas, em Florianópolis, inaugurou a sala Kamé-Kanhru, dedicada à orientação de estudantes indígenas. A criação do espaço foi uma iniciativa do professor Elizandro de Lima, do povo Kaingang, e visa atender as crianças das famílias que estão no bairro Saco dos Limões e reivindicam a construção da Casa de Passagem Indígena da cidade, no mesmo bairro.
A iniciativa pioneira no município foi inaugurada no dia 22 de novembro. Para o lançamento do espaço, as crianças Kaingang apresentaram seus cantos e danças aos demais colegas da escola. Também houve uma roda de conversa composta pelos professores indígenas Elizandro (povo Kaingang) e Gerson Karai (povo Guarani); as lideranças Sadraque Lopes (povo Kaingang) e Laura Parintintin (povo Parintintin); e pela vereadora Cíntia Mendonça, da Mandata Bem-Viver (PSOL).
Os palestrantes falaram sobre as diferenças entre a educação indígena e a convencional, cultura, preconceito, meio ambiente e sobre a história da Casa de Passagem. Professores não-indígenas também prestigiaram a roda.
Por que o espaço foi criado?
Em março, lideranças Kaingang foram à Secretaria Estadual de Educação e relataram a dificuldade de acesso de parte de suas crianças à escola em Floripa. Os jovens em questão pertencem a famílias de lideranças que atualmente passam o ano na capital, como forma de pressionar a prefeitura a construir a Casa de Passagem Índigena da cidade.
Os Kaingang ocupam o antigo terminal do bairro (Tisac) e tinham como demanda inicial a criação de uma escola no próprio local, rebatizado por eles de Ponto de Cultura Goj Ta Sa. A demanda da comunidade do Goj Ta Sa baseia-se no direito que os povos indígenas têm de ter uma educação escolar “específica, diferenciada, bilíngue e comunitária”, previsto na Constituição Federal.
A Secretaria de Educação, que conta com uma pasta especificamente destinada à Educação Indígena e Quilombola, visitou a ocupação pouco depois da reunião que apresentou a demanda. Após a vistoria, alegaram não ter estrutura naquele momento para instalar uma sala de aula no local. A solução encontrada, em diálogo com as lideranças indígenas, foi a admissão dos jovens na escola convencional do bairro e a contratação de um professor indígena para acompanhá-los. Em oito de maio, Elizandro chegou à Getúlio Vargas.
“A gente trabalha mais a cultura, mais a nossa língua, nossa etnia. E também as danças culturais, as músicas indígenas que a gente têm, os artesanatos. A gente tá trabalhando muito a cultura, mostrando para os alunos e para os pais da comunidade que o povo indígena tá aqui no bairro, na comunidade. Isso tá sendo muito bom. E, além disso, a gente tem outros projetos, que seriam trabalhar também não só as turmas em que eu tenho alunos, mas trabalhar outras turmas pra gente tentar quebrar esse preconceito que ainda existe muito contra os povos originários”, explica Elizandro, que é formado em Pedagogia e faz Pós-Graduação em Gestão e Coordenação. Ele já costumava vir a Florianópolis durante as temporadas de verão, pois sua família também comercializa artesanato.
Segundo o professor, ter uma sala exclusivamente dedicada a seus projetos e alunos consolida o trabalho que vem realizando desde o primeiro semestre. O nome “Kamé-Kanhru” remete aos dois clãs que formam o povo Kaingang. A iniciativa é pioneira em Florianópolis e compreende doze estudantes Kaingang do Fundamental I ao Ensino Médio. Outros três estudantes participaram das atividades durante o ano, mas tiveram que retornar às suas aldeias.
E a Casa de Passagem?
Data de 26 de setembro deste ano a decisão judicial mais recente envolvendo a Casa de Passagem Indígena. Nela, o juiz Marcelo Krás Borges, da 6ª Vara Federal, intimou a prefeitura de Florianópolis a adaptar o próprio Tisac como Casa de Passagem, de acordo com um projeto desenvolvido pelo LabProj, projeto de extensão da Arquitetura-UFSC. O Executivo Municipal teria 90 dias para realizar as adaptações, sob multa de R$ 350 mil. Dois dos três meses dados como prazo já se passaram e não há sinal de obras no local.
O acordo inicial da Casa de Passagem previa a construção de um espaço novo no lote ao lado do antigo terminal e tinha julho de 2019 como data de conclusão, mas nunca foi levado adiante pelos prefeitos Gean Loureiro ou Topázio Neto. No documento emitido em setembro, o juiz Marcelo Krás Borges definiu o imbróglio como um “grave problema social” e afirmou que sua resolução ainda não aconteceu por “total falta de interesse do Município em resolver a questão”. Ainda segundo ele, a situação “não pode ser ignorada pelos poderes públicos”.
A comunidade indígena aguarda por uma nova audiência de conciliação com a prefeitura, o que não acontece desde o ano passado. Em setembro, durante entrevista à reportagem do Cotidiano UFSC, o então procurador-geral do município, Ubiraci Farias, chegou a prometer a construção da Casa de Passagem para o verão de 2025. Segundo ele, o Tisac ainda passaria por melhorias provisórias para atender melhor as famílias de artesãos durante a temporada 2024. Ubiraci, entretanto, pediu demissão três semanas após a entrevista. Nenhuma autoridade ligada à prefeitura se manifestou publicamente sobre o caso desde então.