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Reportagens

Livrarias digitais se consolidam e publicações independentes são tendência para 2022

Crescimento das vendas on-line de livros impulsiona mercado editorial em 2022

Por Jullia Gouveia

O mercado editorial começa 2022 em alta, segundo o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), através de pesquisas da agência Nielsen Bookscans. Após fechar 2021 com quase 30% de crescimento em relação ao ano anterior, o setor de livros brasileiro inicia o ano com variações positivas tanto no volume de vendas quanto no faturamento, de acordo com o Painel do Varejo mensal divulgado pela SNEL, que leva em conta os resultados de janeiro e fevereiro deste ano.

Em 2020, a participação no mercado das livrarias exclusivamente virtuais, como a Amazon, cresceu 84%, sendo responsável por 24,8% das vendas de livros naquele ano, em comparação com os 30,3% das livrarias tradicionais. Se somadas com os 8,1% das vendas do marketplace on-line, ou seja, os espaços virtuais onde grandes lojas permitem que pequenos comerciantes vendam seus produtos, o comércio digital dominou a venda de livros no ano, ocupando uma fatia de 32,9% no mercado.

Os conteúdos digitais cresceram 36% em 2020 e acumularam uma receita de R$ 147 milhões, mas representam apenas 6% do total consumido no país, sendo 92% e-books e 8% obras em áudio, os audiobooks. Os livros impressos ainda lideram com folga as vendas do mercado brasileiro, seja nas livrarias tradicionais ou virtuais. 

Para o escritor Luiz Fernando Schmidt, “o brasileiro não parou de ler, ele só parou de ir à livraria”. Schmidt estreou como autor este ano, publicando o livro de contos Histórias de Amor Talvez Estranhas pela Editora Skull em janeiro, e conta que existem muitos obstáculos para publicar um livro de forma tradicional no Brasil. “Há duas formas de publicar com uma editora: na primeira, você é um nome já conhecido e, muitas vezes, são as editoras que te procuram e já oferecem um contrato bom. Na segunda, você é um desconhecido e tem que ficar correndo atrás das editoras para que elas publiquem seu livro, que foi o que aconteceu comigo”.

Schmidt relata que, na maioria das editoras brasileiras, o investimento inicial sai do bolso do autor, que recebe de volta os royalties da venda. No entanto, já precisou lidar com editoras que ofereciam contratos abusivos, onde o autor não receberia nada pela venda dos exemplares físicos, dependendo apenas das vendas on-line para receber sua porcentagem de lucro. Na editora atual, Schmidt também foi o responsável pelo pontapé inicial das primeiras unidades. Atualmente, seu livro já conta com mais de 500 exemplares vendidos. Mesmo com a expressividade das livrarias exclusivamente virtuais, uma das estratégias da Editora Skull é levar os livros físicos para as lojas tradicionais do país inteiro. “Mesmo que todos comprem aquele livro online, vê-lo numa livraria chama muito a atenção das pessoas. A visibilidade de estar num espaço físico aumenta o número de vendas”.

O co-fundador da Editora Uiclap, Betinho Saad, afirma que a dificuldade para publicar é um dos principais obstáculos do mercado editorial brasileiro. Saad aponta que, quando a editora foi lançada, em 2020, o setor estava estagnado, com livrarias fechando, políticas de direitos autorais arbitrárias e escritores sem dinheiro. O objetivo da Uiclap, então, era facilitar o processo ao promover a autopublicação.

Através da editora, é possível publicar qualquer obra e ter controle sobre o preço dos exemplares. Nessa dinâmica, a revisão, diagramação e ilustrações também ficam por conta do autor. Por sua vez, em vez de imprimir um número grande de cópias numa gráfica e negociar com intermediários, a editora produz os livros conforme a demanda, poupando gastos no processo. “Ser um autor independente é não ter empecilhos. Se o escritor depende da gráfica, da distribuidora e das livrarias para publicar seu livro sozinho, ele não é independente, porque ele depende de outros fatores além de si mesmo”. No final de 2021, a editora já contava com mais de 5.000 títulos publicados. 

Saad afirma que a liberdade para publicar o que quiser, sem precisar da aprovação de uma editora, é um dos pontos fortes do serviço que a Uiclap oferece aos autores. “A cada 1000 livros apresentados para editoras, apenas um tem a chance de ser publicado. Isso é um tipo de censura prévia. Há muita vontade de publicar, muita demanda reprimida, mas pouca oportunidade”.

Ignorados pelos rankings, autores independentes crescem com literatura de nicho e influenciadores no Kindle Unlimited

Nada de autoajuda ou guia para ficar milionário: no Kindle Unlimited, plataforma de assinatura paga da Amazon que permite “pegar emprestados” milhares de livros e ler sem custo adicional, os gêneros mais lidos são romance e erótico. Para a influenciadora literária Duda Gaboardi, o crescimento do nicho é muito maior do que os rankings tradicionais de livros mais vendidos do ano revelam. “Mesmo com a grande popularidade, não se leva o gênero a sério. Por preconceito, muitos não leem ou não dizem que leem”.

Em 2020, começou a trabalhar com o marketing de influência literário e logo descobriu no TikTok um grande aliado. No aplicativo, algumas áreas de interesse ganham um apelido específico, e a literária se tornou o BookTok. Hoje, Gaboardi é uma booktoker, e apesar de continuar trabalhando em outras redes sociais, é na plataforma de vídeos curtos que seu conteúdo consegue atingir muitos públicos diferentes em pouquíssimo tempo. “No mesmo dia em que eu recomendo um livro no TikTok, ele sai da posição 500 dos mais vendidos do Kindle Unlimited para um dos cinco mais populares da plataforma no momento”.

Hoje, as resenhas e recomendações de livros que realiza nas redes sociais são a única fonte de renda da influenciadora, que chega a ler de 10 a 15 livros por mês para dar conta da demanda. “Ainda consigo ler para me divertir, às vezes me dou uma folga e começo a ler em segredo um romance de época ou um livro clássico, para variar”.

Escritora desde a infância, foi também no Kindle Unlimited que Olívia Uviplais iniciou sua carreira literária como escritora de romances. “Eu já escrevia desde criança e postava online em plataformas gratuitas desde os 12 anos, mas decisão de publicar veio da minha necessidade. Um dia, aos 16 ou 17 anos, eu não tinha dinheiro para almoçar no Restaurante Universitário (RU) e precisava de pelo menos 10 reais para garantir a semana. E então, uma pessoa me mandou uma mensagem, perguntando quando eu iria colocar meu livro na Amazon. Eu não sabia nem o que era Amazon, respondi: ‘Isso paga? Então vou colocar.’ Juntei tudo que eu tinha escrito e publiquei, sem revisão, e ele ficou nos vinte mais baixados da plataforma por muito tempo, e eu sem entender nada, mas vendo ali, talvez, minha oportunidade de conseguir pagar o meu RU”.

Um de seus títulos mais vendidos, Os padrinhos, foi publicado este ano como livro físico pela 3DEA Editora após o sucesso na plataforma digital da Amazon. Uviplais conta que, para ela, o livro físico é muito mais conquista que fonte de renda. “Tem muito a ver com a noção, um pouco retrógrada, de que autor é só quem tem livro físico. Muitas vezes, vemos autoras se endividando só para conseguir a validação de publicar no papel”.

Quando se fala de tendências, a autora vê uma crescente profissionalização na área dos livros independentes. “Processos que antes eram feitos pelo próprio autor ou de forma informal, como revisão, diagramação e marketing, são cada vez mais feitos por profissionais”. Além disso, Uviplais percebe cada vez mais diversidade no meio literário. “Hoje, você vê não apenas personagens negras e LGBTQ+ nas capas dos livros, mas também as pessoas escrevendo essas histórias são mulheres, negras e LGBTQ+. Isso é uma tendência muito positiva”.

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