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UFSC e prefeitura assinam termo que dá fim a processo de reintegração de posse da Servidão dos Lageanos, na Serrinha

Reportagem e fotografia de Rodrigo Barbosa

Boas novas na Servidão dos Lageanos! A comunidade avançou mais uma etapa em sua luta pelo direito à moradia que já dura quase quarenta anos, muitos dos quais sob ameaça direta de despejo. Desde 2009, um processo de reintegração de posse movido pela UFSC tramitava na Justiça Federal requisitando o terreno, localizado aos fundos da Moradia Universitária, na Serrinha. O processo, porém, está com os dias contados. 

As ameaças de remoção, que existiam desde o início da ocupação, na década de 1980, tiveram seu ápice em 11 de julho de 2012: uma equipe formada por dezenas de oficiais de Justiça e policiais federais entregaram mandados de citação (documentos que regulam os prazos para que os réus apresentem suas defesas à Justiça) às 85 famílias que à época habitavam o local.

“Essa data para mim é marcante, mas prefiro olhar pelo lado positivo onde nós, como pessoas dessa área, passamos a nos olhar um pouco mais, além de conhecermos pessoas maravilhosas que muito nos ajudaram”, lembra Maria Lucelma de Lima, de 61 anos. Dona Celma é líder comunitária e uma das criadoras da Associação Força de Marias, que representa os interesses dos lageanos, e considera o episódio como um marco na luta travada por ela e seus vizinhos.  

Dona Celma (à direita da foto) discursa durante o UFSC na Praça que ocorreu na Servidão dos Lageanos, na região da Serrinha, em junho de 2019. Umas das bandeiras da líder comunitária é a integração entre comunidade e universidade

No ano seguinte, depois de muita reinvindicação e graças a uma troca na administração da UFSC, o processo começou a mudar de rumo. No final de 2013, mais de um ano após a visita dos oficiais, a universidade solicitou a suspensão do processo para estudar possibilidades de efetuar a doação do terreno aos moradores. Quatro anos se passariam com o processo estagnado até que a doação fosse, enfim, aprovada – primeiro, pelo Conselho Universitário, em 2016; depois, pelo Conselho dos Curadores da UFSC, já no fim de 2017. As três administrações que sucederam a gestão do reitor Álvaro Prata (2008-2012), que pediu a reintegração, foram favoráveis à doação. Nunca houve, durante todo o período, nenhum plano para a utilização do terreno por parte da UFSC (veja mais informações na reportagem do Jornal Zero, de dezembro de 2017). 

Acontece que, desde a aprovação no Conselho dos Curadores, o processo de reintegração se encontrava ainda aberto, e permaneceu estagnado (mais uma vez) por anos. A burocracia em torno da doação é consideravelmente maior por se tratar de um bem público, e a prefeitura de Florianópolis foi acionada para ser intermediária do processo. Doação aprovada pela UFSC, seria a prefeitura a nova dona do local. Cabe também ao Executivo municipal a regularização fundiária e urbanização da área. Entre 2017 e 2020, porém, foram várias as justificativas que atrasaram o andamento de doação: da falta de avaliação financeira e a não-identificação das matrículas do terreno, por parte da UFSC; à falta de orçamento para a execução do projeto urbanístico e trocas do comando da Secretaria de Habitação, por parte da prefeitura. A pandemia do coronavírus, segundo os moradores, também teria atrasado o andamento nos últimos meses. 

Mas a espera, enfim, parece ter terminado na última semana: desde o dia 3 de setembro, um termo de cooperação assinado pelo reitor da UFSC, Ubaldo Cezar Balthazar, e pelo prefeito Gean Loureiro, está sendo protocolado na Justiça Federal. O documento dá fim ao processo de reintegração de posse e concretiza a cessão do terreno, que passa a ser de propriedade da cidade de Florianópolis. A administração municipal se compromete, no documento, a fazer a regularização fundiária das 85 famílias incluídas no processo e realizar melhorias na infraestrutura dos Lageanos, não podendo utilizar o local para quaisquer outros fins. Famílias que começaram a residir na servidão após o começo do processo não estão contempladas. 

“Depois de 8 anos, um mês e 23 dias, 1024 reuniões que a comunidade participou  com a Defensoria Pública, universidade, Procuradoria do Município, prefeitura… nós participamos de 1024 reuniões. Fora mensagem de zap, com todas as pessoas envolvidas para o negócio andar. Graças a Deus, agora aconteceu! Agora sim, o prefeito recebe o terreno”, comemora dona Celma, que tem cada passo do processo registrado. 

O passo dado em setembro, porém, ainda não significa o fim definitivo da luta lageana. 

Embora lixeiras tenham sido instaladas recentemente na servidão, ainda não há previsão para que o processo de regularização fundiária e urbanização tenha início nos Lageanos. “Eu acho que vai depender mais da comunidade ficar em cima, cobrando, conversando, discutindo todo o projeto que a prefeitura tem”, comenta a líder comunitária. Segundo ela, a melhoria no calçamento de 30 anos de idade e a criação de uma rede de esgoto são duas das principais demandas.

Rede de esgoto é um das principais reivindicações na Servidão dos Lageanos

Esta etapa do processo chega em um momento no qual a administração de Loureiro vem sendo duramente criticada pela falta de políticas de habitação, com destaque para recentes demolições na Ocupação Marielle Franco, que assim como a comunidade dos Lageanos, também fica localizada no Maciço do Morro da Cruz. Loureiro também é apoiador do Projeto de Lei (PL) 1801/19, atualmente em tramitação da Câmara e que prevê a demolição sumária de construções irregulares.

Os lageanos contemplados no agora extinto processo de reintegração de posse não seriam diretamente afetados caso o PL seja aprovado, e esperam ser convidadas para novas reuniões com a prefeitura num futuro próximo para discutir o restante de seu projeto urbanístico.

Até lá, a servidão comemora. Após quarenta anos de resistência, os Lageanos não serão despejados.

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