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Novas drogas sintéticas são comercializadas como LSD

Texto: Matheus Alves (matheusalvesdealmeida@gmail.com)

Foto: High Times

As batidas fortes da caixa de som e as luzes coloridas seriam o suficiente para movimentar os pés e latejar a cabeça de alguém sóbrio. As pessoas se esbarravam dançando descoordenadas em espaços conquistados a cotoveladas. Cauã*, estudante universitário, estava em uma balada de música eletrônica pela primeira vez e comprou uma droga acreditando ser LSD.

Quem vendeu o droga informou chamou-a de “doce” e disse que era do tipo Nike. Era um papel quadrado com o símbolo da marca de tênis que ele mastigou e sentiu um gosto amargo. Aos poucos, ficou feliz e queria dançar. A sensação de bem-estar explodia no peito, até chegar em casa exausto pela manhã. Então começou a sentir-se inquieto.

Não conseguia dormir, embora cansado e com os pensamentos bagunçados. Enxergava com dificuldade. Começou a chorar sem motivo. “Eu achava que ia morrer. Colocava a mão no coração e ele estava disparado, quase sai de casa para o hospital. Mas estava muito cansado para isso também”. Horas depois, dormiu de exaustão até acordar desnorteado e com a curiosidade: o que tinha acontecido no seu organismo?

Depois de pesquisar, achou grupos de conversa no Facebook sobre drogas sintéticas. Aumentou seu interesse, hoje acessa fóruns internacionais em que pessoas do mundo inteiro discutem o assunto. “Todo dia tem gente falando de droga nova. As pessoas dizem o que é, falam o que sentem. Vez ou outra aparece alguém que sabe química e descobre a substância”.

Entre os membros dos fóruns, Cauã encontrou o relato de que o doce do tipo Nike não era LSD. Na realidade, o papelzinho continha uma gota de 25i-Nbome ou simplesmente N-Bome – droga sintetizada pela primeira vez em 2003. Comercializado para recreação desde 2010, o N-Bombe possui poucas leis para regulamentação. No Brasil, 11 tipos da droga foram proibidos pela Anvisa no começo de 2014.

De acordo com o neurocientista Tadeu Lemos, especialista em dependência química, há poucas informações clínicas sobre a droga que é mais barata e mais comum no Brasil do que o LSD. “São semelhantes a metanfetaminas produzidas na clandestinidade em fabriquetas de “fundo de quintal”. Nunca se sabe exatamente o que é adicionado a elas”, explica.

No último mês, dois estudantes de universidades públicas em  São Paulo morreram após ingerir quantidades muito grandes de N-Bome. Encontraram da pior maneira uma das diferenças entre o LSD e a nova droga: ao contrário do primeiro, o N-Bome pode causar morte por overdose se ingerida com bebidas alcoólicas.

Cauã não está sozinho. São 82 mil usuários de alucinógenos no Brasil que podem comprar substâncias estranhas ainda mais perigosas que o LSD. Outras drogas sintéticas como o ecstasy também têm compostos químicos semelhantes comercializados em seu lugar. Cauã sabe disso, aprendeu nos fóruns. A maior parte de seus amigos “doidões”, não.

Falta de informação

Entre os riscos conhecidos do uso contínuo do LSD estão mudanças de personalidade, e desenvolvimento de problemas mentais como depressão, esquizofrenia e transtorno obsessivo. Tadeu Lemos destaca que os efeitos imediatos também podem ser arriscados: “podem ocorrer as chamadas “bad trips”, caracterizados por  alucinações desagradáveis, com crises de terror e pânico, que podem levar a pessoa a ferir-se ou suicidar-se.” O N-Bome pode causar transtornos semelhantes, e apresenta riscos residuais maiores.

 O N-Bome e as demais drogas novas são perigosos também devido a escassez de informações, embora não estejam sozinhas. Quando Richard Nixon elegeu-se presidente, em 1968, o combate contínuo e intenso aos psicotrópicos foi parte de sua campanha. No ano seguinte, o LSD foi proibido e adicionado a Comprehensive Drug Abuse Prevention and Control Act, lista de drogas consideradas perigosas até para pesquisa.

Apenas no começo do ano foram publicados os primeiros estudos sobre uso terapêutico de LSD em quase 40 anos. O pesquisador suíço Peter Gasser apresentou no Journal Of Nervous And Mental Desease – publicação norte-americana sobre estudos em psicologia – relatórios de resultados positivos na utilização do LSD para controle da ansiedade. Estudos semelhantes foram iniciados recentemente no Reino Unido.

Drogas do tipo N-Bome possuem ainda menos pesquisas. Sabe-se que foram inventadas em Berlim a partir de outro psicodélico, o 2C-I. Elas seguem utilizadas por cobaias voluntárias como Cauã e descrições amadoras de seus efeitos estão espalhadas na web. “Leio os efeitos dos tipos de doce. Se dá muita bad trip, nem tomo”, ele explica, com pose de pesquisador.

 

*Nome fictício criado para não expor a identidade da fonte.

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