Reportagens

MINAS DA OCUPA: o que pensam e quem são as mulheres que participaram das ocupações na UFSC

Texto: Jaine Araújo e Nina Veras
Fotos: Jaine Araújo
Esta matéria também foi publicada no Portal Catarinas

Elas são 49,3% dos/as estudantes de graduação na UFSC. Segundo o último boletim de dados feito pelo Departamento de Planejamento e Gestão da Informação, as mulheres que fazem graduação na UFSC somam um grupo de 10.842 pessoas, dentro de um total de 21.975 alunos que estudaram nos onze centros do campus Florianópolis, no segundo semestre do ano passado. Na docência, são 911 professoras para um total de 2.117 professores.

Nas ocupações, também é marcante a presença feminina. As minas fazem parte de diversas comissões, equipes formadas pelos ocupantes para organizar as tarefas do dia-a-dia na ocupação. A maior parte dos centros ocupados tem mulheres como maioria dos/as seus/suas estudantes, como é o caso do Centro de Comunicação e Expressão (CCE).

Antes da desocupação dos Centros, que ocorreu nas últimas semanas, a gente conversou com algumas mulheres das ocupações da UFSC para saber quem são, o que pensam, pelo que lutam e quais dificuldades enfrentam.

Minas do CCE

Um dos centros em que as meninas são maioria é o CCE, do qual fazem parte os cursos de Design, Letras, Artes Cênicas, Jornalismo, Cinema, Secretariado Executivo e Animação. São 1593 meninas, para um total de 2503 alunos.

E entre elas está Clarissa Levy, 20 anos, que é acadêmica de Jornalismo. Ela está na ocupação do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) desde o início, dia 10 de novembro, e faz parte da comissão de Comunicação e Arte. Participou da ocupação da reitoria em 2015 reivindicando a garantia de alimentação para estudantes que dependiam do Restaurante Universitário (que estava fechado, devido a uma greve dos técnicos), a abertura do RU durante as férias e o aumento de bolsas estudantis.

“Eu acredito que a nossa grande pauta nacional é barrar a PEC 55, mas a grande pauta local da UFSC é defender um plano de aumento de bolsas pra permanência estudantil. Pra mim, a ocupação representa a chance dos estudantes se integrarem e pensarem o seu papel ativo na universidade. E quando a gente tá ocupando, a gente combate esse projeto de sociedade elitista, tem a possibilidade de pensar sobre nós mesmos, e eu acho isso muito transformador.

Eu comecei a militar no movimento estudantil no segundo semestre de 2014, quando o debate de gênero estava começando a se fortalecer. Foi quando surgiu o coletivo feminista Jornalismo Sem Machismo e nós, do curso, estávamos conseguindo fazer um debate muito forte sobre o quanto as mulheres são silenciadas, o quanto é muito mais difícil pras mulheres estarem nos espaços de decisão porque a gente é ensinada a não se colocar, a ficar ali fazendo consenso, ou o quanto as mulheres não são ouvidas se não tiverem uma postura agressiva. E pelo fato de, no jornalismo, a gente estar conseguindo aprofundar essas questões, e pelo Centro Acadêmico que era dos homens ter virado das minas, o jornalismo estava nesse processo. Mas o movimento estudantil dos outros cursos ainda não estava. Então, eu me defrontava com um espaço dominado por homens sendo que no nosso curso já era mais das minas.

 A presença feminina pra mim diz tudo. Por exemplo, pra construir essa ocupação, são as minas que estão na linha de frente, são visivelmente as meninas que estão tocando as coisas, fazendo a política. E a gente vê o quanto isso é revolucionário quando tu percebe que não está falando só de permanência estudantil no abstrato, mas tu tá falando das estudantes mães, por exemplo.

Tem lugares em que as mulheres se sentem confortáveis pra falar, em que elas são ouvidas e onde elas tomam a frente das coisas. Há dois anos não era assim, foi uma construção combativa, não pelos homens recuarem, mas pelas minas se colocarem tanto que eles são obrigados a recuar. E eu acho que isso só acontece devido ao apoio mútuo entre as mulheres. No jornalismo isso só mudou a partir do momento em que as meninas se uniram no coletivo e falaram ‘meu, jornalismo é profissão de mulher também’.

Há várias diferenças: por ser mulher várias vezes as pessoas não estão interessadas em ouvir o que você tem pra falar, eles estão mais interessados em te olhar, te observar. Tipo ‘ah, tu é inteligente. Legal! Mas primeiro tu é bonita’. E é muito triste perceber isso. Também é muito ruim ver caras que se aproximam das meninas de um jeito paternalista querendo convencê-las a seguir o posicionamento político deles. Eu olho pra trás e vejo o quanto eu sou ingênua, mas já consigo me defender disso e enxergar que vários caras já tentaram se aproximar de mim pra me fazer seguir o posicionamento político deles. Porque eu não conseguiria pensar sozinha, né?

 Tem meninas da ocupação que já disseram que têm medo de ir ao banheiro sozinhas à noite, e isso evidentemente é uma dificuldade, porque uma pessoa que se sente menos segura no espaço como a gente (mulher) se sente, mesmo no espaço de ocupação, não vai dormir tão bem quanto as outras. Ela não vai ser tão livre naquele espaço; portanto não vai ter tanta possibilidade de disputar aquele espaço como um homem teria.”

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Outra mina do CCE é Vivianne Moureau. Ela tem 35 anos, estuda Letras Português e é formada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde estudou de 2007 a 2010, onde participava de movimentos estudantis. Ela faz parte da Comissão de Arte e Cultura na ocupação do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) e é responsável por criar vínculos entre as programações das ocupações entre os Centros, principalmente entre CCE, onde estuda, e Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH).

“Ocupação pra mim é existência, resistência, construção de história, voz, imprescindível. Um dos caminhos, o caminho em que eu me inseri, e que traz consequências interessantes para a gente. Este é um espaço em que eu já tinha uma vivência, e havia um descontentamento geral e um descontentamento meu. Por estar vivendo, dialogando, conversando (com outras mulheres e com pessoas que estavam promovendo ocupações em outros centros da UFSC), eu desemboquei nisso, algo totalmente fluído. Quando eu vi, estava dormindo no CFH com todas as manas incríveis que estão por lá.

Eu vejo uma presença muito forte nas assembleias: as mulheres à frente, não de maneira hierárquica, mas ali, levando a coisa toda.  São muitas mulheres e isso é novo pra mim, é diferente do que eu já participei até agora, pois não era assim há dez anos. Em 2007 tinha uma mulher só que falava. Então, pra mim está sendo lindo, me sinto super bem, super acolhida, as meninas são incríveis e tem muita energia.

Um dos símbolos que a gente tem das ocupações no Brasil é uma menina do ensino médio. As mulheres que estiveram e que estão à frente do Fora Cunha, do Fora Temer, por exemplo, elas estão muito atuantes. E o movimento feminista traz uma nova forma de atuar, de pensar o mundo, um mundo mais agregador.

Tem uma frase que eu acho muito legal: é falta de alongamento dos olhos confundir delicadeza com fraqueza. Eu vejo muito mais diálogo com essa presença feminina e acho que isso é construção, é o que faz acontecer esse monte de oficina, esse monte de coisa, esse monte de gente.”

Minas do Centro Tecnológico (CTC)

Renata Schramm, 22 anos, estuda arquitetura, único curso do CTC que está ocupado e que faz parte do Centro de maior presença masculina. Do total de 5.908 alunos, apenas 1.682 são meninas. Mas no curso de arquitetura as meninas são maioria: 328 alunas para 490 estudantes no total. Renata está na ocupação desde o dia 10 de novembro. Faz parte da comissão de Comunicação e já participou da ocupação da reitoria em 2014 devido ao levante do bosque.

“O que a ocupação representa pra mim é aquela sensação de estar fazendo alguma coisa que é necessária. Já tava há muito tempo batendo na porta e precisava ter feito isso, precisava ter parado pra conversar sobre as coisas.

A gente tem uma situação do próprio curso, é uma cultura do curso e talvez da profissão; não sei da onde vem isso, mas é uma situação de pretensiosa calma, de boa convivência. Mas nas sutilezas, talvez no modo de falar, ou um pouco no jeito de se posicionar, a gente tem pequenas agressões que são muito invisíveis, que são muito sutis. Dentro da ocupação eu achei um ambiente muito bom, mas sempre tem essa coisa forte de começar a perceber quando um menino corta uma menina, começa a falar mais alto ou tem mais espaço de fala. Se homens estão presentes, eles vão falar mais alto, vão ter mais abertura porque isso é uma questão cultural, não vou dizer que tais pessoas na ocupação estão deliberadamente fazendo isso, mas eu ainda acho que é alguma coisa que deve ser debatida e apontada.

A gente tem uma boa dinâmica de grupo aqui, porque em outros lugares tem essa divisão sutil mas agressiva de mulheres ficarem na limpeza e na alimentação e os homens ficarem na segurança, a gente tentou se manter mais perceptível nessas questões para não manter um círculo vicioso.

Eu acho que se eu fosse um cara, a raça ia colar toda vez que eu chamasse pra uma reunião, toda vez que eu falasse alguma coisa todo mundo ia ficar “nossa, meu deus, mandou muito!”, e isso é muito claro. Sempre foi assim.

Nenhuma mudança acontece sem a presença feminina, a gente só vai fazer mudanças superficiais na sociedade se não houver presença feminina, presença negra, presença de figuras que estão hoje em situação de opressão, de desvalorização. Só vai acontecer uma mudança “da raspa do tacho” se for sempre um homem branco hétero fazendo as coisas, pode ser lá o cara desconstruidão na frente, mas eu não boto muita fé.”

Nathália Oliveira, 21 anos, assim como Renata, é acadêmica de arquitetura e participa pela primeira vez de uma ocupação. Não faz parte de nenhuma comissão específica, mas ajuda em todas as áreas quando é preciso.

“Parece uma imersão, eu to aprendendo muito, e convivendo com pessoas que eu não tinha muito contato antes. É tudo bem intenso, a gente é muito produtivo e discute muito. Me senti motivada por isso, porque aqui dentro do nosso curso, a participação dos alunos é muito pequena. Eu sinto que a gente tem que conquistar as pessoas do nosso curso, e isso foi uma grande motivação pra mim também. Parece uma utopia fazer com que as pessoas possam enxergar as coisas do jeito que a gente enxerga, parece que as pessoas não fazem esse exercício, elas têm preguiça de participar. A presença das mulheres torna tudo mais enriquecedor, todos os debates são mais ricos quando tem a presença de diversidade.”

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Minas do Centro Socioeconômico (CSE)

O CSE possui 3.291 alunos, dos quais 1.706 são meninas. A ocupação só foi confirmada pelo curso de Relações Internacionais, mas pessoas dos cursos de Serviço Social, Direito, Ciências Contábeis e Economia também colaboram com a ocupação por conta própria, sem apoio de seus cursos de origem. O curso de Serviço Social ficou paralisado de terça (8/11) a sexta (11/11) e voltou a ter aula no pós-feriado quarta-feira (16/11).

Aline de Andrade, 21 anos, é estudante de Relações Internacionais e participa pela primeira vez de uma ocupação, onde faz parte da comissão de logística.

“Decidi participar da ocupação pelo propósito em si, pela necessidade de fazer alguma coisa, por não conseguir ficar parada, e porque a gente acredita realmente na causa.

É muito difícil estar aqui nesse espaço, aí você vai pra sala de aula e é criticado, as pessoas ficam comentando, falando coisas que nem sabem, elas estão ali toda hora só criticando.

Ocupação pra mim significa luta, coletividade, sabe? A todo momento eu sei que tem alguém ali me cuidando, eu sei que vai ter alguém ali me protegendo, se preocupando. Às vezes dá problema porque a gente é ser humano, então tem momento que chega um pico que cansa, mas a gente tenta.”

Ana Carolina Parreira, 22 anos, é acadêmica de Relações Internacionais. Ela faz parte da comissão de agenda.

“Eu venho de uma classe um pouco mais alta e escuto muito o discurso “ah, essas pessoas só querem badernar, não querem ter aula. O governo tem que parar de gastar mesmo porque tá gastando muito”. Isso é um senso comum bem disseminado nas classes mais altas e eu vejo a minha família e várias outras pessoas que eu conheço reproduzindo isso. E, na verdade, essa é uma ideia de que o conhecimento não é pra todos, é pra quem merece, é pra quem tem dinheiro e isso não é verdade.

A gente não ocupa porque gosta de dormir aqui. A gente ocupa porque é uma necessidade. A ocupação é uma maneira de demonstrar que esse espaço é nosso, que a universidade precisa ser nossa. Mas eu tive muito medo no começo e  ainda tenho vários receios. Tenho medo de estar aqui, de dormir aqui, das ameaças, das exposições. É um desconforto enorme. Nós não conseguimos construir um ambiente tranquilo e favorável porque está tendo aula junto e muita gente é contra a ocupação, tem muita gente agressiva em relação a isso.”

Gabriela Grossklaus, 20 anos, é acadêmica de Relações Internacionais e já participou de uma ocupação de escola quando ainda era secundarista. Ela faz parte da comissão de logística.

“É tudo muito político. Dentro da ocupação todo mundo é um ator político, todo mundo tem uma voz. Eu acho que a nossa vivência aqui dentro é uma consequência. Não vamos ocupar pra nos conhecer, mas essa acaba sendo uma consequência muito da hora que acaba integrando o curso para outras atuações políticas futuras, entendeu? Foi bem da hora, a gente nunca tinha trocado tanta ideia com o pessoal de outros cursos, dos outros centros, eu não conhecia o pessoal do Serviço Social, por exemplo, e a gente tá aqui muito próximo e não trocava ideia.

A presença feminina na ocupação muda tudo, traz mais segurança e representatividade. A maior parte das pessoas reacionárias e que têm feito ataques e ameaças são homens e homens grandes, mas a gente não tem medo. A ocupação várias vezes fica só na nossa mão.”

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