Os desafios da educação para surdos no Brasil
O tradicional Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM–, aconteceu com uma novidade: em 2017 foi realizada a primeira prova com tradução para LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais. Além disso, o tema da redação também teve relação com o assunto: “desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”. Mas quais seriam estes desafios? Como incluir e proporcionar igualdade para essa parcela da população? É o que procuramos responder com esta reportagem.
Para a professora do Departamento de LIBRAS da UFSC, Ronice Müller de Quadros, o maior desafio da área no Brasil é a implantação da educação bilíngue (língua portuguesa – LIBRAS). “Porque ela já é reconhecida como necessária e legalmente faz parte de documentos oficiais”, complementa. O decreto 5.626, de 2005, regulamenta a lei de LIBRAS de 2002, a 10.436. O Plano Nacional de Educação – PNE, votado em 2014 –, que planeja a educação para os próximo 10 anos, a contar de 2014, prevê, na meta 4 a educação bilíngue para surdos contemplada de 0 até 17 anos, preferencialmente na rede pública de ensino. Entretanto, ainda não existe tal implementação.
“Como não existe essa implementação, o que acontece é que o aluno surdo quando consegue concluir o ensino médio, vai fazer o ENEM em LIBRAS agora, sem ter o acesso à educação bilíngue, sendo sobrevivente do sistema que ainda não está estruturado para receber o aluno surdo”, explica a professora. Inclusive, a maioria dos quase 2.000 alunos surdos que prestaram o ENEM este ano está fazendo a prova pela quarta ou quinta vez, de acordo com a professora, devido à falta de acessibilidade.
Ao contrário do que muitas pessoas pensam, as línguas de sinais não são universais: existe a Língua de Sinais Americana, por exemplo, e a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Essas línguas não são apenas um conjunto de gestos, mas são expressivas e complexas, permitindo que os surdos discutam sobre todos os assuntos. “Trazer este tipo de tema, que envolve a LIBRAS e os surdos, é importante para provocar a reflexão, para tirar a pessoa da sua zona de conforto para olhar o outro que é diferente e que também faz parte da sociedade.”
A Universidade Federal de Santa Catarina é pioneira, entre as universidades, em oferecer o curso de LIBRAS, tanto à distância (regular em 2014), quanto presencial (regular em 2009). Além disso, também atende todos os Cursos de Licenciaturas da própria UFSC, oferecendo a disciplina LSB 7904 – Língua Brasileira de Sinais. Atende ao Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e o Art. 18 da Lei 10.058, de 19 de dezembro de 2000. Este ano, pela sexta vez, o vestibular da UFSC também apresentará o edital em LIBRAS.
Cada termo tem seu uso
Surdo: apresenta uma perspectiva socioantropológica, uma definição social. “Os surdos se identificam como surdos”, acrescenta a professora Ronice. “Quando vou me referir ao grupo social, utilizo a palavra ‘surdo’, deficiente auditivo é uma coisa mais técnica.”
Deficiente auditivo: apresenta uma perspectiva técnica, clínica, médica, terapêutica. Não é errado usar a expressão. “Os médicos não dizem ‘você é surdo’, eles dizem ‘você é deficiente auditivo profundo’, este é um termo técnico.” Surdez é, também, uma expressão técnica.
Ouvinte: pessoa não surda. “Lembro-me de alguém me contando que foi descobrir que era ouvinte quando conviveu com um surdo, é interessante porque a gente não se identifica como ouvinte, mas o surdo se identifica como surdo.”
Educação bilíngue: educação em que existe um projeto político-pedagógico que prevê um ambiente bilíngue: se for uma escola só para surdos, a LIBRAS será a primeira língua e o português a segunda. Se for mista (com surdos e ouvintes), o português será a primeira e a LIBRAS a segunda para os ouvintes; já para os surdos, a LIBRAS continua como primeira.
Tradutor: trabalha com a tradução de materiais, do português para a LIBRAS. A tradução é geralmente feita para o vídeo. Um exemplo disso são os editais em vídeo da UFSC. A LIBRAS escrita ainda está sendo elaborada.
Intérprete: atua como intermediário/a entre surdos e ouvintes, estão presentes em eventos, palestras etc., fazendo tradução simultânea. “Existe uma compreensão equivocada de que se há um interprete está garantida a educação bilíngue.”
Professor/a de LIBRAS: quem ministra aulas de LIBRAS, profissional formado pelos cursos de graduação, os da UFSC são pioneiros.