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Documentário resgata história de professor preso na ditadura

Texto: Bruna Andrade (brunandrade92@gmail.com)
Foto de capa: Arquivo pessoal da família

Depois de 50 anos do Golpe Militar, alguns episódios da ditadura começam a vir a tona com o trabalho da Comissão da Verdade.  Este é o caso da prisão do professor Marcos Cardoso Filho, que ocorreu durante a Operação Barriga Verdade e só agora foi esclarecida. A prisão do porfessor tornou-se um documentário produzido pela TV IFSC, em homenagem ao funcionário da instituição quando esta ainda era chamada Escola Técnica Federal de Santa Catarina (ETFSC).

“História recontada: Marcos Cardoso Filho e a ditadura da Escola Técnica” relembra a história do catarinense preso por causa de sua relação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em seis meses de trabalho, a equipe da TV IFSC fez um apanhado dos documentos relacionados ao caso e entrevistou familiares, amigos e ex-alunos de Marcos. Segundo Ana Luckman, uma das jornalistas envolvidas na produção, a intenção é levar ao público a história de vida do professor e até mesmo dar, enfim, uma explicação aos antigos alunos que acompanharam o caso na época.

O documentário é baseado no relatório produzido pelo Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) em razão de um pedido da Comissão Estadual da Verdade sobre o julgamento do professor que aconteceu no auditório da ETFSC em 1976, dez meses após a prisão. O fato passou a ser investigado depois que um ex-aluno de Marcos e hoje professor da UFSC, Nestor Manoel Habkost contou a versão. Em depoimento à comissão, ele disse ter presenciado a audiência dentro da instituição em que estudava e pediu esclarecimentos.

O que aconteceu no auditório do ETFSC não foi propriamente o julgamento de Marcos. Por causa do grande número de pedidos de relaxamento de prisão encaminhados pelos advogados dos indiciados na Operação Barriga Verde, o Conselho da Justiça Militar da 5ª Região, localizada em Curitiba, preferiu transferir-se para Florianópolis para evitar o deslocamento dos presos até à capital paranaense. Assim, o juiz determinou que a audiência seria realizada nas dependências da Escola Técnica.

Não foram localizados documentos que mencionassem a audiência da Justiça Militar nas dependências da instituição de ensino. O episódio consta apenas em jornais da época que noticiaram o ocorrido, como O Estado e o Jornal de Santa Catarina. Segundo o relatório, era comum o uso de instituições públicas federais para atividades deste tipo.

Os indiciados não conseguiram o relaxamento da pena e Marcos teve sua prisão preventiva decretada. No fim de 1977, o professor conseguiu o direito de responder em liberdade, voltando ao cárcere depois do julgamento, em fevereiro de 1978, para cumprir o restante da sua pena de três anos.

 Veja o documentário:

O professor militante

Marcos Cardoso Filho era natural de Tubarão. Morou com a família em Jaraguá do Sul e Joinville antes de mudar-se para Florianópolis para cursar engenharia elétrica na UFSC. Já formado, deu aula de física no Colégio de Aplicação da UFSC e no Instituto Estadual de Educação. Também lecionou no Departamento de Engenharia Elétrica da UFSC e no curso de Eletrotécnica da ETFSC.

Apesar da relação com as ciências exatas, também era próximo da ciência política. Desde o fim da década de 1960 militava, fazendo parte do PCB em Santa Catarina. Foi a atuação no Partido que levou a sua prisão na Operação Barriga Verde.

Enquanto cumpria pena, mantinha contato com os colegas militantes através de amigos, evitando escrever qualquer bilhete. Também na cela, instruiu os familiares para que trouxessem para o estado o Movimento Feminino pela Anistia. Através dos amigos ainda conseguiu publicar uma carta aberta denunciando as violações de direitos humanos que sofreu no dia de sua prisão.

Depois de solto, foi demitido por justa causa da ETFSC. Manteve sua ligação com o PCB e continuou dando aulas na UFSC. Morreu aos 33 anos em um acidente de barco em 1983: o mastro do veleiro que conduzia na Lagoa da Conceição chocou-se com um cabo de alta tensão que havia sido instalado dias antes. O episódio também vitimou seu filho Daniel, a companheira na época, Eliane Motta, a irmã Regina Cardoso, e os sobrinhos Manoela Garcia e André Bittencourt.

Operação Barriga Verde

Uma das maiores ações do governo militar no estado, a Operação Barriga Verde foi coordenada pelo Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna(DOI-CODI) do Exército. O objetivo era a prisão, cassação e extração de informações sob tortura dos principais representantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) de Santa Catarina. Os militantes, que somavam 42, foram presos e levados à Quinta Auditoria Militar, em Curitiba.

Na época, as guerrilhas urbanas e rurais já haviam sido coibidas em todo o país e o PCB era o próximo alvo. A morte do jornalista Vladimir Herzog nos porões do DOI-CODI em São Paulo, que expôs as torturas executadas pelos militares, poderia abrir espaço para revoltas populares. O regime lançou uma nova ação para combater ameaças: moveu operações para combater os integrantes do PCB em todos os estados. 

Em Santa Catarina, as prisões foram efetuadas ao longo do dia 4 de novembro de 1975 e hoje são compreendidas como sequestros. Os presos ficaram incomunicáveis por dez dias e sofreram torturas.

 

Relembre os episódios da ditadura em Santa Catarina:

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