Estudantes indígenas conquistam alojamento no Campus Trindade da UFSC
A construção conta com 12 dormitórios e espaços de convivência, mas não corresponde ao projeto de moradia definitiva
Reportagem por Isadora Dymow
Quem passa pela entrada dos fundos do Restaurante Universitário do campus Trindade da UFSC, deve ter notado uma nova fachada, de cor vermelha e amarela, onde antes se localizava um antigo laboratório de ensino. O local abriga o recém inaugurado alojamento indígena da UFSC, espaço reivindicado pelos estudantes há mais de sete anos.
Aberto em 18 de março, o local marca um avanço na luta dos estudantes indígenas que ocupam a Maloca desde 2016, em condições insalubres e com diversos problemas estruturais. A melhoria atual, no entanto, não resolve o problema da moradia indígena na UFSC.
O novo alojamento tem capacidade para abrigar 30 pessoas, o que faz com que 26 estudantes tenham que permanecer vivendo na Maloca em função da falta de espaço. A resolução completa do problema só viria com a construção do projeto de moradia definitiva para indígenas da UFSC, que foi produzido pelos moradores junto ao Laboratório de Projetos da UFSC (LabProj/UFSC).
“Nós demos um grande passo, mas ainda não é o suficiente. Nós temos consciência que esse espaço não é o suficiente para acolher os estudantes indígenas, e nossa luta só começa aqui”, afirmou Laura Parintintin, liderança dos estudantes indígenas da UFSC.
SOBRE O ALOJAMENTO
A regularização de uma moradia indígena é uma demanda antiga dos indígenas presentes na UFSC. Desde 2016, estudantes indígenas de diferentes etnias vivem na Maloca, um espaço que conta com estruturas precarizadas e superlotação de pessoas. A partir da organização desses estudantes, houve uma movimentação para a criação de uma nova moradia para estudantes indígenas.
Em 2019, a verba para a construção da moradia foi adquirida, mas problemas com a empresa prestadora do serviço fizeram com que o projeto não saísse do papel. Em 2022, a UFSC correu o risco de ter que devolver a verba para construção do alojamento. Após negociações, finalmente, em maio de 2023, iniciou-se a construção do alojamento indígena.
Com 12 dormitórios, cerca de 30 estudantes indígenas irão residir no alojamento, metade do que foi proposto inicialmente, no planejamento. A redução do número de moradores foi resultante de uma negociação com os órgãos centrais, uma vez que os estudantes afirmaram que o ambiente ficaria superlotado com 60 pessoas.
Ademais, quatro dormitórios são reservados para mães com seus filhos, sendo a prioridade cedida a esse grupo uma política inédita de permanência estudantil na UFSC.
A construção do alojamento custou mais de R$1.58 milhão. O edifício se localiza ao lado do Restaurante Universitário do campus Trindade da UFSC, onde antes era um laboratório do curso de Ciências Biológicas. Além dos dormitórios, há um espaço de brinquedoteca e de descanso. Abaixo, seguem imagens comparando os cômodos do alojamento com os previstos no projeto arquitetônico do edifício.
SIGNIFICADO POLÍTICO DO ALOJAMENTO PARA A UFSC
Desde a articulação do projeto de moradia temporária até a sua efetivação, os estudantes precisaram se reunir com a reitoria diversas vezes. A partir desses diálogos, criou-se um programa de assistência estudantil específico para estudantes indígenas e quilombolas, o PAIQ. Thaira Priprá, estudante de Psicologia do povo Xokleng, disse em sua fala na cerimônia de inauguração que a partir da construção do alojamento, os estudantes indígenas “estão conseguindo conquistar novos espaços, onde participam de um grupo que discute políticas de permanência para estudantes indígenas e quilombolas, o que não existia antes. Nos era dado o acesso, mas e a permanência?”
O QUE PENSAM OS ESTUDANTES?
LUTA
Estudantes presentes na cerimônia ressaltaram que foi necessário um esforço coletivo por parte dos indígenas da UFSC para que o alojamento fosse construído. “Esse espaço não nos foi dado, ele foi conquistado por nós através de muita luta. Perdemos aula, reprovamos em disciplinas e perdemos bolsas para ir nas reuniões, mas a gente está aqui”, afirmou Thaira Priprá em seu depoimento na cerimônia.
Laura Parintintin reiterou a fala de sua colega acerca das dificuldades enfrentadas pelos estudantes indígenas para conquistar o alojamento. “Esse projeto de moradia é inédito, mas nós pagamos um preço muito alto: alguns desistiram pelo caminho, nós ficamos adoecidos. Muitos tombaram para que hoje isso fosse realizado. O alojamento marca um momento histórico, mas nós lamentamos por aqueles que fizeram parte da luta e não conseguiram ver o resultado.”
PERMANÊNCIA
A questão da permanência indígena foi um ponto levantado nas entrevistas com estudantes. Laura Parintintim disse que a exigência para que as mães tivessem quartos exclusivos envolve a permanência dessas pessoas na universidade.
“Nós falamos que as mães eram prioridade neste alojamento. Eles queriam colocar seis pessoas por quarto, o que é impossível. Então, nós fizemos um acordo com a Reitoria de que teria apenas três pessoas por quarto. Caso a Reitoria não aceitasse, nós iríamos entrar com uma ação através do Ministério Público para garantir, porque se é um lugar de permanência tem que pesar pela qualidade.”, disse Laura.
Para Vanessa Fe Hã, indígena do povo Kaingang, o alojamento promoverá dignidade para os estudantes. “Todo acadêmico precisa de um lugar adequado para estudar e descansar. Ter acesso a esses espaços é importantíssimo para todo estudante, seja ele indígena ou não.”
No entanto, a estudante de Jornalismo reforçou que nem todos os estudantes terão acesso à estrutura. “O alojamento nos dá um respiro, mas não podemos esquecer de quem está do outro lado, dentro da ocupação Maloca.”
MELHORIAS
Ainda que a maior parte dos estudantes tenha ficado satisfeita com a conquista da solução temporária, estudantes disseram que, ao contrário do projeto de moradia definitiva, o projeto do alojamento não teve participação dos estudantes indígenas. Os estudantes também citaram as dificuldades com a má circulação de ar dentro do ambiente.
E A MORADIA DEFINITIVA?
O projeto da moradia definitiva prevê acomodação para 156 estudantes indígenas, divididos em 39 quartos. Além dos dormitórios e áreas comuns, a moradia estudantil terá sala de estudos, centro de organização estudantil e espaços que incentivam a identificação cultural dos estudantes, como o espaço do fogo. O projeto busca proporcionar aos indígenas o direito à cidade, à terra, e à permanência estudantil.
A moradia definitiva segue sendo uma luta pela permanência dos estudantes indígenas da UFSC. Para Vanessa, o alojamento “é uma grande vitória, mas a busca não é por um alojamento para 30 pessoas, mas sim pela moradia estudantil que vai poder acolher todos os estudantes.” Quando perguntado sobre as perspectivas para a realização da obra, o estudante de Relações Internacionais Eliel Camlem, do povo Xokleng, afirmou: “A moradia específica para os estudantes indígenas não é um sonho, ela vai acontecer. Pode demorar anos, mas a gente vai continuar lutando para ela sair do papel”.
A Pró-Reitoria de Permanência e Assuntos Estudantis sinalizou que o Departamento de Projetos de Arquitetura e Engenharia (DPAE/UFSC) já iniciou o processo de detalhamento do projeto da moradia definitiva para os estudantes indígenas. Após a finalização dessa primeira etapa, a reitoria buscará alocar recursos para realização da obra. “Esse é um processo bem demorado. Ainda assim, já está na mão do DPAE e já estamos no diálogo para o detalhamento”, afirmou a pró-reitora Simone Sampaio. Em entrevista ao jornal ND em dezembro de 2023, a diretora do DPAE/UFSC Fabrícia Grando afirmou que a execução da moradia está prevista para 2025.