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Entre estrelas e livros

Reportagem: Pablo Mingoti (pablomingoti@gmail.com)

Catarinense é cotada para a Olimpíada Latino-Americana de Astronomia

A curiosidade pela Física foi o que levou Helena Buschermohle, blumenauense de 17 anos, a se interessar por astronomia. Ela decidiu transformar esse fascínio em conhecimento e no primeiro ano do Ensino Médio começou a participar da Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA). Durante quatro anos, Helena se preparou intensamente para os processos seletivos até que se tornou uma entre as 29 pessoas a compor o time  feminino da OBA. Após concluir outras provas, em agosto deste ano, a blumenauense conseguiu o posto de primeira suplente para participar da Olimpíada Latino-Americana de Astronomia. O Cotidiano UFSC conversou com Helena, que contou sobre sua preparação e os sonhos para o futuro profissional.

Helena

Cotidiano UFSC:  Quando que você começou a se interessar por Astronomia?

Helena Buschermohle: É difícil dizer, não aconteceu em uma data definida, foi algo natural. Sou bastante curiosa e sempre gostei de saber sobre o porquê das coisas, entender como o mundo funciona, então a Ciência acabou se tornando um caminho para isso; principalmente a Física. É uma espécie de manual de instruções da natureza que se torna muito divertido quando você aprende a ler. Depois veio a Astronomia, porque é quase impossível olhar para uma noite estrelada e não se maravilhar, e a Astrofísica, que é basicamente Física aplicada às coisas mais legais do universo. Sempre fui curiosa, sempre me interessei, e então vi na Olimpíada uma oportunidade de transformar esse interesse em conhecimento.

Cotidiano UFSC: Você começou pela Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica. Quando você começou a participar e por qual motivo.

Helena Buschermohle: Eu comecei a participar da OBA (Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica) no primeiro ano do Ensino Médio. Naquela época, eu já tinha um fascínio por Astronomia e sabia que queria me aprofundar nessa área, mas não sabia como. Então um dia minha professora de Física comentou sobre a OBA em sala de aula, eu fiquei muito entusiasmada. Participei em todos os anos do Ensino Médio, a cada ano pegando mais experiência, estudando mais e melhorando meu desempenho. Consegui dois bronzes e um ouro, fui chamada uma vez para a Jornada Espacial e duas vezes para a Seletiva das Equipes das Olimpíadas Internacionais. Foi através da OBA que eu consegui transformar a minha paixão em conhecimento.

Cotidiano UFSC: Qual foi o caminho para chegar à Olimpíada Latino-Americana de Astronomia e Astronáutica? (O que você estudou, como estudou?… )

Helena Buschermohle: O caminho foi duro. Estudei durante quase 4 anos ao todo, conciliando com o Ensino Médio até o ano passado, quando me formei. Lembro que em um domingo de dezembro de 2016 eu estava fazendo uma das provas do processo seletivo das Olimpíadas e logo depois, na segunda-feira, era a minha formatura. Estudei até poucas horas antes de pegar meu diploma do Ensino Médio, e depois já em 2017 recomecei a estudar para a Olimpíada ainda no período de “férias”. Estudei muito Astronomia, Astrofísica e todas as matérias que estão dentro dessas Ciências, como, por exemplo, Astronomia de Posição, Telescópios, Astrofísica Estelar, Galáctica, Extragaláctica, Fotometria, Teoria da Radiação e por aí vai. Basicamente todas matérias que estavam no ementário das Olimpíadas paras quais estava sendo treinada. Ao mesmo tempo que a Astrofísica e a Astronomia são apaixonantes, elas também são bastante peculiares, por isso foi difícil encontrar alguém que me desse aulas. Fui autodidata durante todo o processo. Lia os materiais que a comissão disponibilizava para os alunos, para buscar fundamentação e depois resolvia as provas passadas do processo seletivo e das Olimpíadas, também fazia os exercícios nos livros, as listas que nos mandavam e os materiais complementares que conseguisse encontrar na internet. Quando tinha um céu limpo fazia observações a olho nu das estrelas e constelações e, mais recentemente, eu também observava com o telescópio, já que a parte prática dessas Olimpíadas também conta muito. Também construí foguetes de garrafa PET movidos a ar pressurizado e água, essa é uma das provas da Olimpíada Latino-Americana de Astronomia e Astronáutica.

Cotidiano UFSC: Como foi a seleção para a Olimpíada? (Houve provas? Explique um pouco as etapas que você teve que realizar)

Helena Buschermohle: Foram muitas etapas, um ano inteiro de seleção. Funciona da seguinte maneira: começa com a OBA. A Olimpíada em si tem uma fase única, realizada geralmente em maio, por estudantes do Brasil todo, de qualquer tipo de escola. As provas são corrigidas, os resultados divulgados, e mais ou menos em setembro o processo de seleção para as equipes que representarão o Brasil em Olimpíadas internacionais se inicia. São duas as Olimpíadas: A IOAA (Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica), e OLAA (Olimpíada Latino-Americana de Astronomia e Astronáutica) a serem realizadas este ano em novembro, na Tailândia, e em outubro, no Chile, respectivamente. O processo é o seguinte: a primeira fase é a seletiva online. Escolhem-se as maiores notas do Brasil na OBA, cerca de 3.000 alunos, e esses estudantes fazem 3 provas em uma plataforma online, em outubro, novembro e dezembro, de dificuldade progressiva. Após computadas as notas e calculadas as médias, divulga-se a classificação. Os alunos mais bem classificados nessa fase (cerca de 100) passam para a fase da seletiva presencial. São dois dias de provas em março, em Barra do Piraí/RJ. Fazemos provas teóricas, de carta celeste, de planetário, e de céu real. Mais uma vez computam-se as notas, calculam-se as médias e divulga-se a classificação. Neste ano foram escolhidos os 29 mais bem classificados para integrarem a equipe de alunos que será treinada, equipe da qual me classifiquei e faço parte. Nessa fase, o ranking zera novamente. Nós passamos por dois treinamentos presenciais em Vinhedo/SP: um em março e outro em agosto, onde tínhamos uma série de aulas com professores conceituados da área, como, por exemplo, professores do IAG da USP (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências atmosféricas), além de uma bateria de provas. Em cada treinamento, fizemos provas teóricas, de carta celeste, de planetário, de anuário, de lançamento de foguetes e de céu real. Além disso, durante todo o processo nós resolvíamos lista semanais de exercícios boladas pelos professores responsáveis, que também valiam nota. Calcula-se uma média das notas nos dois treinamentos e os 5 melhores classificados formam a equipe que representará o Brasil na IOAA, do 6.º ao 10.º irão para a OLAA e os outros se tornam suplentes. Como terminei o Ensino Médio em 2016, não posso competir na IOAA, então meu foco sempre foi a OLAA. O resultado saiu recentemente e eu sou a primeira suplente do time feminino da OLAA.

Cotidiano UFSC: Quem foram as pessoas que lhe ajudaram a alcançar essa conquista?

Helena Buschermohle:  Apesar de eu ter sido autodidata durante todo o processo, eu não teria conseguido sem ajuda. Minha família foi fundamental, já perdi a conta de quantas vezes saímos em busca de professores para tirar minhas dúvidas ou de um céu estrelado para eu poder estudar. Fomos atrás de professores em Floripa, Blumenau, Brusque, Joinville e Joaçaba. O astrônomo Alexandre Amorim, de Floripa, me ajudou muito com a parte de Astronomia de Posição. A UFSC me ajudou bastante, tive aulas com os professores Helton da Silva Gaspar e Talita Possamai no meio  deste ano, em que eles me tiraram muitas dúvidas. A KOSMOS, junto com o professor Rafael Cuenca, me ajudou a projetar o foguete de garrafa PET para a prova de lançamento no segundo treinamento (tive um dos maiores alcances), e o professor Eslley Scatena me ajudou muito na etapa final, me orientando na resolução das listas de exercícios.

Cotidiano UFSC:  Como você vê a educação no Brasil?

Helena Buschermohle: O caso da educação brasileira é bastante curioso. Embora a maioria das pessoas acredita que Ciência tem a ver com inteligência, para mim é sobre criatividade. É claro, você precisa ter conhecimento para poder entender como a natureza funciona, mas também precisa de uma boa dose de criatividade, para descobrir como usar esse entendimento a seu favor e criar coisas novas. Isso é Ciência, e eu não consigo pensar em um povo mais criativo do que o brasileiro. Estamos acostumados a fazer muito com muito pouco, temos um talento científico enorme, e somos reconhecidos por isso internacionalmente, menos na nossa própria casa. Mas é curioso que ao mesmo tempo em que temos potencial para grandes descobertas e invenções revolucionárias, temos tão pouco ou nenhum incentivo. Um solo fértil não adianta muito se você não o regar, e vivemos um período de seca. Para mim, investir na educação é a maneira de transformar esse potencial em impacto positivo para o país. Eu ainda sonho em ver o Brasil reconhecido pela sua educação e gostaria de fazer parte disso.


Cotidiano UFSC: O que você espera para o seu futuro profissional?

Helena Buschermohle: Eu quero seguir carreira na área de Engenharia Aeroespacial ou Astrofísica, penso em trabalhar na Agência Espacial Brasileira ou no INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Pretendo obter a melhor formação acadêmica possível, buscar incessantemente pelo conhecimento e aplicá-lo para mudar a realidade ao meu redor.

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