Reportagens

São José (SC) aprova lei para distribuição de absorventes na rede pública de ensino

Cidade é a segunda do país a disponibilizar os itens de higiene gratuitamente; a primeira foi o Rio de Janeiro

Reportagem de Fernanda Biasoli

Papelão, papel higiênico, jornal, pedaços de pano e até mesmo miolo de pão. Essas são algumas alternativas buscadas por milhares de meninas, mulheres e pessoas que menstruam para conter o fluxo todos os meses. A falta de acesso aos absorventes higiênicos atinge milhares de pessoas ao redor o mundo e é chamada de pobreza ou precariedade menstrual. No Brasil, segundo um levantamento feito pela Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, estudantes podem perder até 45 dias de aula durante o ano letivo por conta do sangue menstrual. Não ter acesso a ítens básicos de higiene, além de ser uma questão de saúde pública, também possui impactos diretos na educação e no trabalho de milhares de pessoas. É essa realidade que uma nova lei de São José, município da grande Florianópolis (SC), se propõe a tentar mudar.

Laís Santos, uma das idealizadoras da lei e fundadora do movimento Menstruando sem Tabus , percebeu o tamanho desse impacto quando aprofundou seus estudos sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. ‘’Segui fazendo pesquisas correlacionadas ao tema pobreza ou precariedade menstrual informalmente (…) e logo pensei: qual seria a situação no meu município?’’, conta. Depois de muita pesquisa, nasceu o projeto de lei que dispõe sobre a distribuição de absorventes higiênicos gratuitos em toda a rede pública de ensino de São José e o movimento Menstruando sem Tabus, que distribui os itens de higiene para pessoas em situação de vulnerabilidade na Grande Florianópolis.

A ideia do PL existe desde 2018, mas só foi para a frente em 2020, quando Laís somou forças ao vereador Caê Martins (PDT). O processo de tramitação, aprovação e sanção da lei levou em torno de quatro meses, mas logo no início foi possível perceber que o assunto gerava um certo impacto. ‘’Causou um grande silêncio no plenário, uma grande atenção por parte dos parlamentares e ali eu senti que a gente não teria tanta dificuldade quanto imaginávamos’’, comenta o vereador sobre a primeira vez em que apresentou o projeto na casa. 

A lei 5.908 foi sancionada no dia 7 de julho de 2020 pela prefeita de São José, Adeliana Dal Pont, e a intenção é disponibilizar os absorventes gratuitos para estudantes já no próximo ano. A expectativa é de que a partir de agora as políticas públicas tenham mais atenção aos temas relacionados à pobreza menstrual. O vereador Caê reforça que a nova lei é uma medida emergencial e que ela não anula a busca por outras soluções.

‘’Precisamos pensar em outras ações que conjuguem essa dinâmica. Estamos falando de outro modelos, como a questão dos coletores, dos absorventes biodegradáveis, de mulheres que se utilizam de outras práticas alternativas e seguras’’, conta. O vereador cita ainda a vontade de realizar a distribuição dos absorventes na rede pública de saúde e nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). Educação menstrual e a construção de cooperativas para produção de absorventes ecológicos são outras ideias que andam tomando forma. 

Absorvente higiênico tradicional (Foto: TOTM)

Em Florianópolis, no dia 19 de junho, o vereador Lino Peres (PT) protocolou um projeto de lei que dispõe sobre a distribuição de absorventes em escolas e postos de saúde da capital. Inspirado no PL de autoria do vereador Leonel Brizola Neto (PSOL-RJ), o projeto atualmente está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa, mas sem previsão de aprovação. O vereador pontua o fato de que projetos como esse precisam ser acompanhados de ações pedagógicas, como educação sexual e cidadã. Ele também reforça os impactos da pobreza menstrual sobre a saúde das pessoas que menstruam. ‘’É uma questão de saúde pública de primeira ordem’’, afirma.

Pobreza menstrual

Fruto da desigualdade e do tabu acerca da menstruação, a pobreza menstrual se caracteriza pela falta de acesso a produtos básicos necessários para uma higiene menstrual digna e confortável. Também relacionada à precariedade de infraestrutura local, como saneamento básico, ela possui um grande impacto nas questões de saúde pública, educação, trabalho e desigualdade. Um estudo realizado pela Sempre Livre em 2018 entrevistou 9.062 brasileiras entre 12 e 25 anos de idade. Dessas, 22% afirmaram não ter acesso a produtos confiáveis de higiene menstrual por falta de dinheiro ou não disponibilidade perto de suas casas. 

É um cenário comum milhares de pessoas utilizarem outros materiais para conter o fluxo menstrual, o que pode causar graves infecções urinárias e vaginais. ‘’Eu entendo a pobreza menstrual como uma espécie de violação a direitos fundamentais, pois nossa Constituição prevê a promoção da saúde, da igualdade e da dignidade. Como falar em saúde, igualdade e dignidade quando você está sendo oprimido pelo simples fato de menstruar?’’, questiona Laís.

Quanto custa menstruar?

Ainda não considerados itens de higiene básica no Brasil, como creme dental e papel higiênico, os absorventes possuem um imposto de 34,48% sobre seu preço. O que ocorre é que muitas vezes precisam ser deixados de lado quando a opção é entre eles ou mais comida na mesa. Segundo Laís, os altos impostos sobre o produto têm grande influência no aumento e perpetuação da pobreza menstrual e é por meio da redução dessas taxas que a distribuição em larga escala poderá ser atingida. ‘’O projeto elaborou uma petição online a fim de cobrarmos dos governantes, pois se não bastassem essas taxas de impostos exorbitantes, absorventes ainda são considerados cosméticos no Brasil e isso é inaceitável’’, afirma a fundadora do Menstruando sem Tabus.

O projeto trabalha diretamente com pessoas em situação de vulnerabilidade e em situação de rua, atendendo cerca de 600 meninas, mulheres e pessoas que menstruam por mês na região da capital de Santa Catarina. É possível contribuir com doações de absorventes, sabonetes, lenços umedecidos, álcool em gel, shampoo e calcinhas, além de doações em dinheiro (saiba como). ‘’Enquanto não tivermos ferramentas públicas que promovam a igualdade e a equidade menstrual projetos como o Menstruando Sem Tabus se fazem necessários”, finaliza. 

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