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Poucos recursos impedem avanço da leitura em Florianópolis

Texto e fotos: Poliana Dallabrida Wisentainer

Na estante colorida do Terminal de Integração do Rio Tavares, um passageiro procura uma opção de leitura para o trajeto que fará até o Centro. Separa os folhetos da igreja presbiteriana que alertam para um iminente apocalipse, os livros didáticos que ocupam quase que inteiramente dois andares do móvel, e uma série de revistas antigas, muitas delas sem capa: não sobra nada. O motorista da linha Rio Tavares Direto liga o ônibus, e o passageiro sai do como chegou, sem nada para ler.

A falta de recursos e funcionários impede o pleno funcionamento daquele que é considerado pela Prefeitura Municipal de Florianópolis o principal projeto de incentivo à leitura da cidade. O Floripa Letrada, que em agosto completa cinco anos de atividade, foi a alternativa encontrada pelo município para disponibilizar aos usuários do transporte coletivo o acesso a livros durante as viagens.

Como estimular a leitura longe da escola? Baseada nessa preocupação da Secretaria de Educação, a socióloga da prefeitura Rosânia Tomaz entrevistou, durante um ano, professores, educadores da rede municipal e trabalhadores de outras áreas. Rosânia pesquisou iniciativas de inclusão de leitura de outras cidades, como Curitiba e São José do Rio Preto, e chegou à ideia do Floripa Letrada: usar os terminais de transporte, onde, atualmente, circulam 300 mil pessoas por dia, para divulgar e promover a leitura entre a população de Florianópolis. Para usar o espaço do terminal, a Secretaria de Educação se reuniu com a Secretaria de Mobilidade Urbana e a Cotisa (Companhia Operadora de Terminais de Integração), empresa privada que administra os terminais de Florianópolis. A Secretaria de Educação estima que, desde 2010, ano em que o projeto foi lançado, cerca de um milhão de publicações ocuparam as estantes do Floripa Letrada.

A coordenação do projeto Floripa Letrada fica no prédio do Centro de Educação Continuada da Secretaria Municipal, em uma sala de pouco mais de 20m². Em meio a centenas de livros empilhados quase até o teto, dois estagiários são responsáveis por separar, catalogar e conferir o estado das obras. Devido à Lei de Responsabilidade Fiscal, livros que não terão um fim controlado, como numa biblioteca ou escola, não podem ser comprados com dinheiro público. Para continuar funcionando, o Floripa Letrada depende apenas de doações individuais, de bibliotecas e de escolas.

No sistema de catalogação do projeto, mais de um milhão de livros já foram registrados. Depois de contabilizados no sistema, os livros são distribuídos nas treze estantes instaladas entre cinco terminais administrados pela Cotisa – TICEN, TICAN, TILAG, TIRIO e TITRI. No terminal do Centro, a estante é abastecida três vezes por semana; nos bairros, duas. A reposição semanal de livros só ocorre em dias sem chuva e quando algum carro da Secretaria de Educação está disponível.

Não ter um veículo exclusivo para o Floripa Letrada dificulta e impede o avanço do projeto. Em 2010, Rosânia trabalhava com apenas um estagiário. Cinco anos depois, o projeto, propagandeado pela Secretaria de Educação como “o maior acervo democrático de livros do Brasil”, contratou mais um bolsista. “Atuamos como se fôssemos uma ONG, uma iniciativa privada. É por isso que ele [o projeto] vai para frente. Eu uso a Prefeitura para criar um espaço educativo e cultural”, afirma Rosânia Tomaz.

Livros didáticos e religiosos são as obras que o projeto mais recebe, já romances e clássicos da literatura brasileira são os títulos menos doados. Procurando uma opção de literatura entre os livros da estante do TIRIO, a aposentada uruguaia ficou com um livro religioso entre as poucas obras que encontrou. Desde os anos 80 no Brasil, Consuelo Díaz, de 60 anos, gosta muito do projeto. “O problema é que, quase sempre, só encontro livros didáticos”, afirma, lembrando que no Uruguai os estudantes do Ensino Fundamental usam um único livro, contendo todas as matérias.

Neste ano, a coordenação do Floripa Letrada firmou convênio com a Academia Catarinense de Letras, através do qual o projeto espera receber livros de autores de Santa Catarina. A Editora Insular, da UFSC, é parceira desde o começo do projeto. “Desses um milhão de livros, ao menos 300 mil vêm da UFSC. Muita coisa boa”, ressalta Rosânia. O Floripa Letrada também recebe o descarte de livros das bibliotecas municipais, do Estado e da Biblioteca Universitária. Outras doações são feitas direito na sede do projeto, no Centro, ou nos espaços para doações, na parte de baixo das estantes do Floripa Letrada.

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