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O sangue verde de Florianópolis: primeira matcharia do Brasil é produto manezinho

Empreendimento especializado em matcha aponta aumento no consumo do produto, que é conhecido por inúmeros benefícios

Reportagem por Jade Luckner, Mariana Oliari e Marta Maria Novakoski

Palato forte, com o gosto marcado por suaves notas herbais, nozes doces naturais e um leve amargor que é finalizado de forma saborosa no céu da boca. Este é o sabor do Matcha, chá de cor verde viva, primo do chá verde comum, e nova sensação do lifestyle de quem busca por rotinas e hábitos saudáveis no mundo todo.


Foi observando tendências de mercados dos Estados Unidos e Europa que Natalia Sangaletti, designer de ofício, e o namorado Charles decidiram criar um modelo de negócio para empreender no potencial do matcha. Por mais de um ano, eles testaram receitas e estudaram fornecedores para elaborar um menu que fizesse mais sentido para a realidade brasileira, visto que o amargor não é tão comumente apreciado no país.


Natalia conta que durante o período de testes os dois chegaram a fazer piadas sobre o alto consumo de matcha. “Um dia nosso sangue vai ficar verde!”, o que resultou no nome da primeira matcharia do Brasil – a Green Blood, que fica no centro de Florianópolis. A matcharia foi inaugurada em abril de 2022, com um cardápio que vai do matcha puro até sobremesas bem conhecidas por aqui, como o beijinho de matcha.


A empresária acredita que as versões abrasileiradas são sempre melhores do que o que é consumido lá fora e aposta nisso para atrair o público. “Eu digo que tudo é melhor no Brasil. Por exemplo, o sushi, o Brasil pegou também dos orientais e transformou em algo melhor, então tudo que vem pra cá fica mais gostoso. Na Green Blood a gente adiciona o Matcha nas sobremesas, em alguns salgados e em alguns molhos também. É diferente, as pessoas ficam bem curiosas para experimentar”.

Além do cardápio, o espaço físico da matcharia também foi planejado com muita atenção aos detalhes. A identidade visual dominante era algo indispensável na hora de montar o espaço e personalizá-lo. Para Natalia, ter um ambiente esteticamente agradável e fotogênico deixou de ser tendência e virou uma necessidade para os empreendedores.


“O lugar precisa ter seu próprio universo e ser aconchegante para um tipo de cliente que se identifique com aquele estilo”, explica. “O posicionamento de marca da Green Blood foi delineado para ser harmônico em todos os segmentos. Fizemos questão de alugar um espaço com área externa e apesar das dificuldades do setor imobiliário de Florianópolis, conseguimos. Ser esse ponto de paz no meio do caos da cidade através da decoração relacionada à natureza também foi algo estrategicamente pensado”.

Foto: Fábio Jr Severo

Para além da bebida

Apercepção de Natalia é de que o público que frequenta a Green Blood se identifica com o ambiente e com o estilo de vida que está atrelado ao matcha. Para ela, há uma tendência da juventude em adotar hábitos mais saudáveis, o que pode ser observado na prática pelo fluxo de consumo das saladas da Green Blood – um dos itens mais vendidos durante a semana. Os maiores consumidores do produto são adolescentes, que saem dos colégios das redondezas buscando opções nutritivas para se alimentar. “O matcha tem um estilo de vida muito característico. Se tornou quase que uma tribo de pessoas que tomam e se identificam”, observa a empreendedora.


Natalia afirma que depois de ter passado a consumir o matcha de forma rotineira, sentiu efeitos positivos em seu organismo. O maior benefício, segundo ela, foi a diminuição dos sintomas da ansiedade, que se manifestavam principalmente depois da ingestão do café. Ela conta:

Eu preciso da energia para dar conta das tarefas do dia. Então o café tinha essa coisa de dar energia, mas também me deixava ansiosa. Com o matcha não tem isso, ele traz energia em forma de clareza mental


Esse efeito de melhoria no foco se dá graças a composição química do matcha, que contém a teanina, aminoácido que neutraliza os efeitos negativos da cafeína no organismo. Devido ao cultivo da matéria prima e ao modo do consumo em pó, o matcha possui quantidades elevadas da teanina em sua formulação, tornando a concentração uma associação característica do produto. Essa particularidade atrai consumidores que buscam minimizar danos à saúde mental enquanto mantêm o ritmo do cotidiano.


Isadora Henslin, professora de desenho, já incluiu o matcha na sua rotina há dois anos. Ela consegue diferenciar os efeitos do chá para o café no dia a dia: “eu sinto que com o café eu tenho picos de energia e depois eu tenho baixas (…) e com o matcha não. Parece que é uma energia que dura mais tempo. Então se eu tomei um matcha de manhã, eu me sinto mais energizada durante o dia e sinto que não tenho essas baixas”.

Isadora acompanhada de amiga na Green Blood | Instagram: @isahenslin

Além de ser consumidora assídua de matcha, Isadora gosta de explorar diversas receitas com o pó do chá, como torta, drinks com limão siciliano e até mesmo brigadeiro de matcha. Em seu Instagram, que conta com quase 10 mil seguidores, ela compartilha seu estilo de vida e formas de consumir o matcha.


A criação de conteúdo rendeu a ela uma parceria com a marca Push, uma das principais vendedoras de matcha no Brasil, que importa o pó do Japão e também é a fornecedora da Green Blood. Com a colaboração, ela recebe os produtos que considera de maior qualidade: mais verde e mais soltinho.


Isadora admite que, devido à sua rotina agitada, tem recorrido mais ao café, pois é mais prático para seu dia a dia, mas continua valorizando o matcha como uma opção saudável e saborosa quando tem tempo disponível.


Assim como para a artista, o matcha faz parte da rotina de diversos criadores de conteúdo e virou trend na busca por uma vida saudável.


A forma de consumo de Isadora está de acordo com as indicações da nutricionista Vilma Simões, doutora pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ela recomenda a variação no consumo entre o café e o matcha, considerando uma oferta maior de compostos bioativos e nutrientes.


Quanto à percepção de Natalia e Isadora de que o café piora sintomas de ansiedade, a pesquisadora defende a união das duas bebidas, considerando a variação de nutrientes além da cafeína. Vilma reforça: “No final das contas, o efeito biológico do alimento vai ser o somatório da interação de todos os compostos”.


A nutricionista conta que os benefícios associados ao matcha são semelhantes aos do chá verde, principalmente na capacidade antioxidante. Isso é possibilitado pela técnica de colheita adiantada na sombra e o processo de moagem, que resultam em uma bebida mais concentrada e rica em compostos bioativos.


Vilma observa que nem todos os estudos quanto aos benefícios contra doenças são conclusivos, visto que as pesquisas ainda são muito recentes no ocidente. Mas existem relações moderadas de benefícios cardiovasculares e com relação à profilaxia do câncer e comprovações de outros efeitos benéficos.


Uma pesquisa feita no Departamento de Nutrição Humana e Metabolômica da Universidade Médica Pomerânia indica que o matcha possui propriedades anti carcinogênicas, anti inflamatórias, cardioprotetoras e auxilia na prevenção de doenças neurodegenerativas, além da propriedade antioxidante. Os pesquisadores apontam ainda que, na preparação, a água quente extrai mais compostos benéficos do que a água fria.

Do ritual à tendência

Apesar da explosão do consumo de matcha nos Estados Unidos e Europa ter acontecido entre o final da década de 2010 e início de 2020, o chá é uma bebida milenar. O produto surgiu na China durante a dinastia Tang entre 619 e 906 e posteriormente se espalhou pelo Japão, que atualmente é o maior produtor do mundo.


O matcha vem da mesma planta do chá verde. A diferença está na colheita: para o matcha, a plantação é condicionada à sombra 20 dias antes da colheita, evitando que o sol diminua suas propriedades, e as folhas são colhidas mais cedo. Após a colheita, as folhas são moídas.


A bebida é preparada com a união de folhas jovens da Camellia sinensis, trituradas e batidas com água fervente, em um preparo que difere dos chás mais conhecidos que vêm em sachês. Esse método foi introduzido durante o período da dinastia Sòng (960–1279) na China, para a preparação das tradicionais cerimônias do chá: o pó passou a ser moído de forma fina, peneirado, e inserido diretamente na tigela de cerâmica, onde se bebia o líquido.


A água, aquecida à parte, era misturada na tigela com um batedor de bambu, resultando em uma bebida delicada, aerada, e com uma leve espuma. O método ficou conhecido como “chámoído”, ou mǒ chá (抹茶), matcha. De lá para cá, o modo de preparar a bebida essencialmente continua o mesmo, com a diferença das várias possibilidades de receitas e modos de consumo.


Ao longo dos séculos, o matcha se tornou uma parte intrínseca da cultura japonesa. As tradicionais cerimônias do chá do Japão, que envolvem a preparação e o consumo meticulosos da bebida, se popularizaram como um passatempo com camadas culturais e estéticas para estimular a dimensão meditativa da prática.


Yuri Hayashi, fundadora da Escola de Chá Embahú e pesquisadora especialista em chás, conta que a prática da cerimônia do chá evoluiu e se tornou uma arte milenar ao ser levada para o Japão. Os japoneses perceberam os benefícios do matcha para a meditação e o bem-estar, e a bebida passou a ser valorizada como um ritual sagrado.

Yuri na plantação de Camellia sinensis da Yamamotoyama do Brasil, que ficam em São Paulo | Foto: Escola de Chá Embahú

A especialista foi surpreendida quando o consumo de matcha começou a se expandir em mercados ocidentais. Ela relata:

O matcha foi concebido como uma bebida cerimonial e, de repente… Você viu? O pessoal de academia tomando. É uma coisa super esquisita, né? Então eu lembro que eu tive eu tive sentimentos adversos no comecinho


Desde 2018, Yuri percebe uma forte movimentação do mercado internacional, especialmente nos Estados Unidos, e conta que nos últimos anos a procura pelo matcha cresceu na Escola de Chá. Apesar de ter parecido apenas um hype momentâneo, ela notou uma consolidação do matcha no mercado a partir do período de pandemia. “Aqui na Escola de Chá tivemos tanta procura pelo matcha que organizamos três workshops e webinars para o pessoal entender melhor. Também dei algumas aulas exclusivas sobre formas de preparo do matcha, e produzimos um material didático que fica disponível no nosso site gratuitamente”.

A escola de chás fica em São Paulo, estado com maior produção de Camellia sinensis do país | Foto: Escola de Chá Embahú

Para a profissional, os benefícios do matcha estão ligados diretamente ao bem-estar emocional. Além do efeito estimulante da cafeína, a bebida contém compostos antioxidantes e aminoácidos que auxiliam na concentração, e promovem uma sensação de calma. “A maioria das pessoas que procuraram a Escola de Chá, adotaram o consumo do matcha pelo bem-estar dos benefícios ou até mesmo pelo sabor único da bebida. Mas muita gente consome não só por causa da bebida, mas pelo ritual de preparação, muitas pessoas fazem questão de usar o batedor japonês original para o preparo”, relata Yuri.

A equipe promove eventos virtuais e presenciais | Foto: Escola de Chá Embahú

O matcha vai além do seu sabor e do efeito estimulante que proporciona”, afirma a especialista. “Muitas pessoas o consomem não apenas pela cafeína ou pelos benefícios fisiológicos, mas também pelo ritual envolvido em sua preparação. Ele proporciona clareza mental e uma sensação de tranquilidade.


Assim como acontece na Green Blood, Yuri também explora diversas formas de consumir o matcha. O “Matcha Biru” (nome formado pelo som das palavras matcha e bier, lidas por um japonês), por exemplo, é um drink alcoólico japonês que consiste na combinação do matcha com uma cerveja clara de alta qualidade, mas a especialista reforça que os ingredientes adequados devem ser selecionados. “O matcha não pode ser muito amargo e tem que conter notas florais, porque quando você junta com a cerveja que tem gás, você sente o floral explodir na boca” explica.


Yuri ressalta que o matcha não é apenas uma tendência passageira, mas um patrimônio cultural que tem conquistado paladares, rotinas e ambientes. Seja por seu sabor singular, pela conexão com a tradição ou pelos benefícios para a saúde, o matcha se revela como uma opção enriquecedora para aqueles que desejam harmonizar tempo, energia e saúde.


E é com isso em mente que Natalia projeta um futuro de expansão para a Green Blood. Ela considera a unidade de Florianópolis apenas um começo, e visa a criação de uma rede de franquias. A proposta é introduzir versões reduzidas da matcharia e seguir com o processo de difusão da experiência do matcha para diferentes públicos, em outras cidades do Brasil.


Reportagem feita para a disciplina Jornalismo Online e Narrativas Digitais, do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, sob orientação da professora Stefanie C. da Silveira.

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