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Mamas – tirar para prevenir?

Texto: Mariana Moreira (rmoreira.mariana@gmail.com) e Marilia Marasciulo (mariliamarasciulo@gmail.com)

No dia 14 de maio, a atriz norte americana Angelina Jolie publicou o artigo “My Medical Choice” (Minha escolha médica) no The New York Times, um dos jornais de maior prestígio dos EUA. Nele, ela explica por quê optou por se submeter a uma mastectomia dupla preventiva — retirada das duas mamas: Jolie possui uma alteração genética que aumenta as suas chances de desenvolver câncer de mama e de ovário, herdada possivelmente de sua mãe, que faleceu aos 56 anos por causa da doença.

DrCrippaA retirada quase total da glândula mamária dos dois seios é uma cirurgia redutora de risco, ou seja, não elimina completamente os riscos da doença, segundo o mastologista Celso Crippa. A glândula é cutânea, o que dificulta a separação exata do que é pele e o que é glândula. Desta forma, durante a operação, é deixada uma camada de cerca de meio milímetro de tecido cutâneo, suficiente para manter a viabilidade da pele e não faltar circulação. “Se tira praticamente todo o tecido mamário, mas ali ficam resquícios de glândula, onde pode, ao longo da vida, se desenvolver o câncer”, explica Crippa.

O câncer de mama não é facilmente detectado. O preço do exame de mapeamento genético de prevenção, o mesmo feito por Jolie, varia de R$6 a R$7 mil e é recomendado para mulheres que tenham casos do câncer no histórico familiar, especialmente entre jovens, antes da menopausa, e que tenham sido atingidas nos dois seios. O diagnóstico só pode ser feito nos casos de origem genética, o que corresponde a apenas 5 a 10% dos casos. O mais comum é o câncer esporádico, cerca de 90% dos casos, quando não há incidência da doença na família, mas nesses casos só é possível descobrir quando o câncer já está progredindo.

O importante é descobrir precocemente. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, é o câncer mais comum entre as mulheres de todo o mundo e a incidência está aumentando especialmente nos países em desenvolvimento, onde a maioria dos casos são diagnosticados em fases avançadas. De acordo com Crippa, é por isso se fala cada vez menos em autoexame das mamas. “Se estimularmos, as mulheres se palpam e acham que não tem nada. Só vão procurar o médico quando tiverem alguma coisa e aí será feito tardiamente o diagnóstico”, diz Crippa. A mesma recomendação é feita pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA). Para se detectar a doença com antecedência, o mais indicado é o exame de mamografia, que deve ser feito a cada 18 meses. Quando o câncer já está em fase avançada é feita a mastectomia, pois não é mais possível fazer a cirurgia conservadora, quando se retira apenas a parte da mama onde está localizado o tumor.

Rosangela3Rosângela da Silva, 57 anos, empresária e presidente da torcida feminina organizada do Figueirense, descobriu um nódulo no seio em 1997. Dois anos depois de retirá-lo e passar por sessões de radioterapia, outro nódulo apareceu no mesmo seio. Foi então que ela optou pela mastectomia, como forma de prevenir o aparecimento de outros tumores.

Na mastectomia é retirada a glândula mamária, auréola e mamilo. A mulher perde a função da mama: não tem sensibilidade na zona erógena e não pode amamentar. Rosângela acompanhou o caso de Jolie e disse que, embora entenda que a atriz corria um alto risco de desenvolver câncer, não pensa que a mastectomia precoce seja a opção mais sensata. “Não é por aí, fazer uma  mutilação no corpo para evitar um problema que ainda não existe.”

Waleska Aureliano, pós-doutoranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, acredita que as cirurgias decorrentes do câncer afetam a auto-estima, mas muitas dessas mulheres enfrentam essa experiência como única e particular.  “A nossa sociedade, historicamente, construiu certos valores simbólicos em torno dos seios ao associá-los a sexualidade, feminilidade e maternidade, o que causa sérios impactos na percepção da mulher sobre sua identidade quando passa por um câncer de mama.”

Rosângela fez reconstrução do seio com músculo abdominal logo após a mastectomia. Ela disse que não se sentiu afetada e que ainda usa decotes, por exemplo, mas que no início evitava tirar o sutiã na frente do namorado por ficar constrangida. “Essa foi a minha maneira de lidar, porque eu sempre tive um astral muito bom, eu consigo lidar muito bem com as coisas”, ela disse. “Eu acho que a cura também está na nossa cabeça, se a pessoa souber lidar bem com o problema, ela vai ficar melhor.”

Leia o artigo escrito para o Cotidiano por Waleska Aureliano, doutora em Antropologia pela UFSC e pós-doutoranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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