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Líderes da Frente Ampla estavam marcados para morrer após o golpe de 1964, afirma a escritora Ana Lee

Entrevista: Manuel Vitart (manuelfvitart@gmail.com)

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A jornalista e escritora Ana Lee

A jornalista Anna Lee escreveu O Beijo Da Morte  com o colega de profissão Carlos Heitor Cony, após de um ano de intensas pesquisas. Como ponto de partida, usaram as matérias publicadas por Cony a partir de 1976. Entrevistaram dezenas de pessoas, de várias localidades, do Rio de Janeiro a Montevidéu. Examinaram documentos, e construiram juntos um relato sobre a nebulosa ditadura militar brasileira.

O Beijo Da Morte é um romance que mistura ficção e informação jornalística. O leitor conhece um repórter cuja missão é revelar os mistérios por trás das mortes de Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda. Os três líderes políticos foram responsáveis pela criação da Frente Ampla, grupo de oposição a ditadura militar formado em 1966.

A hipótese levantada no romance foi comentada na entrevista a seguir, realizada pelo estudante de jornalismo da UFSC, Manuel Vitart, para a disciplina de Edição. A escritora Ana Lee afirma: os líderes políticos estavam marcados para morrer.

 

capa livro
Livro O Beijo da Morte, de Carlos Heitor Cony e Ana Lee

M.V. – Por que vocês optaram desenvolver o estilo de jornalismo literário e não sustentado apenas em fatos?

Ana Lee – Porque por mais que tivéssemos documentos e depoimentos que nos permitiram construir a tese de que os três líderes da Frente Ampla foram assassinados pela Operação Condor, não tínhamos uma prova definitiva disso. Além disso, não somos Polícia, mas jornalistas e escritores. Não cabia a nós provar nada, apenas apontar indícios.

Manuel Vitart – As investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) terminaram oficialmente em 10/12/2014. O laudo da exumação do corpo de Jango não conseguiu determinar se o ex-presidente foi envenenado ou não. As suspeitas sobre o assassinato de Lacerda não foram objeto de análise. A delegação atribuiu a morte de JK a um acidente de trânsito. Para você os casos estão encerrados?

A.L. – Mesmo que a análise dos restos mortais de Jango tivesse resultado negativo, o caso não estaria encerrado. O fato é que há provas suficientes de que Jango e JK foram vigiados o tempo todo por agentes da Ditadura Militar. Ainda que as circunstâncias de suas mortes não tenham sido provocadas, eles estavam marcados para morrer. O caso Lacerda ainda está para ser investigado a fundo.

M.V. – Opositores ao governo acusaram a CNV de não investigar a morte de Carlos Lacerda pois ele era de direita. O político carioca se internou em um hospital por causa de uma gripe e no dia seguinte morreu de um infecção bacteriana no coração. Você acredita que houve essa distinção com Lacerda ?

A.L. – Não acho que o motivo seja este. Apenas (o motivo mais provável) é que os documentos da Ditadura que foram divulgados até agora dizem respeito aos casos Jango e JK. De qualquer forma, Lacerda era a terceira ponta da Frente Ampla: Jango era a esquerda, JK era o centro e Lacerda era a direita. Com o fim da cassação de seus direitos políticos, os três poderiam voltar ao poder, o que significava ameaça para os militares.

M.V. –  Após a apuração da morte de Vlado Herzog, a CNV propôs ao Poder Judiciário de SP a alteração da causa mortis na certidão de óbito de suicídio para tortura. Na Argentina e no Chile, as informações das CNV’s serviram de base para centenas de condenações em cortes nacionais e internacionais. A CNV criada no Brasil cumpriu seu papel histórico e democrático?

A.L. – Não se pode dizer que a CNV não cumpriu seu papel histórico e democrático. Afinal, muitos depoimentos e documentos oficiais vieram à tona, o que seria impossível em um regime ditatorial. Por outro lado, não se pode negar que a CNV teve um viés eleitoreiro e que, em alguma medida, o PT se beneficiou disso. De qualquer forma, nenhuma CNV tem o poder de Justiça ou de polícia. Portanto, a CNV criada no Brasil cumpriu o seu papel de apuração dos fatos. Agora, cabe ao poder judiciário tomar as providências cabíveis.

M.V. – Acompanhamos um retorno gradual de grupos de extrema direita, epecialmente na Europa, em razão de conflitos étnicos, religiosos e imigratórios. Você acredita que podemos presenciar novamente regimes totalitários na Europa e na América do Sul instigado por esses temas?

A.L. – A queda do muro de Berlim, em 1989, representou o fim da Guerra Fria. Pôs fim à bipolarização política do mundo. Por mais que surjam grupos de extrema direita, penso que é improvável a volta de tal bipolarização, por conta da própria configuração atual do mundo, onde todas as barreiras foram rompidas pela internet.

M.V.. – Como você avalia a reconstrução da democracia brasileira nos quase 30 anos do país pós-ditadura?  

A.L. – O fato de termos a garantia constitucional de que situações de violação aos direitos humanos básicos sejam inadmissíveis, como aconteceu no período da Ditadura Militar, já é um grande passo da democracia brasileira nestes quase 30 anos.

M.V.. – Desde junho de 2013 as manifestações de rua foram retomadas no Brasil. Entre elas, há pedidos pelo retorno do governo militar. Ao que você atribui esse estranho saudosismo? Você acredita que a longo prazo isso posso acontecer?

A.L. – A verdade é que o Golpe de 1964, que depôs o presidente João Goulart, foi apoiado pela classe média, que tinha medo de ter que dividir suas casas com famílias menos favorecidas – o que, sinceramente, é ridículo. Só em 1968, com o AI5, que levou ao recrudescimento do regime militar, a classe média aderiu à luta contra a Ditadura. Para mim, reivindicar o retorno do governo militar é extrair a fórceps este passado vergonhoso do Brasil. Espero que isso jamais volte a acontecer.

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