Reportagens

Intervenção urbana no centro da Capital revela o cotidiano da população como parte da paisagem da cidade

Texto: Anaíra Sarmento (anairasmsarmento@gmail.com) e Marina Juliana Gonçalves (marinajulianag@gmail.com)
Fotos: Renato Tunes

Caminhando pelas ruas você já deve ter visto graffitis, pinturas, esculturas e até instalações que preenchem as paredes, postes ou escadas de Florianópolis. Em cada canto há uma mensagem. E a cada mensagem há uma arte diferente.

Foi nesse contexto que surgiu a intervenção urbana “Somos parte da paisagem”, desenvolvida pela artista gráfica e produtora cultural, Camila Petersen. Quem costuma passar pela Avenida Hercílio Luz já deve ter visto alguns lambe-lambes espalhados na região. “A intenção era criar e sobrepor o mapa afetivo da rua, composto por lembranças e depoimentos pessoais, de moradores e transeuntes, ao mapa geográfico com o objetivo principal de criar uma cartografia afetiva que toca justamente neste ponto: relembrar que todos nós somos parte da paisagem da cidade”.

01 02 03

As imagens chamam atenção por representarem acontecimentos que fazem parte do cotidiano das pessoas. Alguns relatos são fortes e ressaltam acidentes, estupros e até morte. Outros, registram apenas movimentos de rotina e que, muitas vezes, passam despercebidos, como simples passeios, encontros ou beijos.

A intervenção, que começou no início do mês, não tem tempo determinado de duração. Segundo Camila, por ser uma arte exposta em local público e aberto, os cartazes colados estão sujeitos a sofrerem ações do tempo e das próprias pessoas, que os arrancam por serem sujeira ou, simplesmente, porque não gostaram e se ofenderam. Além disso, a maioria foi aplicada no chão, então muitos sofreram desgastes por serem pisoteados, por exemplo. “Para dar um parâmetro, foram aplicados 50 lambes e há alguns dias consegui encontrar apenas 12”, diz ela. A própria efemeridade da intervenção é uma das características principais do projeto.

Esse tipo de manifestação é uma forma de expressão artística vinculada à arte de rua, por ser acessível a toda e qualquer pessoa, sem restrições. Para a artista, a arte de rua é democrática e, por si só, já carrega signos diferentes de quando colocada em uma galeria ou em um museu. “Ela permite interação, alteração, ressignificação por qualquer transeunte – afinal, a rua é de todo mundo. Por isso, diz-se que o ponto principal de se fazer arte na rua é o desapego à obra, porque qualquer pessoa a qualquer momento pode interferir nela da forma que quiser. Isso pode ser positivo ou negativo, obviamente. Mas acima de tudo eu acredito que a importância da arte de rua está em proporcionar um respiro à dureza da cidade, um olhar diferente sobre algo cotidiano, forma de tornar sensível um trajeto que muitas vezes é completamente despercebido por uma série de razões: pressa, engarrafamento, poluição visual, poluição sonora, etc.”.

E para ressaltar que as manifestações artísticas e intervenções urbanas estão ganhando cada vez mais espaço na cidade, a autora ainda defende: “Quando a gente tem como pratas da casa artistas como o Gabriel Vanini, o Rica de Lucca e o Paulo Nóia (que infelizmente faleceu recentemente), para citar apenas três, nem há muito o que falar. Florianópolis tem muita gente que é referência foda em arte urbana”.

04 05 07

Por outro lado, Camila Petersen também sinaliza o subaproveitamento de equipamentos públicos em Florianópolis, como é o caso do Museu da Escola Catarinense, mesmo tendo estrutura e localização privilegiadas. Ela e seu parceiro de trabalho, Thiago Bazinga, tiveram o apoio do local para realizar o projeto Parque Gráfico – Feira de Arte Impressa, na Capital. O objetivo principal dessa iniciativa é reunir produtores e público em geral – entusiastas, consumidores, curiosos, apreciadores das artes impressas; e até mesmo quem não sabe do que se trata – a fim de fomentar, incentivar e promover o mercado alternativo das produções gráficas independentes. “O Museu da Escola fica bem no centro da cidade e era desde o princípio a nossa opção ideal de local, justamente por isso. A gente queria colaborar com o movimento de ocupação da cidade que vem acontecendo por ali por outros meios e eventos, como é o caso da feira de antiguidades da Rua João Pinto e da FAF, Feira de Artes de Florianópolis, que acontece na Casa de Teatro Armação, na Praça XV. Pouco nos surpreendeu, neste sentido, a quantidade de gente de Floripa mesmo, que sequer sabia da existência do Museu da Escola, por exemplo”.

A produtora cultural ainda faz uma crítica ao universo gráfico e diz que atualmente ele se encontra em um processo de padronização e mecanização, vitimado pelo mercado globalizado. Neste sentido, os projetos acabam como resultado de modelos que priorizam produções de menor custo e maior tiragem, gerando peças sem o menor diferencial em meio a tantos outros igualmente padronizados. Já Camila acredita em uma proposta que faz exatamente o oposto, “valorizar o movimento craft, que une o conhecimento do criador com suas habilidades manuais para criar arte e originalidade em cada peça. É também um movimento que busca humanizar o consumo e prezar pela autoria do produto, indo na contramão da produção em massa e da mão-de-obra barata”.

06

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.