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Conheça Ilda Martinha Vieira: uma benzedeira centenária

Texto: Luize Ribas (luizeribas@gmail.com)

Fotografia: Tamires Kleinkauf (tamiresccrisk@gmail.com)

Com as mãos sobre as costas de uma mulher de cerca de 30 anos, Ilda Martinha Vieira faz uma oração com voz baixa e rosto concentrado. Depois de 87 anos de prática diária, a longa reza é decorada . Entre as frases, respira fundo, como se o ar lhe faltasse. É compreensível: Ilda é uma senhora centenária que mesmo com a fragilidade da saúde não nega um benzimento. É provavelmente a pessoa mais conhecida do Pântano do Sul. Ao perguntar onde Ilda reside, qualquer morador dá um sorriso entendido e indica o local.

Para ser recebido por ela é preciso passar por um portão de ferro marcado pelo tempo e maresia. O corredor é estreito, passa ao lado de sua casa, chega ao gramado, onde é preciso desviar das roupas estendidas no varal que balançam de acordo com o vento, geralmente forte por ser perto da praia. Depois de alguns passos, encontra-se uma garagem que não é feita para guardar carro. Está cheia de redes, baldes e outros objetos ligados à pescaria. Para sentar, diversos bancos e cadeiras de madeira. É ali que Ilda recebe quem precisa de sua ajuda.capinha_benzedeira

Quem imagina que é uma senhora ranzinza se engana. Gosta é de lembrar do tempo de infância e sorri ao repetir os versos rimados que o avô cantava. Os repete como se tivesse escutado-os no dia anterior. Diz que também sabe oração de Santa Bárbara que é para afastar trovoada:  “Santa Bárbara, São Simão, livrai-nos dos raios e do trovão…” Aprendeu na época de criança, ao ouvir a mãe rezando quando o pai, pescador artesanal, estava no mar.

Em Florianópolis, bairros mais tradicionais, como Lagoa da Conceição, Ribeirão da Ilha e Rio Vermelho, benzedeiras ainda mantêm sua prática, resistindo ao passar dos anos. Para conseguir a cura de determinado mal, tanto quem faz o benzimento quanto quem o recebe precisam acreditar que dará certo; em outras palavras, ter fé. Esse é o conselho de toda benzedeira e que também aparece escrito em estudos científicos sobre essa prática cultural.

Apesar de ser uma cultura presente em todo Brasil, na Ilha a prática do benzimento trazida pelos açorianos também se mistura às histórias de bruxas. Em algumas, como as que Franklin Cascaes anotava de acordo com os dizeres de pescadores e outras pessoas de localizações mais afastadas, as benzedeiras aparecem como protetoras contra as bruxas que praticavam malfeitorias na região. Para proteção contra elas existe oração específica, que pode ser praticada por todos.

Pela cruz de São Saimão

Que te benzo com a vela benta

na sexta-feira da paixão.

 

Treze raios tem o sol,

treze raios tem a lua.

Salta demônio para o inferno,

pois esta alma não é tua.

 

Tosca Marosca,

rabo de rosca.

Aguilhão nos teus pés

e relho na tua bunda.

(…)

Bruxa tatarabruxa,

tu não me entres nesta casa,

nem nesta comarca toda.

Por todos os santos, dos santos.

 

Para Francisco do Vale Pereira, historiador do Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC, era considerada bruxa a mulher que se destacava na comunidade:  por ser mais “moderna” que os demais, por ser muito bonita, podendo enfeitiçar os homens, ou até mesmo benzedeiras podiam ser consideradas bruxas por terem um “dom de cura”. Trata-se de uma cultura principalmente oral que perpassa as gerações e ainda é presente em algumas localidades.

Ilda aprendeu vendo a própria mãe benzendo e decorou algumas orações. Conta que como era moça não queria se tornar benzedeira por achar que isso atrapalharia seus momentos de diversão. “Queria era passear e ir para os bailes.” Mas desde a primeira reza, quando tinha 15 anos, em que uma vizinha pediu para que benzesse seu filho que estava com “quebrante, provavelmente devido ao mau olhado”, a notícia de seu dom se espalhou pelo bairro e as pessoas iam procurar mãe e filha para receber ajuda.

Enquanto Ilda benze a mulher contra o mau olhado, um dos males da maioria das pessoas que a procuram, faz o sinal da cruz nas costas dela em diversos momentos, e a frase que mais se repete e marca toda oração é: “Eu que te benzo, Deus que te cura”

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