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Cervejaria Canoinhense:105 anos de geladas e histórias

Texto e fotos: Merlim Malacoski (merlimiriane@gmail.com)

Sentada em sua poltrona, rodeada de suvenirs de viagens e bibelôs, Dona Gerda Loeffler lê o jornal. Não faltam jornais em sua casa. Aos 89 anos, ela guarda tudo que já foi publicado sobre seu marido, o que não é pouca coisa.

Seu Rupprecht Loeffler, ou apenas seu Lefra, ganhou fama por estar a frente daquela que é provavelmente a cervejaria artesanal em funcionamento mais antiga do Brasil, a Cervejaria Canoinhense. Fundada em 1908 e comprada pelo pai de Loeffler em 1924, o estabelecimento localizado em Canoinhas, no Planalto Norte de Santa Catarina, só deixou de funcionar durante a Guerra do Contestado (1912 -1916).  Hoje, além de ser ponto tradicional da cidade, o local atrai turistas de todo o país e do exterior e ganhou até um documentário, o Cerveja Falada (2010).

Com a morte de seu Lefra em 2011, aos 93 anos, dona Gerda assumiu a tarefa de administrar a microempresa da família e preservar a tradição trazida da Alemanha junto com os barris de carvalho de 500 litros que ainda são usados. A Canhoinhense segue a Reinheitsgebot, Lei da Pureza da Cerveja Alemã, e fabrica dois tipos de chope (claro e escuro) e quatro cervejas: a “Jahu”, clara e amarga; a Mocinha, mais suave; e as duas escuras: a suave Malzbier, e a amarga  “Nó de pinho”, a mais famosa da cervejaria.

Nó de pinho é uma parte do pinheiro muito usada como lenha na região, pois conserva o fogo por um longo tempo. Dona Gerda conta que, ainda na época em que seu sogro era dono da cervejaria, um grupo de portugueses achou que o tal nó de pinho “usado para cozinhar a cerveja” era a matéria-prima da bebida e não a lenha. Do engano veio a história, e o nome.

Outra história é a da “hegemonia” da cervejaria na região durante a Segunda Guerra Mundial. A causa foi o conselho que Otto Loeffler deu ao filho no ínico da década de 1930:  importar uma grande quantidade de lúpulo – um dos ingredientes da cerveja. “Meu marido contava que os vizinhos acharam que o pai dele tinha ficado louco comprando tanto lúpulo, mas ele tinha certeza que algo ia acontecer lá na Europa”, lembra dona Gerda. Otto Loeffler estava certo. Com o bloqueio comercial inglês, era impossível importar os produtos alemães. O resultado foi imediato: na região, só a Canoinhense continuou produzindo a cerveja, só os Loeffer tinham lúpulo.

Atualmente a produção mensal é de cerca de 3  mil garrafas, que são comercializadas apenas no bar da cervejaria. Bar, aliás, que é uma atração a parte. Anexo à cervejaria, o local é decorado com as duas paixões do casal Loeffler, mantidas desde a época em que se conheceram: “Eu falei pra ela: você fica as com flores, e eu fico na minha caçada”,conta seu Lefra no documentário de 2010. Das flores, ficaram o jardim da família, a Biergarten e os vasos que dona Gerda arruma todos os dias. Do hobbie de Rupprecht Loeffler permanecem os animais empalhados, as peles espalhadas pelas paredes da cervejaria, e as cobras guardadas nos vidros.

Entre flores, quadros e animais empalhados, a cerveja é servida nas antigas mesas de imbuia da cervejaria. Mas nada de happy hours ou festas noturnas, a Canoinhense só fica aberta de dia, das 8h às 18:30.  Um hábito, porém, já apreendido pela freguesia. Todo canoinhense sabe quem foi seu Lefra, embora só os descendentes de alemães consigam pronunciar seu primeiro nome.

Ao longo da vida, Rupprecht Loeffler recebeu vários prêmios e homenagens da cidade, entre eles um selo comemorativo dos correios em 2009. Dona Gerda conta que a imagem de seu Lefra levantando um caneco de chope estampada no selo é a mesma que ela colocou no túmulo do marido: “com o caneco. Claro, menina! Era assim que todo mundo conhecia ele.”

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Cervejaria Canoinhense – Rua 3 de maio, 154. Canoinhas -SC  Telefone: (47) 3622-0358

 

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