A didática liberal

Reportagem Gabriel Iwood

Assembleia Legislativa de Santa Catarina,  andar térreo, atrás do plenário onde ocorrem as discussões que mudaram e mudarão a vida dos catarinenses, era lá que um libertário me esperava. O local era o gabinete do deputado estadual Bruno Souza (Novo).

Gabriel César de Andrade, 23, é estudante de Direito na UFSC, uma das vozes mais importantes da Chapa Zero e assessor parlamentar na ALESC.  Ao me receber, perguntou se eu já havia estado na Assembleia. Respondi que sim. Antes mesmo que eu começasse a entrevista, ele desatou a falar das incoerências daquele espaço, daquele prédio e de tudo que existe nele. É para lá que vão os nossos impostos, afirma Gabriel. 

Mas ele sabe que a presença dele mesmo ali dentro também tem uma pitada de incoerência. Na visão do liberalismo, o Estado é, nas palavras do estudante, “um alienígena” nas relações humanas. Por isso, quando pergunto o que o motivou a entrar na política, ele explica, primeiro, o que significa ser “um libertário na política”. Dono de um sotaque florianopolitano inconfundível e cheio de metáforas para fazer-se entender, o futuro advogado explica que a tarefa dele e dos seus dentro daquela (que ele mesmo chama de “estrutura coercitiva”) é mudar as regras do jogo, “sem revolução e derramamento de sangue”. “É horrível que seja assim, óbvio que é horrível. Para que eu possa discordar de uma coisa absurda, eu tenho que me filiar a um partido e isso já é um absurdo”, explica. 

Após a “introdução filosófica”, ele se sente pronto para contar como foi a sua aproximação da política. Tudo começou anos atrás, quando acompanhava seu youtuber favorito, Daniel Fraga. O influenciador começou a falar sobre o liberalismo econômico e essas ideias faziam todo sentido para Gabriel, que também começou a se interessar pelo assunto. Conforme Daniel foi amadurecendo e radicalizando suas ideias, as atenções passaram a se voltar para ele. Em pouco tempo, o youtuber já era um ícone do anarcocapitalismo, uma ideologia ultraliberal que tem como objetivo o completo fim das estruturas estatais. 

Utópico, ou não, Daniel levou a ferro e fogo sua ideologia. Em 2015, publicou um vídeo intitulado “Receita Federal ensina a Roubar”, em que se referia ao Estado como “a pior máfia”. Servidores da Receita chamados de “ladrões engravatados”, expostos no vídeo, não gostaram nada da menção e o processaram. Como um bom ativista anti-Estado, o youtuber simplesmente não apresentou defesa, foi condenado e sumiu. Desde então ninguém sabe seu paradeiro. Especula-se que ele tenha vendido todos seus bens para investir em bitcoins e que vive muito rico, onde quer que esteja. Daniel se tornou um herói ultraliberal brasileiro. 

Hoje, na reta final de sua graduação, Gabriel se lembra da primeira semana de aula, em 2014. Perguntaram a ele por que havia escolhido cursar Direito, e a resposta foi: “quero conhecer as regras para poder mudá-las”. A busca por conhecer a fundo aquela “força coercitiva” tem estado com ele desde então. 

Entre 2014 e 2015, junto a outras pessoas que tinham ideias parecidas com as dele, Gabriel criou o Grupo de Estudos Henry Maksoud para debater economia. O estudante comenta que o grupo nasceu em meio à crise no governo Dilma, um momento, em suas palavras, muito preocupante. “A situação era bem calamitosa. Famílias fugindo para Miami, se mudando para Miami, fuga de cérebros em massa do Brasil. Era uma situação com pouca perspectiva futura”. Nesse contexto, o grupo se desenvolveu. Foi lá, inclusive, que o futuro deputado Bruno Souza o conheceu.

Os dois se deram bem e Bruno o chamou para ajudá-lo na sua campanha para vereador em 2016 e Gabriel topou o desafio. “Nós começamos a abordar alguns problemas da cidade desde uma perspectiva mais econômica. Porque as coisas são do jeito que são, não é coincidência”, conta o estudante. 

Para dar um exemplo mais claro, ele me explicou como abordavam o Plano Diretor da cidade que, em sua opinião, atrasa o desenvolvimento de Florianópolis. “[O Plano Diretor] impede que você torne mais densos os centros urbanos. É uma ideologia do atraso que diz que temos que manter um baixo nível de gabarito nas cidades. Os prédios todos baixinhos”, critica. Nesse caso, o Estado seria uma força anti-natural que obriga a população a viver longe de onde trabalha e estuda. 

A estratégia parece ter dado certo, pois Bruno foi eleito e chamou Gabriel para assessorá-lo na Câmara de Vereadores. Lá, a dupla teve uma passagem que o futuro advogado classifica como de muitas boas surpresas. “Uma analogia talvez seria: um mosquito em uma sala apagada. Ele é muito pequeno, mas ele incomoda. Ele se faz ouvir”, explica sobre serem, então, o único mandato liberal da câmara. O ápice da atuação de Bruno, para Gabriel, foi a conquista de uma liminar para tirar de pauta o Projeto de Lei Complementar número 1680/2017. O PLC proibiria o transporte privado individual de passageiros (Uber, 99 Pop etc) no município de Florianópolis. 

Na Universidade, Gabriel colabora com a Chapa Zero. Embora não seja membro da organização, o estudante tem vários amigos que o são, e o Grupo de Estudos Henry Maksoud é bem importante para a chapa. A eloquência e a facilidade do florianopolitano para a oratória estimularam convites para que ele representasse a Zero em debates. Para participar, Gabriel decidiu sair do Partido Novo, ao qual é filiado desde 2016, uma vez que não é permitido aos membros terem filiações partidárias. “Eu acreditava que eu seria mais útil contribuindo no projeto da Chapa Zero porque lá na UFSC existia um ambiente muito acirrado”, relembra.

O desafio de uma chapa de direita na Universidade, segundo Gabriel, é fazer com que a “maioria silenciosa”, mencionada por Taylana Ramos, vá votar. “Eu brinco que na eleição do DCE existem 5 mil comunistas e existem 24 mil preguiçosos”, diz rindo. “Os 5 mil comunistas vão sempre votar. Pode ter uma chapa de esquerda com uma liderança horrível, ela vai ter 5 mil votos. Os 24 mil votos da Chapa Zero são 24 mil pessoas que nem sabem que existe DCE”. 

De volta ao Novo em 2019, ele é pré-candidato à Câmara de Vereadores. Esse é o resultado de anos de convites dos colegas de partido que diziam que ele levava jeito, enquanto negava a vocação. “Sempre neguei porque o liberal tem essa questão que eu te falei da ojeriza a coisa do estado. E isso acaba sendo uma bala de canhão para os opositores. Porque o Estado, é o habitat natural deles”, relata. 

Agora ele acredita que pode ser útil para o desenvolvimento de Florianópolis que, segundo ele, em comparação com Balneário Camboriú, come poeira. “Nós vivemos na Coreia do Norte. Os prédios altos estão lá, a tecnologia está lá, o PIB crescente está lá. Daqui a vinte anos, vamos olhar para trás e pensar ‘como ninguém nos avisou?’ Nós estamos avisando”, alerta. 

Manter a política econômica como está, é como falsificar ciência, para o futuro candidato a vereador de Florianópolis. “Eu quero construir prédios de 50 andares perto da UFSC. Essa é minha meta. Bom, esse é um dos motivos [pelos quais quer ser vereador]: trazer a economia para dentro da cidade. E acho que a cidade tem muito a ganhar com isso”.

Enquanto conversávamos, vez ou outra, o assessor parlamentar dava uma olhada no celular para ver se algo novo havia acontecido. Bruno estava no plenário e ele tinha de estar a postos. Mesmo digitando e fazendo comentários esporádicos para si mesmo quando via algo preocupante na tela, Gabriel não parava de me responder. Enquanto contava sua trajetória, não perdia uma chance de embasar suas opiniões na ideologia liberal, acompanhado de analogias bem criativas.

Uma das mais inusitadas foi sua explicação do porquê existe a polarização. Basicamente, o Estado seria o catalisador desses conflitos, uma vez que obriga a população a fazer o que ela não tem vontade. “Suponhamos, que seja feita agora uma eleição para decidir o que nós vamos jantar: brócolis ou lasanha. Fechou o pau! Se eu gosto de lasanha e você de brócolis, eu vou fazer o partido da lasanha, você vai fazer o partido do brócolis. Vai ter briga de foice. Por quê? Porque o que você pensa, vai afetar a minha vida”, explica. Enfim, Gabriel quer que sejamos livres para decidirmos se queremos comer os metafóricos brócolis ou lasanha e, no resto, que vença quem pode mais.