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O fenômeno da maré alta em Florianópolis

Reportagem: Pablo Mingoti (pablomingoti@gmail.com)

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Estragos no Morro das Pedras, Sul de Florianópolis, em setembro durante o fenômeno da maré alta que atingiu diversas localidades. Foto: Prefeitura Municipal de Florianópolis.

 

Quem estava acostumado a encontrar largas faixas de areia nas praias de Florianópolis, precisa se preparar para importantes mudanças. Desde o final de setembro, o fenômeno conhecido como maré alta vem “engolindo” metros de areia de algumas praias, diminuindo extensões onde antes banhistas costumavam estender cadeiras e esteiras e armar barracas e guarda-sóis. É como se o mar – e o vento – estivessem esculpindo uma nova geografia nas praias da ilha.

Segundo a defesa civil, Canasvieiras, Praia Brava, Ingleses, Matadeiro e Caldeirão do Morro das Pedras são os locais que até agora, além da redução da faixa de areia, apresentaram os maiores danos em estabelecimentos e moradias localizados próximo à costa. Houve quedas de muros e de postes de iluminação.

No dia 22 de setembro, um levantamento feito pela Defesa Civil do município e pela Secretária de Infraestrutura estimou que a recuperação das praias custará em torno de R$ 4 milhões, valor que pode ser ainda maior. Para dispor de auxílio financeiro do governo federal, a prefeitura de Florianópolis decretou situação de emergência, recebendo a promessa de que em 28 de setembro o Ministério da Integração Nacional, de Brasília, garantirá o repasse de R$ 1 milhão para essas ações emergenciais.

O ponto mais crítico causado pela maré alta aconteceu no Caldeirão do Morro das Pedras, na SC-406, onde existe a possibilidade de o asfalto desmoronar, com a consequente diminuição da rodovia e com quedas de postes de iluminação. Uma adutora de água que passa por baixo do acostamento também apresenta o risco de se romper. No dia 16 de outubro, o Departamento Estadual de Infraestrutura (Deinfra) começou a realizar obras na rodovia para evitar maiores danos.

Engana-se quem pensa que o fenômeno da maré alta é atual. Em outubro de 2016, diversos pontos de Florianópolis ficaram alagados. De acordo com Jarbas Bonetti,  coordenador do Laboratório de Oceanografia Costeira da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), desde maio deste ano vêm ocorrendo uma série de tempestades que está removendo areia da porção superior do perfil praial, rebaixando a altitude de algumas praias de Florianópolis e de outras localidades do estado. “Isso facilita a penetração das águas marinhas em trechos mais interiorizados dessas praias, causando a sensação de subida da maré”, explica.

O Cotidiano UFSC conversou com Regina Rodriges, Antonio Fetter e Jarbas Bonetti, especialistas do curso de graduação em Oceanografia da UFSC, para saber mais sobre esse fenômeno.

Cotidiano UFSC: Quais fatores estão influenciando essa maré alta?

Antonio Fetter: A ação do mar junto à costa é gerada por três processos físicos: ondas, marés astronômicas e marés meteorológicas. As ondas que estamos vendo chegar junto à praia são geradas pela ação do vento sobre a superfície do mar e se propagam na superfície do oceano. Portanto, se o nível do mar estiver elevado, as ondas serão sentidas de forma mais contundente junto à costa. Durante períodos de baixo nível do mar, a ação das ondas não é tão sentida na região costeira. A maré astronômica, por sua vez, corresponde à ação gravitacional da lua e do sol sobre a massa líquida dos oceanos, que gera variações periódicas no nível do mar. Na região costeira de Florianópolis, essas variações acontecem a cada 12h e 24h, aproximadamente. Esse fenômeno acontece todos os dias, independentemente da ação do vento ou de qualquer outro processo. A maré meteorológica, por fim, decorre da ação do vento junto à costa, provocando variações de nível na região costeira. No hemisfério sul, quando o vento sopra sobre uma grande região, como a Plataforma Continental, provoca um transporte líquido de água direcionado a 90 graus à esquerda da direção do vento. Como a costa de SC é orientada aproximadamente na direção NE-SO (nordeste-sudoeste), um vento da direção NE empurra a água costeira em direção ao oceano, provocando um redução do nível médio do mar. Já um vento da direção SO produzirá um deslocamento de massa em direção à costa, provocando uma elevação do nível médio do mar. Por isso, é comum que eventos de elevação de nível, por exemplo, sejam sentidos primeiro em Florianópolis, depois em Itajaí, Paraná, São Paulo… Os eventos de “maré alta” que observamos nos últimos meses foram gerados pela ação do vento, portanto, são classificados como maré meteorológica.

Cotidiano UFSC: A colocação de pedras e muros é uma boa alternativa para evitar que a maré chegue em casas, ruas, estabalecimentos comerciais etc?

Jarbas Bonetti: Sou enfático em afirmar que a instalação de estruturas rígidas é a pior alternativa possível para contornar essa situação. Obras de engenharia dessa natureza têm sido condenadas pelos especialistas e expressivos recursos financeiros têm sido investidos para reverter os prejuízos causados por muros de contenção e espigões em vários locais, sobretudo na Europa. Um muro de pedra é uma sentença de morte para uma praia. Veja o caso das ressacas de 2010. Os estragos desse evento atingiram com igual intensidade as praias da Armação e da Barra da Lagoa. Na primeira, foi construído um muro de pedra para proteger as edificações, enquanto que, na segunda, deixou-se a cargo da natureza recuperar a condição original da praia. Hoje não há mais faixa de areia no trecho com enrocamento na Armação, enquanto que a Barra da Lagoa recuperou rapidamente a sua praia, que apenas agora está entrando em novo ciclo erosivo.

Cotidiano UFSC: Quais impactos sociais o fenômeno da maré alta pode ocasionar?

Regina Rodrigues: Casas, estabelecimentos comerciais e ruas são construídos em áreas que não deveriam. E com a construção de edificações, dunas, vegetação natural e manguezais, que têm o papel de diminuir o efeito erosivo das ondas e da maré alta, são destruídos. Então, com a destruição de ambientes naturais, os impactos sociais são agravados.

Cotidiano UFSC: Como os especialistas tratam essa maré alta? Como um fenômeno natural ou decorrente da ação do homem na natureza?

Antonio Fetter: Esses fenômenos são absolutamente naturais, sempre aconteceram e continuarão a acontecer. Existe um expectativa de que, com o aquecimento global, o derretimento das geleiras e a consequente elevação do nível do mar, esses processos se tornarão mais intensos. No entanto, não temos dados suficientes para afirmar, com segurança, que o que está acontecendo é consequência direta da ação do homem.

Cotidiano UFSC: Será que vamos ver com mais frequência marés altas como essa?

Jarbas Bonetti: Não há dúvida. A ocupação da orla tem sido crescente e com isso a exposição da infraestrutura igualmente se amplia. Das alternativas possíveis para controlar a situação apenas duas seriam eficientes. A remoção das construções localizadas próximas ao mar, que possui um custo econômico e político elevado, e a alimentação artificial dessas praias com areia retirada do fundo marinho próximo. Esta última seria ainda mais custosa a longo prazo, pois tal “engordamento” demandaria manutenção contínua para que fosse eficiente. Particularmente, prefiro a primeira, que beneficiaria mais amplamente a população usuária dessas praias e constituiria um solução mais permanente para o problema da erosão.

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