Reportagens

Marcas de spray

Texto: Miriam Amorim (amorim.miriam@gmail.com)
Fotos: Miriam Amorim e Daiane Nora

A prática de pichação nos espaços públicos tornou-se comum no campus da Trindade, da Universidade Federal de Santa Catarina. Quinzenalmente são realizadas ações para apagar frases e desenhos das paredes, só no Centro de Comunicação e Expressão (CCE) foram gastos R$ 10.706 em 2015 com a pintura dos blocos A e B. Já o orçamento de 2016 é de R$ 14.287 somente para o CCE.  Em outubro foram encontradas pichações nazistas dentro do Centro de Convivência, na Sala Quilombo. As paredes que já haviam sido marcadas com spray pelos próprios utilizadores do espaço, onde são realizadas atividades étnico-raciais, foram marcadas com suásticas.

pichacaoufscFoto: Miriam Amorim

Todas as palavras e símbolos nas paredes na Sala Quilombo, no entanto, são consideradas pichações. Para uma das alunas que participa das atividades no espaço, (que prefere não ser identificada por medo de ataques neonazistas) o problema não se trata da pichação em si, mas sim da mensagem marcada com o spray. “O picho é uma forma de resistência, uma forma de gritar o que acontece, e justamente por isso é tão criminalizado. Ninguém entende a pichação nesse sentido até porque a maioria das pessoas acha ‘feio esteticamente’. Mas o que aconteceu na Sala Quilombo foi um crime bem longe do real objetivo da pichação.” comenta a aluna. A Secretaria de Segurança Institucional (SSI) da UFSC forneceu informações e imagens à Polícia Federal, que instaurou uma investigação sobre o caso.

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Fotos: Miriam Amorim

O picho é uma forma de resistência, uma forma de gritar o que acontece, e justamente por isso é tão criminalizado. Ninguém entende a pichação nesse sentido até porque a maioria das pessoas acha ‘feio esteticamente’. Mas o que aconteceu na Sala Quilombo foi um crime bem longe do real objetivo da pichação.”
– Aluna da UFSC

 

Pichadores, manifestantes e grafiteiros

O produtor e pesquisador Gabriel Bueno Almeida que dirigiu o documentário “Eles foram por ali”, que aborda a questão da pichação em Florianópolis. Ele explica que as marcas dentro da universidade no geral não fazem parte do movimento dos pichadores da cidade. Assim como os manifestantes de rua, os pichadores da UFSC usam a técnica do stencil – uso de chapas para aplicar o spray – ou a própria escrita livre como forma de protesto.  A diferença, na opinião de Almeida, é que os manifestantes “não tem uma técnica, não estudam isso, eles apenas usam o spray para se expressar”.

Entre os utilizadores do spray, os objetivos diferentes se expressam por meio dos tipos de marcas, locais gravados, mensagem e frequência das ações. A prática de pichação como manifestação ocorre desde os anos 60, quando os muros eram gravados por frases como “Abaixo a ditadura”.  Mas apesar de ser reconhecida internacionalmente como arte urbana, a marcação indiscriminada de prédios e ruas acaba sendo associada ao vandalismo.

“Pichação mesmo é na rua, onde todo mundo pode ver. Aqui na UFSC é pichação de manifestação, de quem tá aprendendo e quer protestar sobre alguma coisa”
– 
Gabriel Bueno Almeida

 

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Fotos: Daiane Nora

 

Diferente do pichador tradicional que busca marcar espaço na cidade, as pichações políticas buscam transmitir uma mensagem a quem lê seus símbolos. Durante as manifestações contra o governo Temer que tem ocorrido desde setembro pelas ruas do Centro de Florianópolis, jovens com sprays marcam visualmente sua  passagem com as palavras “Fora Temer”, “PM mata”, “É golpe”, “Temer jamais”, “Ocupar e resistir”. Mas,  ainda que ações de órgãos públicos e privados sejam realizadas para limpar ou pintar partes de paredes pichadas, em diversos pontos da cidade os vestígios dos protestos continuam a gritar com quem passa.

Para o pichador Maria, as marcas nas paredes, tanto de manifestantes quanto dos pichadores tradicionais da cidade, acabam atingindo o mesmo propósito. “A pichação tem essa ideia de revolta, devastação, de infringir uma norma imposta pelo governo que tem essa ideia de higienização da cidade. As pessoas estão sufocadas e querem se expressar” comenta.

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Fotos: Daiane Nora



O movimento da pichação é constante e faz parte da cultura Hip-Hop, possuindo um conjunto de elementos estéticos, linguísticos e ideológicos. Maria acredita que em Florianópolis existam cerca de 50 pichadores que, somados aos praticantes de cidades vizinhas, marcam semanalmente espaços públicos e privados.

O grafiteiro Pedro Driin, formado em Design Gráfico e mestrando em Artes na Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) explica que o graffiti e a pichação tem a mesma origem de transgressão: “a diferença é que um é enaltecido e o outro é criminalizado”.  E, ainda “precisamos nos questionar por quê o outdoor da Coca-Cola é aceito e o picho não”. Pichação de acordo com o artigo 65 da lei nº 9.605 de 1998 é crime ambiental, já a prática do graffiti é legalizada mediante autorização. Para o pichador Maria um dos principais pilares da prática da pichação, no entanto, é a própria ilegalidade das ações. Sobre isto Gabriel Bueno explica que a pichação não é um movimento que busca aceitação, mas que permanece como forma de resistência e expressão dos praticantes ao imprimirem suas marcas (seja com o spray ou com outras técnicas) pela cidade.

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Foto: Miriam Amorim


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