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A dívida pública: o que é esse fenômeno político e quais problemas representa?

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Reportagem por Pedro Bermond Valls (pedrobermondv@gmail.com)

 

O governo do Brasil deve aproximadamente 4,4 trilhões de reais, valor que representa 74% do PIB nacional, de acordo com dados do Banco Central, de 2017. Entende-se a partir do discurso geral – dos noticiários, das redes sociais e dos debates públicos – que esse é um grande problema, que vai prejudicar toda estrutura pública do país. Mas qual é a natureza de uma dívida pública, quais dificuldades objetivas ela representa para a sociedade?

 

O Cotidiano traz agora uma matéria especial que fala da origem histórica da dívida pública e aponta suas principais implicações nas economias ao redor do mundo.

 

As dívidas públicas são uma realidade moderna. Operações de empréstimo com ganhos reservados a credores via juros são fatos razoavelmente recentes, considerando-se a história da civilização. Durante os séculos de maior influência da Igreja Católica e do Cristianismo, a busca pelo lucro e a prática de fazer empréstimos com juros eram ações condenáveis: a riqueza, moralmente, só podia ser associada ao divino e a seus representantes na terra, a realeza e o clero.

 

Com as mudanças históricas que romperam com esse paradigma, como a Reforma Protestante, no século 16, e o Movimento Iluminista, no século 17, uma nova percepção da riqueza começou a ser construída, fazendo surgir, na Europa, os bancos, os investimentos de risco, os ativos financeiros, os empréstimos e os juros. A economia decididamente mudou a partir dali.

 

Empréstimos feitos ao poder público, ao Estado, e financiados com o dinheiro da sociedade através de impostos, ainda não eram uma prática comum, no entanto. Pelo menos até o século 20. Antes disso, os governos só tomavam emprestadas quantias volumosas em momentos excepcionais, como nas guerras, onde os recursos de um país precisam ser todos canalizados e geridos centralmente.

 

Após o início dos anos 1900, principalmente após 1930, o Estado foi se tornando uma peça integrante do funcionamento das economias nacionais. Fez-se realidade política a chamada “Teoria Keynesiana”, que defendia necessidade da participação do Estado para garantir o funcionamento ideal da economia. A dívida pública tornou-se, assim, um indicador presente e relevante na teoria da economia política e na sua realidade prática.

 

Atualmente, o modelo Keynesiano existe, de uma maneira ou de outra, em quase todas as economias nacionais do mundo capitalista. O que varia é a intensidade de sua presença e a frequência da aplicação de suas políticas, mas sua influência é inegável. O gráfico abaixo demonstra essa mudança na postura de atuação do Estado, tomando como exemplo os Estados Unidos.

 

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Trajetória da dívida pública americana em porcentagem do PIB, (1800-2015)

Fonte: www.usgovernmentspending.com.

 

Em todo gráfico temos momentos de guerra que causaram grandes oscilações verticais, mas durante os períodos pacíficos do século 19 é possível verificar que o governo buscava quitar suas dívidas. No século 20 as médias gerais da relação dívida e PIB são expressivamente maiores e não há perspectivas de pagamento integral.

 

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Trajetória da dívida pública dos países da OECD em porcentagem do PIB, (1910-2010)

Fonte: www.carmenreinhart.com/data

 

A tabela acima confirma que o crescimento da dívida se trata de uma tendência mundial e muito presente no primeiro mundo. Países com alto padrão de vida como a Bélgica, a Alemanha e o Japão, possuem dívidas substancialmente maiores que a do Brasil. Verificamos então que o tamanho total do montante devido pelo Estado não é por si só um sinal de caos político e subdesenvolvimento. Qual seriam então os problemas por trás da dívida pública?

 

Entender o impacto das taxas de juros é essencial para essa compreensão. Isso porque elas definem a quantidade de dinheiro que o credor deve receber além do retorno de seu empréstimo ao governo. É como se fosse o preço do empréstimo. A taxa de juros que o Banco Central, o banco do governo, define também valem para todas as transações bancárias do país, inclusive as de bancos privados, por isso é um número tão importante.

 

Várias consequências podem ser apontadas a partir daqui. O ritmo com que governos gastam mais do que arrecadam, gerando dívida, se é muito intenso e constante, acaba trazendo dificuldades para financiar esses gastos. Nessa situação, credores só farão empréstimos em troca de benefícios, recebendo uma taxa de juros maior, isenções tributárias ou até benefícios de caráter político e legal.

 

A presença de taxas de juros muito altas podem desequilibrar os gastos públicos ou até paralisar o crédito bancário. Desequilibram os gastos públicos pois criam a necessidade do governo de dividir os custos desses juros altos com os gastos em saúde, educação, ciência, seguridade social e outros. Por vezes, o Tesouro Nacional precisa endividar-se continuamente, buscando mais empréstimos para pagar os juros dos antigos empréstimos. Forma-se, assim, um ciclo vicioso.

 

Já a paralisação do crédito está relacionada ao fato mencionado acima, que os juros do Banco Central são praticados em todo o setor bancário. Fica mais difícil, então, conseguir crédito bancário para empreender, para expandir negócios ou até para financiar a compra de bens mais caros (carros, casas, tecnologia).

 

Por fim, os juros altos tornam a dívida pública muito mais atraente para investir do que o a produção: há mais vantagens em colocar dinheiro nos títulos da dívida pública, financiando o governo e recebendo grandes retornos ao ano, do que investir em indústria, serviços, capital humano. Esse processo como um todo pode ser nocivo para a economia, pois concentra riqueza e traz estagnação aos setores produtivos.

 

Esses são alguns dos grandes problemas relacionados às taxas muito elevadas de crescimento da dívida pública, que forçam a presença dos juros altos.

 

Por que, então, os governos se endividam, já que são tantas as dificuldades geradas?

 

Vários direcionamentos político-econômicos iniciados no século 20, como o Estado de Bem Estar Social (Welfare State) e o desenvolvimento possibilitado através do uso da economia mista (Estado e Mercado), são algumas das ideias que trouxeram ao momento presente essa realidade dos gastos públicos elevados.

 

Há quem defenda que todo esse movimento se mostrará insustentável, pois gera economias menos dinâmicas e produtivas e um excesso de poder na mão do Estado. Outros creem que, com o crescimento geral da economia nacional (PIB), é possível equilibrar os problemas gerados pelos excessos dos gastos públicos; esses também buscam ressaltar as necessidades estratégicas e sociais envolvidas nesse movimento. É um debate que atravessa décadas, com embate em microtemas e que possuí várias consequências, sempre de grande complexidade.

 

Traduzir, contextualizar e colocar em perspectiva histórica temas como esse, entre muitos outros, é um dos compromissos do Cotidiano para com seus seguidores. Aproximar a informação de cada um deles, por meio das práticas jornalísticas, afinal, é sempre um caminho para a compreensão do presente e a participação cidadã.

 

Fontes:

 

https://www.elgaronline.com/view/9781785363375/chapter01.xhtml

 

https://en.wikipedia.org/wiki/Government_debt

 

https://www.theobjectivestandard.com/issues/2017-fall/the-political-economy-of-public-debt-by-richard-m-salsman/

 

http://www.fgv.br/professor/ferreira/PolEconDebt.pdf

 

http://www.levyinstitute.org/pubs/wp_843.pdf

 

https://www.thebalance.com/what-is-the-public-debt-3306294

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