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Anônimos da UFSC flagram e confessam

Texto: Marília Marasciulo (mariliamarasciulo@gmail.com)

Alguém confessa que prefere cachorros a pessoas. Outro admite que tem dificuldade em ir às aulas porque sofre de ansiedade e fobia social, e fica em pânico cada vez que entra na sala. Já outros dois procuram alguém: o moreno alto e bonito que viu no ônibus; a menina que estava com um capacete branco no Restaurante Universitário. Todos são anônimos.

SegredosUFSC

Não, não é uma reunião de algum tipo de terapia de grupo. As mensagens saíram das páginas do Facebook Segredos UFSC e Spotted UFSC, duas entre tantas outras que parecem ter virado moda em universidadesbrasileiras e em todo o mundo. Basta buscar a palavra “spotted” — flagra, em inglês — na rede social para encontrar milhares de páginas que vão desde a Universidade Laval, no Canadá, à Universidade de Sidney, na Austrália. O mesmo vale quando se digita a palavra “confidential” (confidência, em inglês) ou “secrets” (segredos), mas em menor escala.

A lógica é simples: a pessoa manda a mensagem, seja um segredo ou descrição de um desconhecido/a que deseja encontrar, e ela é publicada pelos gerenciadores da página. No caso de Segredos UFSC, as mensagens são enviadas através de um site, o que garante total anonimato. Na Spotted UFSC, os administradores sabem quem é o autor.

Por dia, a Spotted UFSC recebe em média oito mensagens, e o número de confissões na Segredos UFSC  aumenta diariamente: no domingo, dia 12, foram 157. Essa necessidade de espalhar segredos anonimamente, que parece estar aumentando entre os estudantes, possui diversas explicações possíveis, segundo a professora dos cursos de Comunicação Social do Ielusc Maria Elisa Máximo, doutora em Antropologia Social pela UFSC.

A professora explica que no contexto atual os vínculos estão se tornando menos sólidos e mais circunstanciais. Tudo está se multiplicando: as horas da jornada de trabalhos, os papéis sociais e os grupos dos quais as pessoas fazem parte. Sem tempo para manter um  contato intermitente , elas buscam as redes sociais, que se apresentam como um espaço que possibilita encontros ao alcance de um clique. Mas os vínculos se tornam fracos demais para que as pessoas se sintam confortáveis para se enfrentar face a face.

Outra análise possível é de que a exposição constante na rede pode estar remetendo a internet a seus anos inicias. “O anonimato está nos primórdios da internet, mas com a evolução de outras plataformas, o conceito caiu por terra”, diz Maria Elisa. Se antes a grande vantagem da rede era poder se comunicar e se expressar anonimamente, nos últimos anos ela se tornou uma maneira das pessoas compartilharem o dia a dia, até por causa da dificuldade em manter um grande número de relações. “As pessoas estão ‘vivendo para contar’, elas vivem o que vivem, fazem o que fazem, para depois poderem contar o que viveram/fizeram.” O que pode estar acontecendo agora, segundo Maria Elisa, é que as pessoas estão novamente buscando preservar a privacidade através do anonimato.

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Uma terceira e última explicação pode estar relacionada ao conceito de “mensagem na garrafa”, diz a professora. As pessoas jogam a informação na rede para ver aonde ela pode chegar, quem irá ver. Isso serviria tanto para alimentar o próprio ego, ao observar o alcance da mensagem, quanto para facilitar a busca por afinidade – as próprias ferramentas do Facebook (comentários ou os botões compartilhar e curtir) permitem que o autor identifique quem compartilha de seus segredos ou a identidade da pessoa flagrada.

Maria Elisa cita o conceito de “comunidade cabide”, criado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, que complementa essa ideia de mensagem na garrafa. As informações publicadas na rede estariam sendo “penduradas” num “falso coletivo”, que proporcionaria a pessoa sensação de estar compartilhando uma confissão e estar sendo ouvida, quando na realidade ela vive o drama sozinha diariamente.

Alguns usuários das páginas parecem já ter percebido e estão de acordo com as explicações de Maria Elisa e o conceito de Bauman. Na mensagem número 243 da página Segredos UFSC, um deles disse: “Fico de cara com a similaridade das pessoas. Quando leio o Segredos UFSC, na maioria das vezes fico: ‘Eu também cara!’(…) As pessoas vivem envolvidas em seus mundos particulares, (…) mas no fundo todos nós pensamos as mesmas merdas e fazemos as mesmas bizarrices.”

 

Veja também as entrevistas feitas por e-mail com os criadores das páginas Spotted UFSC e Segredos UFSC.

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