“De estudante para estudante, sem militante”

Reportagem de Gabriel Iwood

Sentado no hall da reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina, espero pela minha primeira entrevistada. A portas fechadas, o Conselho Universitário (CUn) delibera sobre as consequências da greve estudantil de 2019. Desde lá, Taylana Ramos conversa comigo por mensagens. Ela me conta que a coisa está quente na reunião. Estudante da 7ª fase de Odontologia, está do lado daqueles que não acreditam que a greve tenha sido legítima e que exigem medidas menos mornas àqueles que aderiram ao movimento. Ao todo, 2.800 votos nas últimas eleições para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) deram à Chapa Zero – da qual Taylana é membro – duas cadeiras no CUn. O feito foi inédito desde que esse grupo começou a participar das eleições.

Um ano após a vitória de Jair Bolsonaro à presidência do Brasil, no microcosmos da política universitária, a direita ainda é minoria e Taylana é uma das caras da oposição no CUn. Ela defendia que a frequência obrigatória durante a greve não fosse suspensa. Ou seja, para a estudante, não era justo que os grevistas não sofressem punições por terem faltado às aulas naquele período. O resultado da votação: 35 a favor da suspensão, contra 8 votos daqueles que pensavam como a futura dentista.

A conheci há mais de um ano e meio atrás, naquele mesmo hall. Na ocasião, a entrevistei pois ela era uma das estudantes mais engajadas na candidatura do diretor do Centro Tecnológico, professor Edson De Pieri, à reitoria da UFSC. Se alguém encontrasse a Taylana de três anos atrás e lhe dissesse que sua futura “eu” teria tamanho empenho e entusiasmo no movimento estudantil, talvez ela não acreditasse.

Florianopolitana, nascida no Hospital Universitário da UFSC, ela nunca foi do tipo apaixonado por política. Durante o Ensino Médio, ela se achava “de centro” quando via os professores mais inclinados à esquerda falando. Foi ao voltar à universidade, depois de 18 anos, que uma nova Taylana nasceu.

Desde caloura, a estudante viu com insatisfação a influência dos partidos de esquerda no DCE. “As pautas estudantis eram deixadas de lado para cumprir uma agenda política, para fazer greve, para tentar derrubar algum presidente, ou porque não concordava com alguma PEC”, afirma Taylana. Ela não se sentia representada por nenhuma das chapas que pleiteavam o Diretório. Nem mesmo a extinta opositora Chapa 4 lhe parecia interessante. “Eles também recebiam financiamento de partidos políticos, e também tinham pautas para agradar tanto a direito quanto a esquerda”.

Foi assim por três semestres, até ela conhecer os membros de uma nova chapa, a Zero. Idealizada para ser uma chapa de contestação, oposição e de negação a qualquer influência externa de partidos políticos, a Zero cresceu muito em pouco tempo, juntando estudantes insatisfeitos, como Taylana. “Era uma política universitária leve, de descontração, que debochava daquilo que é ridículo dos oponentes. Quando a Chapa iniciou era só meme”, relembra. No entanto, esse humor ácido e, às vezes, ofensivo da Chapa Zero lhes custou a candidatura nas eleições de 2016, quando uma foto veiculada por eles resultou em impugnação.

Hoje, Taylana se orgulha de ter sido uma das responsáveis pela guinada da Zero a uma política mais séria, embora reconheça que, talvez, o lado cômico do início já não esteja mais tão presente. “O pessoal que fundou a Chapa pede para que a gente não perca a irreverência”.

A Zero se transformou em um grupo de pessoas que pensam a Universidade e agem em favor dos seus ideais, não somente na competição pela presidência do DCE. Entre as atuações que a estudante destaca como mais importantes, está a denúncia feita ao Ministério Público do que chama de “abusos” durante as ocupações da Universidade, em 2016. “Recebemos muitas denúncias [enquanto Chapa Zero] de portas trancadas, de cola nas fechaduras, impedindo fisicamente os estudantes que queriam só ficar de boa e estudar”.

Outra situação marcante para Taylana foi a mudança do nome do Centro de Cultura e Eventos da UFSC, em homenagem ao ex-reitor Luiz Carlos Cancellier. Cau, como era conhecido entre os amigos, cometeu suicídio em 2017, após ter sido preso acusado de obstrução à justiça. “Nós fomos os únicos que se opuseram a isso”, conta a estudante. “Ia se misturar um órgão público com um ato político”.

Como em outras ocasiões, a Zero perdeu e o prédio tem agora o nome do ex-reitor. Ainda assim, Taylana não acredita que seja parte de uma minoria. Ela me corrige: “uma maioria silenciosa”. “Acredito que a maioria dos estudantes não quer falar e não quer se incomodar”. E essa é uma das razões pelas quais ela tomou para si a tarefa de se expressar e, de vez em quando, ser vaiada em público, como na última sessão aberta do CUn, durante a greve. “Uma vez meu pai me disse que para cada amigo que você faz na política, você leva três inimigos. Eu respondi: ‘pai, acho que é tipo dez mil’”, ri a estudante.

Quando pergunto se vale a pena tanta energia dispensada por essa causa, os olhos azuis chegam a brilhar. “Recebo várias mensagens de gente dizendo: ‘Nossa, que coragem!’, ‘Você fala o que eu penso’, ‘Aqui na minha sala eu não tenho voz’”.

Embora esse nunca tenha sido o objetivo da estudante, ela é um dos principais nomes da direita na UFSC e esse posto pode ser cansativo. Faltando três semestres para se formar, Taylana afirma já não querer participar tanto do movimento estudantil. Após representar seus interesses de forma que considera responsável e ter sido usada como ponta-de-lança por alguns professores, o foco agora é outro. “Terminar minha graduação, focar no meu TCC, na pesquisa…”

Ela afirma ter a consciência tranquila de que fez sua parte e deixou sua marca na política universitária, dando voz àqueles que não a tinham ou que tinham medo de usá-la. Num clima de “dever cumprido”, Taylana diz que, assim que terminar o curso, vai deixar de lado a política para se dedicar apenas ao seu consultório e seus pacientes.

Minha opinião de quem acompanha o movimento estudantil de perto, é que ela não vai ser uma simples dentista fazendo canais e restaurações. Acredito que quem teve uma atuação como a de Taylana dificilmente largará a política de uma hora para outra. Ela encerra com “do futuro só Deus sabe”.

Tivemos, por fim, uma pequena discussão semântica. Eu, sinceramente, senti dificuldade em me dirigir aos atores políticos à direita com termos como “militantes” e, às suas atividades, como “luta”. E, de fato, o estranhamento não era só meu. Taylana não se sentiu completamente confortável quando me referi à sua atuação política como uma “luta”. Ela completou a fala repetindo um dos slogans da Chapa Zero: “De estudante para estudante, sem militante”.