A metafísica do poder

Reportagem de Gabriel Iwood

Baiano de nascença, se mudou bem cedo para a Paraíba, cresceu no interior de São Paulo e morava no Paraná quando decidiu vir tentar a vida na Ilha da Magia. Uziel Santana, 29, acabava de terminar o curso técnico em mecânica e achou que o próximo passo deveria ser cursar Engenharia Mecânica na UFSC.

Aprovado no vestibular, aos poucos, o estudante ia entendendo que o seu lugar não era no Centro Tecnológico. As aulas de teatro com o professor Pablo, um rígido português que mal sabe o quão foi importante na vida de Uziel, o faziam refletir sobre suas perspectivas de mundo. 

Somando isso às dezenas de livros que leu naquela época fizeram com que, três anos após o início da faculdade, ele ligasse para dar a notícia aos pais. “Ó pai, não é isso que quero da minha vida. Vou mudar de curso e vou para a Filosofia”, falou pelo telefone. Ao contrário do que era esperado, até mesmo por Uziel, não houve protesto algum. A resposta da mãe foi que, se era aquele mesmo o seu desejo de vida, estava tudo certo. Eles continuaram ajudando o filho em Santa Catarina e possibilidades surgiram para o novo aspirante a filósofo.

Do outro lado da Universidade, tanto geograficamente, quanto na área de conhecimento, Uziel começou a procurar formas de se organizar politicamente. O primeiro convite foi para uma reunião do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU). “Achei nada a ver”, comenta a respeito da experiência no evento. 

Mais tarde, o amigo pedetista Marcola soube que Uziel curtia assistir aos vídeos de Ciro Gomes e o chamou para vê-lo ao vivo num evento da Juventude Socialista PDT. Naquele dia, Uziel encontrou a organização pela qual iria militar. “Eu já pensava num projeto nacional. Aí um dia eu vi o Ciro falando sobre isso, o Brizola já falava sobre isso, o Darcy [Ribeiro]… Nisso eu já acreditava, só não sabia que existia um partido que pensava a mesma coisa!”, conta sobre a conexão à primeira vista.

Atualmente, a política é a única forma que ele enxerga para mudar o mundo. “Como não nasci um Matarazo, um Dória, um Bornhausen, meu nome é Uziel Silva de Santana, eu estou do lado que vai ter que lutar a vida inteira”, explica enfatizando cada um de seus nomes. 

Rapidamente, Uziel já se sentia parte da militância do PDT e acredita que isso se deve a entrega que mostrou desde o início. “Em menos de um ano de partido eu já estava jantando com o Ciro ali na Beira-Mar!”, recorda animado. 

Quando o então presidente da JS PDT de Florianópolis renunciou ao cargo para militar no PSOL, Uziel achou que sabia de um nome perfeito para substituí-lo. O estudante foi então anunciar a ideia ao presidente estadual da Juventude, Allan Müller, quem não gostou da recomendação. Ao invés disso, Allan sugeriu que o próprio Uziel assumisse a presidência. Foi um choque. Mas logo estava sendo apresentado como o novo líder na capital do estado ao presidente do partido em Santa Catarina, o ex-ministro do Trabalho, Manoel Dias.

Sentados numa mesinha no pátio do Centro de Ciências Jurídicas, somos interrompidos algumas vezes por colegas de partido que vêm cumprimentá-lo. Um deles pergunta se ele se vai se candidatar a vereador nas eleições de 2020. Uziel responde que existe a possibilidade. 

Na posição de futuro candidato e então assessor parlamentar do vereador Lela, o baiano costuma refletir sobre o que dá ou que não dá certo numa campanha. Ele me conta que, na sua opinião, a política é metafísica. “Lembra que diziam que Deus estava morto? Deus está muito vivo. Deus elegeu o presidente do Brasil!”, provoca. Ele acredita que caiu por terra a ideia de que é através de uma explicação racional que as ideias serão absorvidas pela população. “O maior erro do campo progressista, ou da esquerda, é a racionalização do mundo”.

Uziel se diz cristão e vê no crescimento das igrejas evangélicas um efeito do que acredita ser a falácia de um mundo conectado. “As pessoas vivem carentes. Olha os grupos de zap de tia: é para mandar mensagem dizendo ‘eu te amo’, ‘você é importante para mim’, ‘você é um amigo’”. Nesse contexto, as igrejas vêm para suprir essa carência com grupos de pessoas que se chamam de “irmãos e irmãs”, enquanto se ajudam, baseados em uma força metafísica: “o amor de Cristo”. No cenário político externo, ele acredita que os problemas têm uma origem semelhante. “Nos golpes que estão acontecendo na América Latina inteira, curiosamente, todo mundo que assume, vem com a bíblia na mão”.

Para o estudante, que apresentaria seu Trabalho de Conclusão de Curso no dia seguinte, os movimentos e os partidos têm muito o que aprender com as igrejas. Segundo ele, nas organizações políticas, há uma supervalorização das aspirações individuais e esquece-se do que realmente importa: as pessoas que compõem o grupo. “É mais importante você se sentir próximo do cara do que essas ideias que você acha que vão mudar o mundo”, estabelece. 

Quando começamos a conversar sobre as razões que o motivam a se candidatar, Uziel deixa sair o político polido em campanha que tem dentro de si. “Porque eu sou um cidadão comum. E é a representação dos não-Dória, dos não-Bornhausen”, responde. 

Na metafísica que identificou no poder, ele também encontra as suas próprias motivações. Um exemplo é a arte, que chama de seu “oxigênio”, outro é o “poder do amor” que o move e o faz merecedor do cargo. Em um país onde a política decepcionou tanto, não se culpe se as palavras de Uziel te soarem à demagogia. Pelo menos por enquanto, não sabemos se ele sonha no que diz sonhar, se ele se ilude com o que diz se iludir, ou se ele deseja o que diz desejar.

“Se eu me importasse com grana, eu não tinha saído da Engenharia”.