Violência contra a mulher
“O ciclo de violência só se rompe quando alguém denuncia”. Úrsula Dias, jornalista e estudante de pedagogia, está entre as mulheres que quebraram este ciclo. Há cerca de duas semanas ela foi agredida pelo companheiro com um soco no olho. Mesmo com receio das consequências, decidiu fazer a denúncia na delegacia de polícia. Apesar de ter vencido o medo e os dilemas pessoais, ela conta que o processo foi traumático.
“Não tinha nenhuma mulher para me atender na delegacia, e na hora que pedi para minha amiga entrar comigo para o boletim de ocorrência o policial falou ‘Você tem que aprender a se defender sozinha’, aquilo me abalou ainda mais”. Foi através do apoio dos amigos e professores que ela conseguiu se sentir segura, já que o agressor é professor da mesma faculdade onde ela estuda.
Úrsula diz que a repercussão nas redes sociais ajudou a obter a ajuda que precisava para não desabar emocionalmente. Mas ressalta que recebeu muitas críticas e que foi acusada de ser a culpada por ter sido agredida. “Teve quem falou que eu deveria ter feito algo para merecer aquilo. Senti o machismo.”
A psicóloga, Aline Cristina Carta, explica que essa visão machista vem da sociedade patriarcal e da figura masculina com o poder absoluto na qual a cultura nacional foi construída. Para ela é preciso romper com essa mentalidade e afirma que “é imprescindível o apoio da mídia em transmitir nos seus veículos ideias que discutam conscientemente a questão de gênero e não reforcem tal modelo patriarcal, visto o poder de influenciar na mentalidade nos comportamentos humanos”.
Mas a violência doméstica não deixa apenas marcas visíveis. A mulher agredida está sujeita a intenso sofrimento psíquico e emocional e acaba sentindo-se desqualificada, humilhada, impotente, com crises de ansiedade, além do medo e tristeza constante.
Esses sintomas, explica Aline, acabam levando a mulher a permanecer no ciclo de violência. E podem resultar em depressão, síndrome do pânico, dependência química, estresse pós-traumático e até suicídio. “Vale ressaltar que a violência psicológica, muitas vezes considerada um tipo de violência menor diante da violência física, é responsável por marcas mais profundas no estado psíquico da mulher que sofre violência e é mais difícil de ser detectada.”, evidencia.
As redes sociais têm sido o maior meio de indignação e apoio da sociedade. Até agora o agressor de Úrsula foi afastado temporariamente do cargo e das funções administrativas e responderá judicialmente de acordo com nota oficial do Centro de Ciência Humanas e da Educação – Faed da Udesc.
Proteção à mulher
Para evitar que mais casos de agressão, a ONU Mulheres deu início na última terça-feira (27) a campanha 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres. A iniciativa marca a celebração do Dia da Não Violência contra a Mulher que ocorreu no último domingo, 25 de novembro. Dentro da programação está a conscientização da população sobre a Lei Maria da Penha, as formas de denunciar a agressão e como procurar ajuda.
Desde a criação da Lei Maria da Penha em 2006 foram registrados 2,7 milhões de atendimentos através do Ligue 180, a Central de Atendimento à Mulher. Os dados da Secretaria de Políticas Para as Mulheres também revelam que 89% das denúncias tem ligação com relacionamentos afetivos, sendo em 70% dos casos o agressor é o companheiro.
A lei criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Na visão da psicóloga Aline Cristina Carta a determinação é um avanço sem parâmetros no combate à violência contra a mulher, mas que a punição não pode se restringir a reclusão. Ela defende a necessidade de implantar programas de reeducação e reabilitação do homem para que ele não volte a cometer a agressão. “A conscientização da população e dos operadores da lei exigem um olhar especial. É preciso afastar a ideia de que somente cadeia é forma adequada de responsabilização. A reabilitação levaria a um aumento de denúncias e, consequentemente, de ações eficazes para o rompimento do ciclo de violência”, aconselha.
A assessora da 6º Vara Criminal de Londrina/Paraná, especializada em crimes de Violência Doméstica e Familiar e Crimes contra a Criança e o Adolescente, Ana Flávia Moreira, explica que a Lei Maria da Penha é um mecanismo de defesa para as mulheres, pois o agressor perde benefícios que teria caso fosse julgado pela agressão a qualquer pessoa. Mas a lei ainda esbarra em uma barreira que a impede de ser mais eficaz, “Por incrível que pareça, mesmo em 2012, esbarramos em um pensamento machista, de subordinação feminina que deve aguentar as agressões dentro de casa”.
Mesmo seis anos depois de publicada, a lei ainda encontra problemas para a efetiva implantação. Ainda existem poucos juizados especializados no Brasil e os abrigos para mulheres que necessitam de proteção imediata são escassos, assim como delegacias da mulher 24 horas.
Segundo o Mapa da Violência de 2012, o Brasil ocupa a 7ª posição dos homicídios femininos. Em Florianópolis, até outubro de 2012, o número de BO’s registrados pela 6ª Delegacia de Polícia da Capital foi de 5.200 casos. De acordo com o Centro de Referência de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência, houve um aumento de 46% desde 2005.
A Secretaria de Políticas para as Mulheres criou em 2005 o Ligue 180. Através dele as mulheres podem solicitar informações e receber orientações sobre o que fazer caso sofram algum tipo de violência. A central funciona 24 horas em todos os dias da semana.