Fundação Municipal de Meio Ambiente sofre com falta de funcionários e sobrecarga de trabalho
Órgão tem defasagem de 84% do seu quadro funcional previsto em lei e é responsável pela gestão das dez Unidades de Conservação de Florianópolis
Reportagem por Arthur Westphalen

Aracidio Barbosa Neto, manezinho e formado em Geografia, é técnico da Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram) desde 2016, quando ingressou via concurso público. Atua no Departamento de Unidades de Conservação, o Depuc, do qual foi chefe durante a pandemia. Naquele período, vivenciou na pele o problema da falta de funcionários na Floram: “eu fui chefe de mim mesmo. Não tinha nenhum outro técnico, só eu e dois estagiários”. Um técnico, responsável por cuidar de 33% do território de Florianópolis.
A situação na Floram segue longe de ser resolvida. O órgão sofre com um problema de defasagem e possui apenas 16% do seu quadro de funcionários preenchido. Ao todo, são 38 servidores concursados. A lei prevê 232. A Fundação também conta com funcionários emprestados de outras secretarias e órgãos, mas poucos. Em abril deste ano, eram 23.
A maioria dos Departamentos sofre com problemas de sobrecarga dos funcionários pelo nível de demanda. “Falta pessoal em todos os setores. Faltam servidores efetivos no administrativo, no Departamento de Unidades de Conservação, na Diretoria de Licenciamento, na área da poluição sonora e, principalmente, na fiscalização ambiental”, avalia Juliana de Oliveira, servidora da Floram e diretora da Associação dos Servidores de Urbanismo e Meio Ambiente de Florianópolis, a Asuma
Como órgão ambiental designado pelo Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), a Floram tem a prerrogativa do licenciamento e da fiscalização ambiental no município de Florianópolis. Além disso, o órgão é responsável pelas Unidades de Conservação (UCs), pela arborização pública, poluição sonora e educação ambiental. O trabalho da Fundação vai desde colocar placas em trilhas utilizadas para lazer até licenciar empreendimentos milionários. Atravessando todos esses setores, dois departamentos enfrentam situações críticas: o Depuc, que administra as Unidades de Conservação, e a fiscalização ambiental.
Sem planos de manejo, gestão das UCs é inviabilizada
Entre os departamentos da Floram, nenhum tem um escritório mais agradável que o Departamento das Unidades de Conservação, o Depuc. A sede fica no Monumento Natural da Lagoa do Peri, Sul de Florianópolis. No escritório, um quadro branco com uma frase escrita por um marcador azul: “Vida longa ao DEPUC”. “Quem escreveu foi a Simone, uma das estagiárias que trabalhava aqui na pandemia. Ela sabia que a coisa estava apertando”, conta Aracidio Neto. O Depuc é responsável pela gestão das dez Unidades de Conservação (UCs) de Florianópolis.
“A gente não dá conta das demandas. Eu sei todas as demandas que tem, só que não é possível atuar em todas elas. Como eu não tenho gente suficiente, eu tenho que priorizar o que eu vou atender”, desabafa Mariana Hennemann. Bióloga por formação, Mariana é uma dos 38 servidores efetivos da Floram. Atualmente ocupa uma posição de chefia à frente do Depuc. Com poucos funcionários, o Departamento atua como um “bombeiro”. “O nosso trabalho é apagar fogo o tempo inteiro. Como as demandas são muitas, a gente acaba atuando no que realmente precisa ser resolvido logo”. Ao ser perguntada sobre qual o incêndio do momento, Mariana fala: “nunca tem um fogo só. Na verdade, sempre são várias fogueiras ao mesmo tempo”.
Somadas, as dez UCs do município correspondem a 33% do território. As funções do Departamento incluem a manutenção de trilhas, coordenação dos processos de visitação, estruturação do diálogo com as comunidades que residem nos entornos das UCs e as demandas judiciais do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). Mariana explica que a gestão das trilhas e espaços de visitação é uma das tarefas mais demandadas, devido ao alto nível de uso dos espaços pela população.
Para os servidores do Depuc, não há assunto mais relevante do que os planos de manejo. “O plano de manejo é o equivalente a um plano diretor da Unidade de Conservação. É o documento que vai dizer o que pode e não pode ser feito dentro da UC e em quais áreas pode ou não pode ser feito”, explica Hennemann. Após a criação de uma Unidade, o plano de manejo deve ser elaborado em até cinco anos, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente.
Entre 2023 e 2024, o Departamento de Unidades de Conservação elaborou planos de manejo para todas as Unidades. O processo exigiu bastante. “A empresa contratada para prestar o serviço não era daqui e não tinha nenhum domínio do território. Isso dificultou bastante o trabalho, mas a nossa equipe conseguiu compensar se envolvendo diretamente no processo”, explica Mariana.
Desde a conclusão do processo, os documentos esbarraram em obstáculos políticos. Primeiro, em 2024, a prefeitura recusou publicar os documentos antes de uma análise da Procuradoria Geral do Município sob alegações de insegurança jurídica. “A gente considera que tomou todos os cuidados necessários para não ter nenhuma ilegalidade na proposta dos planos. Durante o processo de construção a gente buscou seguir as normativas do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), que não são leis, mas é o que a maioria dos municípios e Estados usam. Nós consideramos que fizemos tudo corretamente”, afirma Mariana.
Em 2025, mais um impedimento. A Câmara de Vereadores de Florianópolis criou uma Comissão Parlamentar Especial (CPE) para questionar os documentos. Sob presidência do vereador Rafael de Lima (PSD), que pertence ao mesmo partido que o prefeito Topázio Neto, a CPE recomendou que a Floram não publicasse nenhum plano até que a Comissão concluísse seus trabalhos, algo que a fundação não é obrigada a seguir, mas vai obedecer. “Poderíamos ir para o conflito? Sim, só que não vale a pena” afirma Alexandre Waltrick, atual presidente da Floram e secretário do meio ambiente de Florianópolis.
A vereadora Ingrid Sateré Mawé (PSOL), que integra a CPE, afirma que a Comissão é ilegítima, uma vez que o assunto poderia ter sido tratado dentro da Comissão Permanente do Meio Ambiente. O regimento da Câmara de Vereadores proíbe a criação de comissões especiais para discussão de problemas já contemplados nas comissões permanentes.
Para o coletivo UC da Ilha, uma associação de ativistas ambientais e defensores das unidades de conservação, as barreiras enfrentadas pela Floram na publicação dos planos são uma tentativa do poder municipal de atender a demandas promovidas por empresários do ramo imobiliário. “As unidades estão inseridas em um contexto urbano com um visível avanço da especulação imobiliária. A revisão do plano diretor de 2023 diminuí a proteção ambiental em Florianópolis. Com o decorrer dos anos, haverá um impacto grande nessas UCs”, analisa Simone Coelho, integrante do coletivo. “Não publicar os planos compromete a saúde das pessoas e a vida nessa cidade”, argumenta.
Sem os documentos, o Departamento fica impossibilitado de gerir as Unidades. O Depuc não pode autorizar a operação de pequenos comércios – como o aluguel de caiaques ou a venda de guarda-sóis, por exemplo – ou definir áreas para turismo dentro das UCs nem impedir visitações em áreas mais sensíveis. Outro problema envolve a regulamentação fundiária. Quando uma Unidade é regulamentada como Parque Natural é necessário que 100% da área pertença ao domínio público. Caso existam propriedades privadas dentro do Parque, os proprietários precisam ser desapropriados. Apesar de ser uma das principais reivindicações de quem se opõe às publicações, os processos pelos quais essas desapropriações acontecem são definidos pelos documentos.
Com os planos publicados, uma outra possibilidade se abre para a gestão das Unidades: a concessão à iniciativa privada. O aproveitamento de um território que pertence a uma Unidade de Conservação pelo setor privado só pode ocorrer após a implementação dos planos de manejo. Aracidio Neto teme que a inclusão de serviços voltados ao lucro na gestão das Unidades possa afastar eventuais visitantes. “Claro que o turista pode pagar bilheteria, mas e a mãe que mora aqui no entorno e quer passar a tarde na lagoa?”. A superintendência da Floram afirmou não estudar nenhuma possível concessão à iniciativa privada no âmbito da gestão das Unidades de Conservação neste momento.
Até o fechamento desta reportagem apenas um dos dez planos de manejo havia sido publicado: o da Lagoa do Peri. O Ministério Público de Santa Catarina deu um prazo de 30 dias, que se esgota em 22 de agosto, para que a prefeitura publique o plano do Monumento Natural da Praia da Galheta. A área foi priorizada pelo entendimento que é um espaço mais vulnerável, tanto por questões ecológicas, como por interesses imobiliários. Os outros oito planos seguem sem nenhuma previsão de publicação.

A fiscalização é o absurdo dos absurdos
“A fiscalização é o absurdo dos absurdos”. Essa era a avaliação de Analúcia Hartmann, procuradora do Ministério Público Federal, em 2024. Na época, a Floram tinha apenas quatro fiscais para toda a cidade. Hoje, são oito, após a nomeação dos classificados em um concurso realizado no ano passado. O problema está longe de ser resolvido.
A Fundação foi fundada em 1995, quando a população de Florianópolis era de 277.156 pessoas. À época, foram atribuídas 40 vagas de fiscal ambiental, o que significaria, um a cada 6.928 habitantes, aproximadamente. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2024, a população de Florianópolis é de 576.361 pessoas. Atualmente, o quadro de fiscais da Floram conta com oito profissionais ou um a cada 72 mil habitantes, aproximadamente. A situação era pior até o início de 2025: o órgão ficou 6 anos sem nomear nenhum fiscal, e com apenas quatro profissionais durante esse período.
Os fiscais se sentem sobrecarregados. “A gente não tem condição nenhuma de atender todas as demandas. São muitos processos, muitas denúncias e muitos ofícios de outros órgãos. Não dá pra atender quase nada”, afirma Mabel Bueno, fiscal ambiental. Os baixos números da equipe de fiscalização se agravaram nos últimos anos. “A demanda de trabalho aumentou muito. Hoje, trabalhamos principalmente com denúncia, mas elas continuam aumentando e não é possível atender todas”, explica Fábio Wiggers, outro dos oito fiscais ambientais de nível superior na cidade.
Responsável pela identificação e autuação de crimes ambientais, o corpo de fiscais é requisitado pelo poder público para auxiliar em processos de crimes dessa natureza. Mabel e Fábio explicaram, em 2024, que, por serem apenas quatro, a atenção da equipe era voltada quase exclusivamente para esses processos e outras demandas, geralmente vindas do Ministério Público de Santa Catarina. “Denúncias de cidadãos, por exemplo, hoje, são atendidas de forma mínima”, explica Bueno. “A gente está sempre de sobreaviso. Às vezes me ligam fora do horário de trabalho dizendo que precisam de tal coisa e a gente acaba indo. Me sinto mal de ver as coisas acontecendo e não fazer nada”, conta Wiggers.
As consequências do cenário de esvaziamento no quadro de fiscais ambientais são muitas e afetam diferentes esferas de Florianópolis. “Uma grande parte dos nossos problemas vêm da falta de fiscalização. Há violações que acontecem, nós sabemos que estão acontecendo, mas eu não tenho como ir lá e autuar”, afirma Mariana Hannemann, diretora do Departamento de Unidades de Conservação da Floram. “O certo seria a gente ter a fiscalização ativa, isto é, o fiscal ambiental pegar e fazer uma ronda numa Unidade de Conservação e verificar se está acontecendo alguma irregularidade”, complementa. Apenas servidores concursados como fiscais podem realizar autuações.
Na questão do saneamento, Fábio Wiggers explica que muitos condomínios utilizam uma estação própria de tratamento de esgoto, mas não realizam corretamente os procedimentos de manutenção. “Ano passado, fizemos um contrato com um laboratório para uma rodada de testes com amostras do esgoto tratado por esses condomínios. 80% do que analisamos estava fora dos parâmetros. Isso significa que o que a gente achava que estava sendo tratado de forma adequada não está. Essa é uma poluição que a gente está deixando porque não tem fiscalização”, constata Fábio. “Quando não se tem fiscalização, a cidade cresce de forma irregular. Cresce de forma ruim”.
Até 2016, os profissionais de fiscalização precisavam apenas de nível Médio, sem a necessidade de formação superior em Biologia, Geografia ou áreas afins. Os profissionais eram apontados pela prefeitura, sem concurso, até que uma ação do Ministério Público proibiu essa dinâmica e obrigou o Executivo a realizar processo seletivo – com exigência de Ensino Superior – para o cargo. Antes da determinação do MPSC, profissionais concursados como calceteiros ou orientadores de estacionamentos ocupavam cargos na fiscalização ambiental. Um concurso foi feito em 2016 e seis candidatos foram efetivados após entrarem com processo na Justiça que obrigou as contratações.
“A gente já tentou de tudo. Já fizemos reunião na Câmara de Vereadores relatando a situação, já fizemos um projeto de reestruturação do setor assim que a gente entrou. Já tentamos muitas coisas, só que chegou num ponto onde estamos de mãos atadas mesmo”, desabafa Bueno. Recentemente, mais quatro fiscais foram contratados, todos pelo concurso de 2024, após ação judicial do Ministério Público que obrigou a prefeitura a efetuar o chamamento dos classificados. Mesmo com o concurso mais recente, a Floram tem apenas oito fiscais. A previsão legal é de quarenta.
Falta proteção ao meio ambiente, sobram problemas
“Quando o órgão ambiental passa por uma situação assim, a consequência é a mesma do que a gente ter um posto de saúde sem médico ou uma escola sem professor. A estrutura real de uma cidade vem da natureza”, analisa Paulo Horta, professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Paulo representa a universidade no Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Florianópolis. “O ar que nós respiramos, a qualidade dele, isso depende da natureza”.
Os impactos da falta de fiscalização também atingem a economia da cidade. “A Floram fragilizada faz mal para nossa saúde social, para nossa saúde pública – como, por exemplo, quando acontece uma epidemia de diarreia após contato com o mar poluído numa praia – e faz mal, claro, à nossa economia. A pesca artesanal, a maricultura e o turismo. Tudo isso depende de ambientes costeiros saudáveis”, avalia Horta.
O fiscal ambiental Fábio Wiggers lida diretamente com o saneamento irregular. Ele explica que dejetos descartados incorretamente acabam na rede pluvial e são levados aos rios sem passar por estações de tratamento. Os rios, naturalmente, desembocam no mar e as praias ficam impróprias. “Não tenho dúvida que há uma ligação direta entre o esgoto irregular e as praias impróprias”, avalia Wiggers.
As consequências também se conectam com problemas que vão além da esfera municipal. “Nós moramos numa cidade que fica numa ilha e tem uma área continental que é costeira. Com as mudanças climáticas, temos a previsão de elevação das marés e erosão marítima”, explica Juliana de Oliveira, servidora da Floram e bióloga. “Só precisamos ver o processo de erosão no bairro Morro das Pedras, que é muito grande e vai atingir vários imóveis”.
A fragilização do meio ambiente também está relacionada com problemas no crescimento sustentável na cidade. “Ninguém quer morar numa área de suscetibilidade ambiental, onde chove e a pessoa acorda no meio da noite com medo que a casa seja carregada pelas águas devido a um deslizamento”, explica o professor Samuel Steiner, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC. “O problema é que muitas vezes esse é o único espaço disponível, porque todos os outros, onde seriam possíveis construções mais seguras, já foram de alguma forma absorvidos. Cada metro quadrado, em Florianópolis, é disputado como se fosse o último”, conclui.
A fundação não tem previsão de novos concursos em 2025. O próximo certame deve ser em 2026, mas para atividades-meio, como, por exemplo, técnicos administrativos e de informática. Até lá, a defasagem do quadro funcional efetivo do órgão continuará em torno de 84%.