Dupla carreira: conheça histórias de universitários que conciliam os estudos e o esporte profissional
Estudantes enfrentam o desafio da rotina desgastante e da insegurança financeira na busca
pelo alto rendimento
Reportagem por Julia Dias, Vanessa Luppi e Robson Ribeiro
Uma pesquisa realizada em parceria pela Universidade de Brasília (UnB) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo expõe as evidências científicas que demonstram o impacto positivo do engajamento de atletas na dupla carreira acadêmica-esportiva. Segundo pesquisadores, há melhoras na saúde, sociabilidade, cognição, produtividade e bem-estar. Apesar disso, os autores afirmam que é comum encontrar atletas com dificuldades de conciliar a carreira junto aos estudos em função de diversos fatores. Entre eles estão aspectos econômicos, sociais e políticos tanto do contexto esportivo quanto de fora dele.

Um exemplo dessa realidade é Diana Rech, aluna do segundo semestre do curso de Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e atleta profissional de Kung Fu. À exceção das estatísticas, ela não nasceu nem com o sonho de ser atleta, tampouco o de entrar na universidade. Apenas tinha um gosto por esportes. Para ela, a vontade de se aproximar do esporte surgiu logo após decidir realizar a transição de gênero. “Pensei no Kung Fu para aprender atos de defesa ao me transicionar, assim, poderia ser quem eu era”.
O Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis de acordo com dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Diante desta realidade, os treinos entraram na vida de Diana como uma forma de tentar se blindar do preconceito e de eventuais ataques durante a transição, mas com o tempo, ela acabou ficando encantada pela modalidade esportiva. “A partir de uns nove meses de treino eu já estava me sentindo bem preparada, mas, eu me apaixonei, tanto pelo estilo, como pela arte marcial e pelo próprio Kung Fu”.
O ingresso na Universidade ocorreu por já estar inserida em um prática ligada ao esporte e também pelo incentivo familiar para a graduação no Ensino Superior. “Me atraiu bastante e me brilhou o olho a vontade de adentrar o curso de Educação Física”. Atualmente, além de atleta, Diana também é instrutora de Kung Fu em uma academia localizada no bairro Kobrasol, na cidade de São José, em Santa Catarina. Hoje, as aulas de Kung Fu são sua fonte de renda, pois não conta com patrocínios nem qualquer outro suporte financeiro.

O dia a dia da atleta é de uma rotina sobrecarregada, na qual se divide entre aulas como professora na academia e aulas como aluna na UFSC. “Não é só dar aula, não, a gente tem que planejar, pensar em temática, precisa ter muito bem estruturado esse planejamento de aula”. Além da falta de tempo, conciliar o Kung Fu, a faculdade e as despesas pessoais, sem suporte familiar é uma dificuldade apontada por Diana.
Assim como ela, Vinícius Vaz também vivencia a rotina de conciliar duas profissões. O aluno e atleta é fruto de um projeto social que incentiva jovens na prática do hóquei sobre grama, uma modalidade olímpica que se assemelha ao basquete e ao futebol. O jovem de 23 anos também é aluno da quinta fase da graduação de Educação Física da UFSC e instrutor físico de academia em Florianópolis.

Vinicius se profissionalizou com apenas 18 anos, quando entrou na seleção brasileira de hóquei sobre grama sub-18 após uma classificatória realizada em Florianópolis, em 2016. “Era basicamente uma brincadeira, até eu ser selecionado para a seleção e participar de um evento pan-americano no Rio de Janeiro”. Após se destacar como o atleta que mais pontuou na competição, a carreira tomou um rumo. Viajou para eventos sul-americanos na Bolívia e Argentina e, para classificatórias olímpicas.
Em 2021, conquistou o prêmio Brasil Olímpico que seleciona os melhores atletas de cada modalidade olímpica no cenário nacional de acordo com os desempenho no esporte. Sua ligação com a universidade veio logo depois. Ele conta que pelo hóquei não ser considerado um esporte profissional no Brasil, sentia a necessidade de buscar alguma formação acadêmica para uma segunda carreira. Inicialmente, entrou na universidade cursando Administração, mas pelo apego e conexão com o esporte, decidiu se transferir para Educação Física.
Vinícius é atleta do Hóquei Clube Desterro e da seleção brasileira, mas ainda não conta com um salário fixo. Mensalmente, recebe benefícios do governo de acordo com o desempenho e resultados obtidos. “O Clube Desterro sempre conta com resultados muito bons, por isso, continuo recebendo do governo, mas sem bons resultados, não haveria um pagamento. É um incentivo, mas não é um vínculo de trabalho”.
Vinícius explica que o hóquei é uma modalidade que demanda muito do condicionamento físico, pois treina para sempre atingir um alto rendimento. Assim, a rotina de treinos, estudos e trabalho acaba sendo “bem massacrante”, segundo ele. “É viver para ter aula, treinar e depois trabalhar”. Ele busca encaixar os treinos nas horas vagas entre as aulas da universidade e o trabalho na academia.
Outro fator que dificulta conciliar a universidade e a carreira são as competições. Ele destaca que já houve momentos em que precisou viajar por mais de 20 dias. Com isso, as faltas, provas e trabalhos acabam ficando em segundo plano. “Tem professor que entende e me ajuda, mas na maioria das vezes as faltas me prejudicam no final do semestre. Por mais que seja difícil, eu estou aqui, fazendo o que eu posso e seguirei fazendo até atingir meu sonho, viver exclusivamente do Hóquei e ser atleta olímpico”.

Outro aluno-atleta da UFSC é Matheus Gonçalves, tenista profissional. Ele começou na modalidade com o apoio do pai, que lhe presenteou com uma raquete aos 10 anos. “Joguei meu primeiro campeonatinho e ganhei, dali por diante fui tomando gosto”. Aos 13 anos, passou a focar 100% nos treinos, com a intenção de seguir na carreira. Hoje, aos 20, ele compete profissionalmente e está na metade da graduação do curso de Engenharia Elétrica na UFSC .
Assim como Diana e Vinícius, Matheus também descreve sua rotina como “esgotante”. “Minha rotina é bem puxada”. O atleta tem aula todos os dias e treina sete vezes na semana. “Tenho aula das 8h às 10h da manhã e das 13h às 15h da tarde. Eu monto minha grade com com essa finalidade. E geralmente sobra ali das 10h às 12h das 15 horas às 18h para eu treinar”.
Além do treinamento nas quadras, também faz exercícios de fortalecimento nos finais de semana. “Eu vou encaixando tudo onde der”. Ainda assim, mesmo com dias cheios de atividades e uma rotina cansativa, há a sensação de desafio vencido. “É um sentimento de missão cumprida. Dá para se orgulhar disso mesmo e isso me motiva bastante.”
Dentro da universidade, ele também lida com os desafios da presença, provas e estudos. Para dar conta de tudo, ele diz que a organização se torna um ponto crucial dentro da rotina de um atleta de alto rendimento. Há uma dedicação para encaixar viagens programadas, torneios e provas.
Além das dificuldades do dia a dia, outra barreira também distancia o sonho de viver exclusivamente do Tênis: o suporte financeiro. “Nas competições, geralmente gastamos o nosso próprio dinheiro”. O jovem conta com apoio de algumas marcas para as cordas que vão na raquete e vestuário, mas na maioria dos casos, só há retorno financeiro caso se classifique entre os três primeiros colocados em um campeonato.
Pensando no futuro, depois de se formar, ele pretende focar 100% no Tênis. “No esporte eu sou bom, mas eu queria ir melhor. Só que, para melhorar no Tênis, eu tenho que abrir mão da faculdade. Eu não consigo largar um pelo outro. Então, isso é o mais difícil. Tem que ter paciência que tudo vai dar certo”.
Basta acompanhar o dia a dia de um atleta profissional de alto rendimento, que se dedique exclusivamente a uma única modalidade, para concluir que a rotina é desgastante. Quando se mesclam os estudos e o esporte, o peso de seguir na carreira esportiva acaba ficando maior. Para Diana, Matheus e Vinicius, estar cursando o Ensino Superior possibilita uma garantia de futuro, aliado ao desafio de vivenciar duplas carreiras. “A gente tem que sempre querer mais, temos que sempre buscar mais, mas também tenho que saber me preservar e saber escolher muito bem as nossas batalhas”, finaliza Diana Rech.