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Cotidiano UFSC entrevista o repórter Geneton Moraes Neto

Texto: Luize Ribas (luizeribas@gmail.com)

Fotos: Felipe Freitas – Comunica! Empresa Júnior de Jornalismo

As experiências de correspondente fora do Brasil e os anos que morou em outros estados brasileiros, não fizeram o repórter Geneton Moraes Neto perder o sotaque pernambucano, que conserva como uma marca no jeito de falar, assim como são suas marcas as reportagens com apuração impecável e o texto, ou fala no caso dos documentários e matérias televisivas, envolvente.

Geneton veio para Florianópolis para participar da 13ª Semana do Jornalismo da UFSC  e, além de ministrar uma palestra em que falou sobre sua carreira e os desafios do jornalismo, apresentou o documentário “Garrafas ao mar: a víbora manda lembranças”, sobre a obra e as opiniões do jornalista Joel Silveira. O documentário foi o primeiro produzido pela Globo News e teve a direção de Geneton.

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Esse foi um dos temas que o Cotidiano UFSC abordou na entrevista. Também perguntamos sobre sua experiência na Rússia, que resultou no livro de reportagens Dossiê Moscou (Geração Editorial, 2004) e o motivo que o levou a fazer documentários.

Durante sua carreira você já fez entrevistas com diferentes personalidades – intelectuais, políticos, astronautas -, tem alguma que te marcou mais?

Bom, eu sempre me lembro, assim entre tantos personagens inesquecíveis, eu sempre lembro de Nelson Rodrigues, que era um cronista genial, é difícil encontrar alguém no Brasil que escreva tão bem quanto Nelson Rodrigues. Então eu o procurei em 78, tinha 22 anos na época e até estava de férias no Rio, mas procurei porque tinha curiosidade de conhecer Nelson Rodrigues e foi uma das entrevistas inesquecíveis, pelo que ele disse, pelas circunstâncias. Ele escrevia sobre futebol, né, e marcou essa entrevista numa cena meio surrealista assim, marcou a entrevista para a hora de um jogo da seleção brasileira na casa dele. Então achei que ele tinha se enganado, como é que ele ia marcar uma entrevista na hora do jogo da seleção, mas era isso mesmo (risos). Então fui lá e as coisas que eu vi de Nelson Rodrigues… É um daqueles personagens inesquecíveis. E ele escrevia do jeito que falava. Então quando transcrevi a entrevista e li o texto, parecia um texto escrito por Nelson Rodrigues. Houve outras, é claro. Eu conversando assim com um astronauta que pisou na Lua, por exemplo. Não é todo dia que tu tem essa chance. Então eu tive a chance de entrevistar quatro dos astronautas que pisaram na Lua. Os ex-presidentes aqui do Brasil, que eu fiz uma série com os quatro ex-presidentes, falta Lula  que ainda estou tentando. Mas de cara assim, eu lembro de Nelson Rodrigues.

Você conviveu durante 20 anos com o jornalista Joel Silveira, qual foi a sensação quando você lançou o documentário “Garrafas ao mar: a víbora manda lembranças”?

Quando eu lancei o documentário eu tive a sensação de estar pagando parcialmente uma dívida com Joel Silveira. Ele não gostava dessa história de ser chamado de maior repórter da história brasileira, mas era né, então esse título não é absurdo. E eu recolhi muito material com ele, porque eu me comportava diante de Joel como repórter e não apenas como amigo, e tinha esse cuidado de, de vez em quando, gravar entrevistas com ele, tanto em vídeo como em áudio. Na verdade estou devendo um livro sobre ele, a ideia era publicar em livro essas entrevistas, e como não tive tempo ainda e estou trabalhando em televisão, a gente terminou fazendo o documentário. Para mim, o que a gente fez hoje exibindo o documentário para estudantes, acho que já cumpre o papel, que é mostrar aos estudantes de jornalismo que existiu no Brasil um repórter que escrevia jornalismo literário de alta qualidade. Acho que só aí, despertar a curiosidade de alguém sobre Joel, só aí, já vale ter feito o documentário.

E como foi a parceria de fazer livros com o maior repórter brasileiro?

Primeiro fiquei surpreendido com o convite. Se não tivesse gravado ninguém teria 621954_661acreditado ao dizer que na primeira entrevista que fiz com ele, Joel perguntou: “Quer fazer um livro comigo?” Óbvio, quem não quer. Mesma coisa se chegar um jogador juvenil no Santos e Pelé perguntar “você quer jogar comigo?”. Claro, né. Então já tive essa surpresa no início e acho que a gente fazia uma boa dupla. Joel já não tinha disposição ou paciência de pegar e ir para rua. Nunca usou o gravador na vida, então Joel usava um patrimônio que não tinha preço, que era a memória. Então ele escrevia as memórias do que ele viveu na época de Getúlio Vargas, por exemplo, e eu pegava o gravador e ia atrás dos personagens. Foram dois livros (Hitler/Stalin: o pacto maldito e Nitroglicerina pura) e foi basicamente isso, eu fazia esse trabalho de apuração e Joel fazia a parte memorialista.

Você foi para a Rússia cobrir a primeira eleição para presidente após o fim da União Soviética. Qual foi sua sensação sobre aquele país em fase de mudança?

Eu fui ali porque tinha uma cena histórica acontecendo: um ex-líder soviético, Mikail Gorbachev, estava participando, pela primeira vez na história, de uma eleição direta. Foi engraçado, porque foi um fiasco a participação de Mikail Gorbachev, teve acho que 1% dos votos, mas era um grande acontecimento pelo peso simbólico de você ver o último líder soviético entrar na cabine de votação para votar. Então foi engraçado porque eu disse a editora da internacional, eu fiz essa viagem para O Globo , que todo mundo sabia que o Boris Yeltsin ia ganhar, mas a notícia não estava aí, até inclusive ele estava meio sumido da televisão porque estava doente, mas que a gente tinha que correr atrás do Gorbachev, porque essa era a cena. Então foi uma sensação que não acontece sempre, de você ver uma cena histórica. Eu até gostaria de ver outras, mas é raro você ver algo e pensar, meu Deus do céu, daqui 50 anos alguém vai lembrar dessa cena. E eu fiquei lá, cheguei horas antes da votação e fiquei na sessão eleitoral que ele votava, fiquei na cabine, na cara do gol assim, para ver a hora que ele ia entrar no local pra votar e foi aquele momento, assim, ele na cabine, eu cronometrei o tempo, naquele momento você cronometra tudo, anota tudo, quanto tempo ele passou na cabine, então você fica imaginando o que você vai escrever depois e foi alguma coisa dossie_moscouassim: A cena que demorou setenta anos para acontecer, não durou 42 segundos em Moscou. Foi o tempo que Mikail Gorbachev ficou dentro da cabine e tal. É emocionante para qualquer repórter ver uma cena dessas, e eu não sou nem fotógrafo, mas estava com a máquina fotográfica e quando ele saiu da cabine me ocorreu de fotografar, então tenho uma foto dele saindo da cabine. Depois ele falou lá com os repórteres lá fora. Eu fiz até um livro sobre isso, Dossiê Moscou, que eu acho até que é a melhor reportagem que eu já fiz, nem é a mais conhecida, com o livro e tudo, mas eu acho que é a que eu gosto mais, especialmente a descrição desse dia da votação. Eu gosto daquela reportagem, modéstia parte. Principalmente porque tive essa preocupação de pegar os detalhes, de ver a cena bonita do Gorbachev saindo sozinho assim depois que ele falou com os repórteres, ele ficou sozinho, os assessores de lado, ele cabisbaixo. Você fica imaginando o que ele estava pensando naquela hora. Aquilo foi realmente forte para a gente que estava trabalhando na cobertura.

E em relação aos russos? Como era seu contato com eles? Você escreveu , por exemplo, sobre a entrevista com a astronauta (Valentina Tereshkova) que foi a primeira mulher a ir para o espaço e que ao perguntar sobre a emoção dela e ela te respondeu somente “estava servindo meu país”.

É (risos), ela era meio generala assim, eu notei um pouco aquela coisa dura, né. É outro tipo de temperamento, ás vezes é engraçado, mas é um país fascinante por esse lado todo, mas é outro tipo de temperamento. Você fica achando que a astronauta vai dizer, ah fiquei emocionada quando vi a Terra, mas ela “Eu estava cumprindo uma missão lá no espaço”, aquela coisa bem patriota, era da linha-dura, deputada lá, eu me lembro que eu perguntei assim: “Qual era a coisa mais importante: o Neil Armstrong, astronauta americano, primeiro homem que pisou na Lua ou o russo Gagarin primeiro homem que foi ao espaço?” E ela nem titubeou: “claro que era o Gagarin, que quebrou uma barreira”. Difícil comparar, né. Mas foram dois casos que me chamaram a atenção sobre essa temperamento. Um foi o dela, que disse só estar cumprindo uma missão, mas no fundo deve ter achado e achou, ela falou “bonito até a vista lá de cima”, e o outro foi o filho do agente secreto que tinha participado da operação para matar Trotsky. Ele (Anatoli Sudoplatovi) descobriu que o pai tinha participado daquilo e ele era bem militar, e eu perguntei para ele, mais de uma vez, “e quando você descobriu que seu pai tinha participado, você não ficou chocado?” E ele mais ou menos com essas palavras, “mas como você é ingênuo, qual é o problema? Aquilo foi um assassinato político, mas tinha que ser feito para a revolução”. Então ficou aquela explicação bem engajada e na cabeça dele o pai cumpriu uma missão também e não tem essa história de ‘ahh matou o Trotsky’. Então foram esses dois casos que me chamaram a atenção, a astronauta e o filho do agente secreto.

O que te levou a fazer documentário?

Na verdade eu queria fazer cinema e no fundo, no fundo, o documentário hoje é uma maneira. E eu tento fazer um pouco de cinema com minhas reportagens na televisão. Eu sou uma figura meio E.T. na televisão, diferente assim, também não sou um repórter que tem paletó para aparecer, então sempre tentei captar de uma maneira diferenciada, fazer um trabalho de câmera, enquadramento diferenciado, como eu fazia cinema lá atrás, com super 8, amador. Depois quando entrei em televisão era uma maneira de eu fazer mini-documentários com as matérias. Então agora quando a Globo News abriu espaço para fazer documentários, fui  o primeiro a fazer com o documentário do Joel, para mim é uma maneira de estender aquilo que eu já fazia e hoje eu acho que a televisão pode ser a grande tela de documentários, porque ainda que seja na TV fechada,  o público da Globo News é mil vezes maior do que o público que veria se o filme fosse lançado no cinema. Então é até legal que passe no cinema, nada se compara a ver um filme na sala escura, mas estou satisfeito de passar o documentário na televisão, no computador, na internet, vai no YouTube também, já realiza e tira essa preocupação de ser lançado, quantas pessoas vão ver, eu era capaz de ir para a portaria contar quantos espectadores iria ter (risos). E o documentário, vamos ser razoáveis também, passaria em apenas algumas salas de cinema, então assim para mim está ótimo, se eu conseguir manter assim, e hoje existe espaço para isso na televisão em alguns canais. Estou satisfeito por estar realizando plenamente a vocação de fazer cinema.

Qual é a principal ferramenta do jornalismo?

A curiosidade. No fundo tudo que a gente faz no jornalismo é o resultado da curiosidade, tem alguma coisa meio infantil que a gente não pode perder. Como aquela carta do Gilberto Freire, que eu achei nos papéis do Joel na casa dele, que o Gilberto diz que chegou aos 80 anos vendo o mundo com os olhos arregalados de uma criança, então a gente pode transpor isso para o jornalismo. E sempre digo isso, parece frase de efeito e meio secundarista, mas é o que eu digo, jornalismo é você olhar o mundo como se tivesse vendo pela primeira vez. Não existe nada mais bonito do que o olhar espantado de uma criança, não existe. Você olhar assim, por exemplo, ela vendo espantada os fogos de artifício. Então é a gente não perder isso, esse espanto, não deixar se contaminar pelo tédio. Eu me desanimo também ás vezes, como todo mundo, mas no exercício da profissão acho que não pode ser um cara entendiado, um derrubador de matérias, não pode. O grande drama, a grande briga, é você manter esse olhar de criança o tempo todo.

 

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