UFSC se despede de Cao Cancellier
Reportagem: Maria Fernanda Salinet (mariafernandasalinet@gmail.com)
Em clima de grande revolta, consternação e muita disposição para a defesa da universidade pública, autônoma e gratuita, a sessão solene fúnebre do Conselho Universitário (CUn) da UFSC em homenagem ao reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, morto em 02 de outubro, adquiriu os mesmos contornos políticos de seu último gesto em vida.
Não faltaram críticas à espetacularização da Polícia Federal e Justiça Federal na condução das ações envolvendo as investigações sobre o desvio de verbas do programa de Ensino a Distância (EaD) Universidade Aberto do Brasil (UAB). A imprensa também foi alvo de duras críticas, principalmente por noticiar valores errados em relação ao que havia sido divulgado pela Operação Ouvidos Moucos. O valor investido no programa UAB desde 2006 foi de R$ 80 milhões, mas a PF apurou que apenas uma parcela desse montante foi desviada. A totalidade de desvios, porém, ainda não foi divulgada.
Estavam presentes à solenidade membros do Conselho Universitário, representantes do meio político e da educação, alunos, amigos e familiares de Cancellier. Ao lado da reitora em exercício, Alacoque Lorenzini, estava posicionada a cadeira do reitor, com a beca usada por ele nas cerimônias. Na mesa, havia cartazes colocados por seus alunos com as frases “uma dor assim pungente não há de ser inutilmente” e “professor Cancellier, teus alunos preservarão a tua universidade”. A cerimônia contou com a execução do hino nacional e do hino da universidade, além da música Blackbird, dos Beatles, que o reitor pediu para ser tocada em sua cerimônia de posse, em 2016.
Nos discursos, além das críticas à PF, ao Judiciário e à mídia, foi lembrada a trajetória profissional e política de Cancellier, principalmente sua militância contra a ditadura.
O ex-senador, Nelson Wedekin, amigo pessoal do reitor, falou em nome da família e lembrou a longa trajetória política de Cancellier, em especial na época da Assembléia Nacional Constituinte, em 1988. Wedekin ressaltou que Cancellier foi aluno da UFSC – graduação, mestrado e doutorado -, além de ter ocupado cargos na administração universitária. Aqui o discurso de Wedekin na íntegra.
O governador em exercício, Eduardo Pinho Moreira, presente na sessão do CUn, assumiu como posição do governo do estado a nota publicada pelo Procurador Geral, João dos Passos Martins Neto. Na nota, o Procurador diz que “é indispensável a apuração das responsabilidades civis, criminais e administrativas das autoridades policiais e judiciárias envolvidas”.
O presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal do Pará, professor Emmanuel Zagury Tourinho, salientou que é preciso reforçar a defesa da universidade pública. “A universidade pública é alvo de uma campanha muito profunda, audaciosa e perversa que pretende suprimir dos nossos cidadãos o direito, a oportunidade da educação superior. Não fosse essa campanha contra o Direito Constitucional, diga-se de passagem, se não fosse o Estado policial que se instaurou neste país, estaríamos aqui saudando o professor Cancellier e não no seu velório”. A Andifes publicou uma nota oficial ontem criticando a condução do processo pela PF e Justiça Federal.
O chefe de gabinete da reitoria e amigo de Cancellier, Áureo Mafra de Moraes, comentou sobre os distanciamento do reitor desde sua prisão. “Da reitora em exercício aos membros desta gestão, nenhum de nós pode falar com o reitor. Eu não pude dar um abraço no meu amigo de 30 anos, porque temíamos que as mesmas acusações sem fundamento, as mesmas acusações levianas e os falsos testemunhos levassem os nossos amigos e nossos colegas de novo à privação da liberdade, à humilhação e ao linchamento midiático.” Ainda afirmou que a morte de Cancellier foi o que ele, em essência, sempre praticou: um ato político.
Uma longa carreira na UFSC
O reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, faleceu na manhã desta segunda-feira, dia 2 de outubro. Aos 59 anos, o também professor, natural de Tubarão, Santa Catarina, foi preso temporariamente no dia 14 de setembro e afastado do cargo por obstrução de justiça na operação Ouvidos Moucos da Política Federal. Ingressou no curso de Direito da universidade em 1977, mas interrompeu a faculdade para trabalhar como jornalista no extinto jornal O Estado, de Florianópolis, e como assessor de parlamentares catarinenses em Brasília.
Cancellier participou ativamente do movimento estudantil durante a graduação, da campanha Diretas Já e do movimento Fora Collor. Já em 1996, retornou à UFSC para concluir a graduação e seguir carreira acadêmica com o mestrado e doutorado. Retornou mais tarde como professor do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ), onde lecionava disciplinas como Direito Administrativo e Direito Tributário.
Em 2015, Cancellier foi eleito reitor da universidade. Na campanha A UFSC Pode Mais, apontou a descentralização da gestão e a valorização e participação de todos os centros e unidades da universidade nas tomadas de decisão, como prioridade.
O corpo foi encontrado no Shopping Beira-Mar por volta das 10h30 da manhã da última segunda-feira. A Polícia Militar e o delegado responsável pela Delegacia de Homicídios da Capital, Ênio Matos, confirmaram o suicídio. À tarde, o velório teve início pouco depois das 17h, no hall da reitoria da UFSC, no bairro Trindade, em Florianópolis. Uma sessão solene do Conselho Universitário aconteceu às 11h desta terça-feira (3), no auditório Garapuvu, do Centro de Cultura e Eventos. Às 16h, o corpo do reitor foi enterrado no cemitério Jardim da Paz, em Florianópolis.
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