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Reportagens

A institucionalização do Movimento Escola Sem Partido

Três municípios de Santa Catarina aprovaram projetos de lei que instituem a Escola Sem Partido. Dois deles continuam em vigor, embora as propostas já tenham sido declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Na Assembleia, a deputada Ana Campagnolo (PL) propôs a “Semana Escolar de Combate à Violência Institucional Contra a Criança e o Adolescente”. O PL foi sancionado pelo governador Jorginho Mello (PL) em fevereiro de 2023, mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) declarou a lei como inconstitucional em março de 2025. No entendimento dos desembargadores, a lei viola a competência do Governo Federal de legislar sobre a educação. A decisão ocorreu após acionamento judicial por parte do PSOL.

Leis Escola Sem Partido aprovadas em SC

As tentativas de institucionalizar o Movimento Escola Sem Partido começaram com Flávio Bolsonaro (PL), parlamentar que apresentou pela primeira vez o movimento em 2014, com o Projeto de Lei 2974/14, durante seu mandato como deputado estadual no Rio de Janeiro. Em seguida, o vereador Carlos Bolsonaro (PL), levou o movimento à Câmara Municipal do Rio de Janeiro também em 2014, com o Projeto de Lei 867/14.

Projetos semelhantes também tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Numa busca no site das instituições, a reportagem encontrou 40 projetos de lei que tratam do Escola Sem Partido tramitando em maio de 2025.

Movimento Escola Sem Partido nas diferentes esferas de poder

O Movimento Escola sem Mordaça, que combate a censura sobre as instituições de ensino, analisou o crescimento de iniciativas de censura à educação nos estados e municípios brasileiros, de 2011 a 2019. A iniciativa não olha apenas para o Escola Sem Partido, mas também para a proibição de abordagem de determinados temas. Entre os projetos de lei municipais, estaduais e distritais, São Paulo (38) ficou com o maior número de propostas apresentadas, seguido do Paraná (27) e Rio Grande do Sul (17). Santa Catarina (12) está em sexto lugar. No período analisado, a região sudeste foi a que mais apresentou projetos de censura aos docentes (75), seguida da região sul (56) e nordeste (55).

Projetos de lei municipais, estaduais e distritais de censura à educação por estado, entre 2011 e 2019

Fonte: Relatório feito pelo Movimento Escola Sem Mordaça (2020)

Novas faces do movimento

Embora o idealizador do MESP tenha anunciado o fim da atuação na iniciativa e o fim das atividades de todas as páginas sob sua responsabilidade em 2020, PL’s inconstitucionais que perseguem professores com a justificativa de combater a doutrinação ideológica continuam sendo apresentados e aprovados pelas câmaras legislativas brasileiras. É o caso das leis que proíbem o uso da linguagem neutra nas escolas ou das que restringem a reprodução de determinados tipos de músicas no ambiente educacional.

Rodrigo Timm considera que a aprovação dessas leis é utilizada como propaganda política por parlamentares que atuam em rede. De acordo com o advogado, “o pânico moral incitado por essas leis, que tem como justificativa o combate à “doutrinação ideológica”, é utilizado como capital político pelos parlamentares”. Um indício da atuação em rede é a semelhança entre os projetos aprovados, que mostra o compartilhamento de propostas de lei entre políticos com interesses afins. “É um copia e cola. Os projetos são todos iguais e mostram uma atuação articulada e em rede dos políticos que defendem os mesmos ideais”, analisa o advogado.

Art. 1º da lei nº 7.510 de Chapecó (declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina)
Art. 1º da lei nº 7942 de Criciúma (declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina)
Art. 1º da lei nº 5.436 de Joaçaba (declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina)

Em Santa Catarina, há, pelo menos, 25 projetos de lei que proíbem o uso da linguagem neutra em escolas municipais. Destas, 13 estão em vigor, enquanto 12 foram declaradas inconstitucionais. Em 2021, o então governador Carlos Moisés (PL) aprovou, a pedido da deputada Ana Campagnolo (PL), o Decreto nº 1.329 que proíbe o uso de linguagem neutra nas instituições de ensino, mas a norma foi declarada inconstitucional pelo STF em maio de 2025. A decisão atendeu a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo PT em julho de 2021.

Leis aprovadas em SC que proíbem o uso de linguagem neutra nas escolas

Em 2024, a Alesc aprovou a lei estadual nº 19.233, que proíbe a reprodução de músicas que façam alusão ao sexo e ao crime nos ambientes escolares, proposta pelo deputado Jessé Lopes (PL). Para o advogado Rodrigo Timm, esse tipo de lei fere a liberdade de cátedra e promove uma educação parcial. “É papel da escola fazer a mediação crítica, debater e conscientizar. A escola não pode negligenciar a realidade. O que adianta proibir que os alunos ouçam essas músicas na escola se eles podem ouvir nos seus celulares ou em casa?”.

Em todo Estado, foram aprovadas pelo menos dez leis que proíbem a reprodução de músicas que façam apologia ao crime ou possuam teor erótico e sexual. Destas, nove continuam em vigor, enquanto uma foi declarada inconstitucional.

Leis aprovadas em SC que proíbem a reprodução nas escolas de determinados tipos de música
Quando a violência é praticada pela comunidade escolar

A Escola de Educação Básica de Muquém, no Rio Vermelho, em Florianópolis, tem registrado casos graves de violência contra educadores. O local é a base eleitoral do vereador Bericó (PL). Com o bairro Rio Vermelho, o vereador conseguiu 2649 dos 5476 que o reelegeram em 2024, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em fevereiro de 2023, a orientadora educacional Juliana Andozio foi vítima de uma Sindicância Acusatória, suspensa e afastada, após permitir que uma aluna trans usasse o banheiro unissex da escola. De acordo com a educadora, seis famílias queriam saber “qual banheiro a aluna trans usava” e “queriam proibir as discussões sobre gênero, orientação sexual, diversidade, questão da mulher, da democracia e do grêmio estudantil na escola”.

Juliana sofreu ataques após as “denúncias” feitas pelo vereador Bericó (PL) nas redes sociais. Seu carro foi alvo de ovos, pedras e limões. “Jogavam coisas na escola, jogaram fogos de artifício em mim, jogaram lixo na minha casa. Eu tive que ir morar três meses na casa da minha mãe porque passavam motoqueiros na frente da minha casa me xingando de coisas horrorosas”, desabafa.

O caso chegou à tribuna da Alesc quando o deputado Sargento Lima (PL) ameaçou a educadora. “Fosse minha neta, uma das minhas enteadas, meu filho, uma dessa, um suplente estaria assumindo a minha vaga aqui porque eu estaria na cadeia. Simplesmente isso”, disse o parlamentar na sessão de 15 de março de 2023. O processo que acusava Juliana de “doutrinação político/partidária” foi anulado em janeiro de 2024.

Na mesma escola, em junho de 2025, Manoel Abílio Pacífico, pai de um aluno e apoiador do vereador Bericó, agrediu fisicamente o professor de artes Andrei Dornellesr, que se identifica como homossexual. O agressor, em entrevista ao ND+ disse que o professor tinha assediado seu filho. O educador nega as acusações e afirma que está sendo vítima de perseguição. De acordo com a Polícia Militar de Santa Catarina, Manoel tem passagens por ameaça, dano, perseguição e difamação.

Na sessão da Câmara de Vereadores de agosto de 2023, Bericó falou que Manoel “é um amigo que cresceu comigo no Muquém” e que o contato dele está salvo no seu celular como “Maneca Irmão”. Para Fernando Penna, o caso que aconteceu em junho de 2025 na EEB de Muquém exemplifica como a violência tem alcançado um novo estágio, ao ser praticada pelas próprias comunidades escolares.

“A gente está percebendo que as figuras políticas têm um papel fundamental para perpetrar essas violências, mas o fenômeno, infelizmente, já chegou na base. As próprias pessoas de dentro das comunidades escolares estão perseguindo professores. O vereador não precisa mais estar pessoalmente naquela escola, porque quem adere aos ideais que ele divulga, continua com essas práticas. E isso pode causar grandes danos, como está acontecendo na Escola Muquém”, analisa Fernando Penna, coordenador do Observatório Nacional de Violência Contra Educadores .

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Reportagem produzida como trabalho final da disciplina de Linguagem e Texto Jornalístico IV, no primeiro semestre de 2025, sob orientação da Professora Dra. Maria Terezinha da Silva

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