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Reportagens

O histórico da perseguição contra educadores nos últimos anos

Reportagem por Camila Borges

2014 pode ser compreendido como um divisor de águas na perseguição aos educadores. Neste ano, o Movimento Escola sem Partido (MESP), criado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib, foi apresentado pela primeira vez como projeto de lei na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Também em 2014, sob influência do MESP, foi excluída a palavra “gênero” da nova versão do Plano Nacional de Ensino (PNE), documento responsável por estabelecer os objetivos e metas da educação brasileira em todos os níveis.

Para a historiadora Marlene de Fáveri, nesse período estavam sendo gestadas as bases para a ascensão da extrema direita no Brasil, com as Jornadas de Junho de 2013 que resultaram no impeachment da então presidenta Dilma e, posteriormente, na eleição de Bolsonaro em 2018. “Eu considero esse momento fundamental, porque é quando a extrema direita estava planejando tomar o poder. E nesse planejamento eles incluíram formas totalitárias nazifascistas de cooptação de mentes”, explica a historiadora.

A expressão “ideologia de gênero” foi criada pela ala Pró-Vida e Pró-Família da Igreja Católica e usada de maneira oficial pela primeira vez em 1998, na Conferência Episcopal do Peru, intitulada “Ideologia de gênero: seus perigos e alcances”. Para Marlene, “a narrativa criada pela Igreja Católica fez com que as mulheres e a população LGBTQIAP+ fossem ainda mais perseguidas. Desde então o gênero passou a ser visto como uma categoria demoníaca”, explica a historiadora.

De acordo com a pesquisadora em gênero e educação sexual Jimena Furlani, na cruzada anti-gênero “a ignorância tem sido usada como estratégia”. A pesquisadora explica que debater gênero nas escolas é essencial para combater violências. “Dados indicam que quase 90% dos abusos sexuais infantis acontecem nas famílias. Então, dentro de uma moral completamente hipócrita, essas igrejas e essas religiões continuam falando do conceito de gênero como se ele fosse uma abominação, quando na verdade debater gênero e questões sexuais na escola é essencial para identificar e combater as mais variadas violências”, pondera Jimena.

Cartilha distribuída pela Arquidiocese de Florianópolis na missa de domingo de 27/09/2015. O material foi veiculado durante as discussões sobre a retirada do termo “gênero” dos Planos de Educação Estaduais e Municipais

Políticos cristãos têm se apropriado da cruzada anti-gênero e defendido concepções de que o professor é um inimigo responsável pela “doutrinação ideológica”.

Carol Puerto, professora de Filosofia explica que a “doutrinação ideológica” é uma falácia que contradiz as próprias pautas defendidas pela extrema-direita. “Fala-se em diminuir a maioridade penal porque os jovens possuem consciência dos seus atos. Fala-se que se uma menina engravidar com 12 anos ela não pode abortar porque tinha consciência do que estava fazendo. Mas esse mesmo adolescente, com tanta autonomia e criticidade, é uma tábula rasa facilmente doutrinada em uma aula de 45 minutos. Isso não existe. O professor pode despertar a consciência crítica, mas não doutrina ninguém. A narrativa da “doutrinação ideológica” menospreza os alunos como agentes pensantes”.

Carol foi vítima de um PAD aberto em julho de 2024 após dar uma aula sobre como identificar fake news na EEB Simão José Hess, em Florianópolis. O processo foi arquivado em abril de 2025.

Os ataques aos educadores têm como objetivo “acabar com o sistema educacional”, analisa Maria Elisa Máximo, que atuou como professora de Antropologia no Ielusc de Joinville e foi demitida após fazer um post no Twitter (atual X), criticando o presidente Bolsonaro em novembro de 2022. Para a antropóloga, por trás das violências contra os educadores está o interesse neoliberal. “A Inteligência Artificial, com as big techs, querem substituir o professor e a escola. O modelo neoliberal está interessado em vender cursos e programas de coachings. Nas redes sociais é apresentada uma narrativa de que não é preciso estudar porque é possível enriquecer sendo empreendedor de si produzindo conteúdo para o TikTok”.

A antropóloga Letícia Cesarino analisa que a extrema-direita vê a educação de forma privatista. Ela explica que muitas famílias querem que a escola seja “um puxadinho da própria casa, querendo que o filho seja criado da forma que eu criaria”. Assim, “a escola que deveria ser um lugar acolhedor e plural, que une todas as pessoas, acaba se tornando um ambiente hostil e persecutório devido a um pensamento que segue a lógica privatista”.

Nesse contexto, os educadores que questionam a ordem estabelecida são alvo de ataques, de acordo com Carolina Puerto. “Nenhum de nós, quando vai ao médico, advogado ou dentista, questiona o trabalho desses profissionais. Mas o professor é constantemente posto à prova. Isso acontece porque o professor é o último bastião de resistência. Essa visão de que o professor é um inimigo já vem sendo apresentada há muito tempo. Só que com a vanguarda desses governos conservadores, a perseguição está sendo colocada como política pública”, denuncia.

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Reportagem produzida como trabalho final da disciplina de Linguagem e Texto Jornalístico IV, no primeiro semestre de 2025, sob orientação da Professora Dra. Maria Terezinha da Silva.

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