Vida social e convivência familiar são chaves para prevenir casos de demência em idosos
Relatório do MS estima que, até 2050, quase seis milhões de brasileiros enfrentarão o problema
Reportagem por Ariéll Cristóvão

O Relatório Nacional sobre Demência, divulgado pelo Ministério da Saúde (MS) em setembro de 2024, mostra que cerca de 8,5% da população com 60 anos ou mais convivem com demência, representando 2,71 milhões de casos no Brasil. A projeção é que, até 2050, esse número chegue a 5,6 milhões. De acordo com o relatório, 45% dos casos poderiam ser retardados ou prevenidos por meio de simples atos, como organizar passeios em família.
“A maior alegria da minha vida, é poder ver que a família que construí junto da minha esposa sempre nos visita, eles são muito unidos. As visitas deles ajudam muito com a nossa saúde, é uma terapia para nós”, relata Nelson Pauli, 90, aposentado e casado há 69 anos com Maria Koch Pauli, 92, também aposentada. Juntos, eles formaram uma família de: 14 filhos (13 vivos), 21 netos e oito bisnetos. O casal é morador do bairro Rachadel, na cidade de Antônio Carlos, desde antes de sua emancipação de Biguaçu, em 1963, no interior da Grande Florianópolis (SC). A dupla se mantém ativa nos afazeres do dia a dia com o apoio da família e dos amigos.
A neta Leticia Pauli, 18, estudante de Enfermagem, mora ao lado dos avós, os visita diariamente e participa de suas rotinas. “Só de pensar que posso vir aqui todo dia, pedir para a vó o que preciso para a cozinha de casa ou ajudar o vô com as galinhas, é muito especial. Esses momentos mostram o quanto a família contribui para a saúde tanto mental quanto física deles”, conta.
Além do apoio e da atenção, Leticia também enxerga a relevância de sua formação acadêmica e profissional nos cuidados diários com os avós. “Eu vejo que eles dependem da gente para cuidar da saúde. Perguntar se está tudo bem, observar se algo mudou, isso é essencial. Mas, acima de tudo, é o carinho que faz a diferença. A própria medicina comprova que a felicidade ajuda a atrasar ou a não desenvolver doenças”, explica.
Para Melissa Locks, professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista em saúde de idosos e vice-presidente da Associação Brasileira de Alzheimer de Santa Catarina (ABRAz-SC), o papel da família é vital para um envelhecimento saudável. “Manter-se socialmente ativo, reduzir o sedentarismo exercitando o corpo e participar de eventos familiares são fatores que ajudam a se prevenir contra doenças como o Alzheimer”, afirma.

Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), nos primeiros cinco meses de 2023, o Disque 100 registrou 19.987 casos de abandono de idosos. Melissa ressalta como a presença constante da família ajuda a desconstruir preconceitos sobre o envelhecimento. “Por muito tempo, idosos que adoeciam eram tratados como fardos. Felizmente, estamos vendo uma mudança nessa percepção. Hoje, compreendemos que eles devem estar no centro das relações familiares, recebendo amor e participando ativamente da sociedade onde vivem”, diz.
A professora Liliam Ghizoni, do Departamento de Psicologia da UFSC, compartilha uma vivência pessoal: cuidar de sua mãe diagnosticada com Alzheimer. “O carinho e o respeito ajudam minha mãe a sentir que ainda é amada e valorizada, mesmo diante do declínio cognitivo. A memória afetiva persiste, mesmo que outras memórias se percam”, explica. Liliam destaca que o cuidado familiar vai além do suporte prático. “Cada gesto, cada sorriso, tem um impacto. Cuidar é um ato de amor que reforça a dignidade do idoso e traz conforto em meio aos desafios”, complementa.
“Hoje em dia, as crianças estão sempre com o celular. No nosso tempo, a gente conversava mais, estava sempre junto”, reflete o Sr. Nelson. Para ele e Dona Maria, a modernidade trouxe desafios para manter as relações calorosas que, há alguns anos, era algo tão simples e comum de se vivenciar. No entanto, as visitas constantes dos filhos, netos e bisnetos mantém o lar cheio de alegria. “Cada visita é uma festa. É lindo ver as crianças correrem ao redor da mesa do café, faz a gente se sentir jovem de novo”, diz Dona Maria sorridente.
Homenagem:
Este trabalho é uma homenagem à memória de minha avó, Jordelina Isabel Cristóvão, a Dona Jorda, como era conhecida pela família e amigos, que partiu aos 91 anos, em 2021, deixando um vazio impossível de se preencher.
