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Reportagens

Sociedade Novo Horizonte: A Resistência Negra no Coração de Florianópolis

Fundada em 1985, a Sociedade Recreativa Esportiva e Cultural Novo Horizonte se mantém como um espaço de resistência e celebração da cultura negra na capital mais branca do país

Reportagem e fotos por Isadora Dymow

Quem sai da região Norte e Leste de Florianópolis para ir ao centro da cidade, deve estar  habituado com as belas paisagens do início da Beira-Mar. Entre os bairros Agronômica e Centro, uma construção de cor bege se entremeia aos prédios públicos, em uma das paredes se vêem os bustos de Cruz e Sousa e Antonieta de Barros pintados.

Mais de perto, é possível ver o letreiro “Sociedade Recreativa Esportiva e Cultural Novo Horizonte”. Um espaço desconhecido por alguns e admirado por muitos,  o Novo Horizonte é local de resistência da cultura negra em Florianópolis.

A Sociedade é uma fundação sem fins lucrativos, historicamente criada para proporcionar lazer e cultura à população negra de Florianópolis. Resultado da união entre conhecidos negros que eram excluídos dos espaços por causa da cor de suas peles, o Novo Horizonte surgiu como uma manifestação de uma identidade que tentava ser apagada da cidade na década de XX, quando o local foi fundado.

Hoje, sabendo dos desafios que a população negra ainda enfrenta em Florianópolis, a Sociedade busca fomentar a cultura popular e promover atividades que estimulem o bem-estar das comunidades da região.

Cláudio Roberto Rosa, filho de dois dos fundadores e atual presidente da sociedade, cedeu uma entrevista ao Cotidiano UFSC, acompanhada de uma visita guiada ao espaço. Em seus depoimentos, Cláudio destacou o trabalho voluntário dos que compõem a gestão do espaço: “nenhum membro da diretoria recebe por estar aqui, é tudo na “garra”, por amor à causa.” Assim, nos contou a história do espaço e das pessoas, mostrando que elas estão interligadas entre si, e também ao espaço.

A História 

A fundação da sociedade partiu não somente de uma motivação, mas de uma necessidade da população negra de ter acesso ao lazer em Florianópolis. Frequentemente, pessoas negras eram impedidas de acessar clubes de dança na cidade. Por volta de 1980, conhecidos, em sua maioria negros que trabalhavam em órgãos públicos, se reuniam em repartições públicas para confraternizar sem preocupações.

Cláudio conta que em 1985, dois casos de racismo evidenciaram a segregação social da cidade: “Meu tio Eliel foi em um clube acompanhado de amigos brancos, mas somente ele foi barrado na entrada. O outro episódio ocorreu com meu outro tio, Eduardo, bancário, que também era negro, e que foi agredido pela polícia civil em Jurerê por estar carregando dinheiro.”

Nos bate-papos que faziam em locais públicos, e entre uma colherada e outra das canjas servidas aos sábados na rodoviária de Florianópolis, esses colegas decidiram que seria hora de fundar um local seguro para essa parcela da população se divertir, e se sentir pertencente. Assim, em 16 de agosto de 1985, foi fundada a sociedade, e Eliete Maria Rosa, mãe de Cláudio, foi uma das fundadoras.

Ainda sem lugar próprio, a sociedade alugava locais para sediar encontros. “O primeiro local que a sociedade alugou fica ali no bairro Prainha, onde eles passaram a organizar grandes bailes, com a maioria das pessoas sendo negras”, conta Cláudio. 

Com o tempo, o grupo  começou a promover também festas de debutantes. Segundo Cláudio, os lugares que promoviam eventos como esse na época, eram acessíveis somente para as camadas mais ricas de Florianópolis, compostas, em sua maioria, por pessoas brancas. “Na época, não tinha baile de debutante para meninas negras. A Sociedade passou então a organizar essas festas.”

Em 1987, a Sociedade ganhou um terreno no bairro Estreito, onde foi iniciada a construção da sua sede. A obra acabou sendo  embargada sob alegação de que bloquearia parte do trajeto que ligava o bairro à  ponte Colombo Salles. Cláudio conta, entretanto, que alguns moradores da região na época eram contra a construção, pois afirmavam que “ali seria um centro de macumba, um lugar de algazarra.”

Foi então que em 13 de maio de 1988, no centenário da abolição da escravatura no Brasil, a prefeitura de Florianópolis cedeu um terreno para a Sociedade, na avenida Beira-Mar. Ali, foi construído um galpão simples, inaugurado no início dos anos 2000, sendo esta a primeira sede oficial do Novo Horizonte. 

Impressão de imagem da fachada da antiga sede do Novo Horizonte

Em 2009, iniciou-se a construção do Ministério Público Federal, e o consultor da obra solicitou à sociedade parte do terreno. Os dirigentes aceitaram o pedido, propondo em troca a construção da sede da Sociedade. Assim, em 2010 foi inaugurada a nova sede da Sociedade Recreativa Esportiva e Cultural Novo Horizonte. 

O Local

A sede do Novo Horizonte comporta não somente uma série de eventos e atividades, mas também a sua própria história. No hall de entrada, uma parede à direita mostra todos que já foram presidentes da entidade. 

Na foto, Cláudio aponta para seu Pai. À esquerda do antigo presidente, está a foto da mãe de Cláudio, que também foi presidente da associação

O chão de madeira do salão principal é o mesmo desde a época em que a sede era somente um galpão. O espaço utilizado para dança e baile conta também parte da história do Novo Horizonte.

Salão principal do Novo Horizonte

Subindo as escadas do lado direito do salão principal, uma sala no fim do corredor guarda verdadeiros tesouros sobre a história do Novo Horizonte. Ali, fotos impressas encobrem as quatro paredes do cômodo e guardam a memória de muitas gerações que passaram pela Sociedade. 

O clube conta com uma sala de informática e uma biblioteca, mas ambos já viram tempos melhores. A sala com cinco computadores hoje tem problemas de infraestrutura no piso. Tanto ela quanto a biblioteca já foram utilizadas para projetos universitários, mas hoje não estão ligadas a nenhuma iniciativa. “A criação de mais projetos que envolvam a nossa biblioteca é um sonho. O que nos impede de torná-lo realidade é a falta de recursos financeiros”.

Biblioteca da Sociedade
A biblioteca possui seções que valorizam a história de Santa Catarina e do Brasil
Sala de informática, atualmente em desuso. A sociedade deseja retornar com os projetos assim que tiver a oportunidade.

Apesar das dificuldades financeiras, o clube disponibiliza uma série de atividades para a comunidade em geral. Durante a semana, há um grupo de convivência da terceira idade, aulas de samba de gafieira e aulas de percussão para crianças e adolescentes. Aos finais de semana, ocorrem aulas de defesa pessoal para mulheres. Todas as atividades da Sociedade são gratuitas.

Além disso, o Novo Horizonte promove e sedia eventos, sendo esta última uma maneira de levantar fundos para reparos e manutenção do espaço. São realizados bailes, rodas de samba, serestas, festas de quinze anos, eventos políticos e culturais. “A gente também tem dois salões menores, que alugamos para eventos para menos pessoas”. Os salões possuem churrasqueiras e uma linda vista para a beira-mar.

“A gente abriu a sociedade não só para dançar. Nós trabalhamos com projetos culturais.” A frase, dita pelo presidente Cláudio Roberto Rosa, tem a intenção de marcar o compromisso da Sociedade com a ancestralidade e a valorização da resistência negra em Florianópolis, capital mais branca do país, localizada no Estado também mais branco do país, segundo o IBGE,  com marcas de racismo e violência contra a população negra.

Uma obra do artista Bruno Barbi decora a entrada do Novo Horizonte

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