Mulheres são as que mais sofrem com acúmulo de tarefas e sobrecarga durante pandemia

Com a crise do coronavírus, isolamento social escancara desigualdade de gênero no Brasil

Reportagem de Raisa Gosch

No Brasil, 54,5% das mulheres com 15 anos ou mais integraram a força de trabalho no país em 2019. Cerca de um terço das mulheres (29,6%) estava ocupada em tempo parcial (até 30 horas semanais), quase o dobro do verificado para os homens (15,6%). Os dados são da última edição do  estudo de  Estatísticas de Gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil, que analisa as condições de vida das mulheres no país, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mesmo representando mais da metade da força de trabalho do país, as mulheres receberam pouco mais de três quartos (77,7%) do rendimento dos homens. A desigualdade ficou ainda maior em relação à ocupação de cargos de direção, gerência e profissionais das ciências e intelectuais. Nesses grupos, as mulheres receberam, respectivamente, 61,9% e 63,6% do rendimento dos homens. Abaixo o infográfico com os dados presentes no estudo.

Em 2020, com a pandemia da covid-19 e o isolamento social,  a sobrecarga de trabalho entre as mulheres aumentou.  Quem já fazia jornada dupla, passou a fazer tripla, como explica Ana Claudia Rodrigues, de 48 anos, que é professora, pesquisadora, mãe e chefe do departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Catarina.

"Parece que eu tenho que estar disponível 24 horas por dia"
Ana Claudia Rodrigues

A maioria das mulheres faz muito além das jornadas de trabalho, porque precisam dar conta dos filhos, do trabalho doméstico, das refeições, muitas vezes sozinhas. Em 2019, o levantamento de Estatísticas de Gênero, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, (IBGE) constatou que as mulheres dedicaram  quase o dobro de tempo que os homens (21,4 horas semanais contra 11 horas) aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos. 

Além de dificultar a inserção no mercado de trabalho, os afazeres domésticos trazem limitações mesmo para as mulheres que conseguem se inserir no mercado de trabalho, a professora Ana Claudia Rodrigues sabendo disso, sente-se privilegiada.

“Eu não faço tudo isso sozinha, eu tenho um companheiro, então fazemos tudo juntos, mas essa não é a realidade da maioria das mulheres, tem as que fazem tudo sozinhas, são chefes de família, cuidam dos afazeres domésticos, dos filhos, do trabalho, que tiveram até de se reinventar, para sobreviver em meio a tudo isso”
Ana Claudia Rodrigues

Ana Claudia, ainda acrescenta que nós temos um grupo heterogêneo de mulheres em diferentes classes sociais, mas acredita  que em cada uma delas, durante a  pandemia, teve  prejuízos em níveis diferentes,  umas maiores outras menores, principalmente aquelas que são chefes de família, que não podem mais contar com o apoio econômico do Estado, são as que mais sentiram os efeitos da pandemia até agora.

 Essas diferenças entre as mulheres já foram  identificadas, no ano de 2019 em que  no recorte por cor ou raça, as mulheres pretas ou pardas eram as que mais exerciam o trabalho parcial, que representava 32,7% do total, contra 26% das mulheres brancas, segundo o levantamento de Estatísticas de Gênero, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, (IBGE).

Saúde mental

A pandemia afetou a saúde física  e mental de todos, mas as mulheres sentiram mais devido à sobrecarga de trabalho e às multi tarefas desempenhadas em casa. Cuidar da saúde física e mental fica ainda mais difícil na pandemia, em que historicamente a sociedade é muito pensada a favor do homem, mais especificamente do homem branco. Então as responsabilidades ainda são maiores para as mulheres. 

A psicóloga, Sara Bueno que trabalha na Clínica e Escola de Psicoterapia, em Florianópolis coloca que existe uma pressão muito internalizada que é introjetada  na mulher, a de  que precisa assumir a função do cuidado da casa e dos filhos,  se o homem está trabalhando o dia todo, a mulher teve que largar o emprego por conta da pandemia para cuidar dos filhos, quando esse homem chega em casa é bem possível que ele não se sinta na obrigação de participar das atividades de casa, pelo fato de estar saindo para trabalhar. 

Ela ainda coloca que é necessário pensar de que perfil de mulheres estamos falando, porque as necessidades e demandas são diferentes. “Há muitas intersecções e não tem como encaixar a mulher em uma única categoria, temos a da mulher branca classe média ou de uma mulher preta, pobre, mulher trans, mulher lésbica, mulher com deficiência, cada grupo lida com os problemas da pandemia de diferentes maneiras”.  Além disso, relata que houve um aumento significativo no atendimento de mulheres com estresse e ansiedade, na clínica onde atende, em Florianópolis. 

Os problemas de saúde mental estão associados entre outros fatores a três pilares: tempo, espaço, condições econômicas e sociais. Sara ainda ressalta que “se a gente for pensar nos cuidados que nos passam a respeito da pandemia: ficar em casa, lavar sempre as mãos, usar álcool em gel, se alimentar bem para ter o corpo saudável etc. Esses cuidados estão falando de um tipo muito específico de sujeito, que não é o caso de muitas mulheres pretas e pobres, por exemplo”.

Segundo pesquisa feita pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), no ano de 2020, os casos de depressão quase dobraram e os de ansiedade e estresse tiveram um aumento de 80% durante a pandemia. A pesquisa foi realizada  através de um questionário online durante os dias 20 de março e 20 de abril, com a participação de 1.460 pessoas de 23 estados. Além disso, a pesquisa ainda mostrou que as mulheres são mais propensas do que os homens a sofrer com ansiedade e estresse durante o período de pandemia. 

Os fatores de risco apontados para o estresse e a ansiedade foram: alimentação desregrada, doenças preexistentes, ausência de acompanhamento psicológico, sedentarismo e necessidade de sair de casa para trabalhar.

Políticas públicas

O dia oito de março é o dia internacional das mulheres.  Ele foi oficializado em 1975, pela Organização das Nações Unidas ( ONU), a criação da data é uma ação   para o combate das desigualdades e discriminação de gênero em todo mundo.