Levante pela Terra

Povos indígenas pressionam poderes em Brasília conta projetos de lei que podem acabar com a Amazônia e a demarcação de territórios protegidos no Brasil

Reportagem e fotos de Fernando Almeida

O Cotidiano UFSC publicou, nesta semana, uma série de posts em redes sociais relatando os acontecimentos do Levante pela Terra. O Levante é um acampamento montado desde o início de junho em Brasília e que conta com povos indígenas de todo o Brasil. 

O objetivo do acampamento é pressionar os Poderes contra duas ações pautadas este mês na capital federal: o Projeto de Lei (PL 490), aprovado na Comissão e Constituição e Justiça da Câmara na última quarta (23); e a Ação Cível Originária (ACO) 1100, que votará a demarcação da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ no próximo dia 30, no Supremo Tribunal Federal (STF).

A TI Ibirama-Laklãnõ fica localizada no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina, e abriga os indígenas da etnia Xokleng. Nosso repórter Fernando de Almeida é um deles, tendo chegado a Brasília no dia 18. Através das lentes e relatos de Fernando, trazemos aqui um resumo da nossa primeira semana de cobertura.

No sábado (19), a então recém-chegada delegação Xokleng fez uma visita ao Supremo Tribunal Federal para reivindicar apoio contra a ACO 1100. De acordo com lideranças Xokleng, o diálogo entre indígenas e STF tem sido harmonioso e o clima é de otimismo para a votação envolvendo suas terras no fim do mês.

No dia seguinte, diversas comunidades indígenas se uniram à manifestação #19JForaBolsonaro. Atos pedindo o impeachment do presidente ocorreram em todo o país, levando, segundo organizadores, ao menos um milhão de brasileiros às ruas.

A terça-feira no Levante pela Terra ficou marcada pelo ataque sofrido pelos povos indígenas que acampam na capital federal contra o PL 490. Bombas de gás e tiros de borracha foram arremessados contra o grupo de manifestantes, que incluía crianças, mulheres e idosos.

Ao menos dez indígenas foram feridos por balas de borracha ou pelos efeitos das bombas de gás. Nosso repórter Fernando Almeida foi um deles, atingido pela primeira bomba arremessada pelo Batalhão de Choque. No momento, todos estão bem. Além do Choque, estavam presentes batalhões da PM e da Polícia Legislativa.

O ataque ocorreu quando o grupo formado por cerca de 800 manifestantes tentava se aproximar da Câmara dos Deputados. O objetivo era protestar contra o PL 490, que estaria na pauta da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na manhã de terça. Na semana anterior, havia ocorrido uma repressão similar em frente ao prédio da Funai (Fundação Nacional do Índio). 

O PL 490 facilita a exploração econômica de Terras Indígenas, flexibiliza o contato com povos isolados e proíbe a ampliação de Terras já demarcadas. Além disso, o Marco Temporal também está incluso no projeto de lei – a teoria do Marco Temporal define que comunidades indígenas só poderiam reivindicar territórios ocupados durante a promulgação da Constituição Federal, em 1988.

Devido aos ataques promovidos pela polícia, a votação do PL 490 foi adiada para a quarta-feira (23).

Na quarta, o Projeto de Lei (PL) 490 foi aprovado por 40 votos a 21 na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ). 

As comunidades do Levante pela Terra protestaram do lado de fora da Câmara durante toda a votação, dessa vez sem episódios de violência. Lideranças indígenas não foram autorizadas a participar das discussões. A presidente da comissão, Bia Kicis (PSL-DF), rejeitou diversos pedidos de audiências públicas e apelos de diálogo vindos do movimento indígena através de parlamentares. Pedidos de suspensão da pauta também foram negados.

Deputados de oposição, com destaque para Joênia Wapichana (Rede-RR), denunciam que o procedimento da presidência da CCJ vai contra a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais. A OIT 169 determina que medidas administrativas e legislativas que têm potencial de afetar povos indígenas devem ser tomadas necessariamente após consulta aos povos afetados. O Brasil é signatário formal do documento desde 2002, ao lado de outros 14 países latino-americanos.

O PL 490 segue agora para o plenário da Câmara. Para virar lei, ainda teria que ser aprovado pelo Senado e pela Presidência da República, que é simpática ao projeto. Opositores e lideranças indígenas confiam que, em caso de aprovação nas demais instâncias, o Supremo Tribunal Federal ainda poderia ser acionado. Isso porque, segundo eles, há uma série de inconstitucionalidades no projeto. Eles afirmam que os direitos indígenas são cláusula pétrea da Constituição Federal.

As atenções no acampamento Levante pela Terra se concentram agora para uma pauta mais imediata do STF, que vota na próxima semana a Ação Cível Originária (ACO) 1100. A ACO discute a demarcação da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, que abriga o povo Xokleng no Alto Vale do Itajaí (SC). Na próxima semana, traremos uma matéria especial com a história do povo Xokleng e as consequências da votação da ACO 1100 pode ter para territórios tradicionais em todo o país.