Tânia Ramos, primeira vereadora negra de Florianópolis. Foto: Erika Artmann

Conheça Tânia Ramos, primeira vereadora negra de Florianópolis que assume mandato em 2023

Com a saída do vereador Marquito do legislativo municipal para assumir o mandato como deputado estadual, a militante pelo PSOL assume o cargo titular

                                         Reportagem por Clara Spessatto, Erika Artmann e Júlia Matos

Mulher, mãe de quatro filhos, avó de sete pessoas e integrante fiel da escola de samba Unidos da Coloninha, sediada no bairro de mesmo nome, Tânia Ramos também é vereadora suplente pelo PSOL em Florianópolis. Em 2021, tornou-se a primeira mulher negra a ocupar, por 30 dias, a cadeira no legislativo da capital de Santa Catarina. A partir de 2023, quando o vereador eleito do partido, Marquito, deixar o cargo para assumir como deputado estadual na Assembleia Legislativa, ela assume como titular até as próximas eleições municipais, em 2024.

A promessa de Tânia Ramos é fazer um mandato participativo e chamar para o debate no legislativo municipal a base dos eleitores: mulheres, mulheres negras, pessoas da periferia, LGBTQIA+ e outras minorias sociais. Fortalecer as relações com a base é o que sempre movimentou a vereadora na política durante os 28 anos de atuação: “Sempre venho candidata por acreditar que temos que construir juntos”.

Tânia será a primeira mulher negra titular na Câmara em 2023, mas seu hábito de ser precursora em cargos públicos e de gestão é antigo. Ajudou a fundar o PSOL no município e é a primeira candidata do gênero feminino pelo partido nesta instância. Em tempo, é também a primeira mulher negra presidente da Velha Guarda do samba na Grande Florianópolis. “Era um lugar também de homens”. 

A primeira vez que Tânia Ramos assumiu a cadeira no legislativo municipal foi em  de maio de 2021. Era uma posse temporária que partiu do projeto do PSOL de realizar um rodízio de vereadores no mandato exercido por Marquito. Nesse período, ela relata que sentiu dificuldade em executar suas pautas pelo fato da Câmara ser composta majoritariamente por homens brancos: “eles falam e respondem o que querem. A gente sente muita falta das mulheres”. 

No próximo ano, a vereadora pretende resgatar as pautas propostas por ela anteriormente e levar adiante os debates dos conselhos municipais e movimentos sociais, espaços que vê como alternativa à baixa representatividade das mulheres nos poderes eletivos. “Temos que estar representadas em todos os momentos para que a gente possa ter vez, voz e voto. E para que as pessoas nos respeitem, acima de tudo”, afirma.

Tânia Ramos em seu futuro escritório. Foto: Erika Artmann

Influência do samba na atuação política

Tânia Ramos desfilou pela primeira vez com a Unidos da Coloninha aos 10 anos de idade, quando foi levada por sua mãe à ala das crianças. O ambiente em que estava, cheio de crianças pretas, permitiu que ela enxergasse a si mesma como tal. Foi na escola de samba que descobriu, ainda criança, a sua própria identidade. “A questão da identificação é muito importante na nossa vida e a partir dali eu desfilei todos os anos”, reforça. 

Depois do desfile, fez da escola de samba uma extensão de sua casa. Passou por todas as áreas, e também foi presidente, conselheira e participou da direção. Neste espaço, que considera de ensino, aprendizagem, e de construção de uma paixão coletiva, participou de lutas com e para a comunidade.

“Escola de Samba, o nome já diz, é uma escola e a gente tem que manter para educação do nosso povo. A escola de samba tem a cultura do samba, cultura nosso povo preto e do periférico, ela tem que ter toda responsabilidade do seu bairro, município. Não só mostrar esse lindo espetáculo dos desfiles, mas no seu bairro tem um papel importante de trazer a parte social e discutir a questão do nosso bairro. Então, ela tem que avançar nessa formação. Escola de Samba não é só o Carnaval e tem que ser construída para o ano todo”

Em pleno carnaval de 2010, a União da Coloninha recebeu a notícia de que a então Escola Estadual Otília Cruz, única do bairro na época, seria lacrada e não receberia mais alunos. Segundo lembra a vereadora, o lugar seria transformado em um abrigo para menores infratores. Os moradores, junto à escola de samba do bairro, prontamente se mobilizaram, ocuparam e mobiliaram o prédio. Aos trancos e barrancos, com luz e água cortadas pelos políticos da época, eles reviveram o prédio e o transformaram em um contraturno escolar, com aulas de teatro, ritmista, esportes, ou mesmo com cursos profissionalizantes para adultos. Tânia Ramos conta, orgulhosa: “foi uma luta muito linda que eu tenho orgulho de falar que a minha comunidade abraçou e segurou as pontas até que conseguimos municipalizar o espaço para que se tornasse uma creche. Hoje é a creche Otília Cruz”.

Em nota, a Secretaria Estadual de Educação que a EEB Otília Cruz foi desativada por meio do parecer CEDB/CEE/SC 065, que expôs como motivo para desativação foi “o reduzido número de alunos, após cinqüenta anos em funcionamento”. Os alunos foram transferidos para escolas próximas da rede estadual: EEB Irineu Bornhausen, EEB Rosa Torres de Miranda, EEB Pero Vaz de Caminha e EEB Jairo Callado e os funcionários removidos para escolas de suas escolhas, dentro da disponibilidade de vagas.

Prioridades para o mandato

Diante de uma Câmara Municipal composta, ao longo da história, majoritariamente por homens brancos, Tânia planeja, como uma de suas prioridades, levar as mulheres periféricas para dentro do espaço. Ela pretende dar voz e lugar para discutir as questões de gênero e debater formas de combater a violência contra a mulher, especialmente, vinculada à raça.

“Onde estão nossas mulheres pretas? Elas estão sendo violentadas e agredidas nos seus bairros. Estão na limpeza na casa da burguesia, nos bancos, sofrendo racismo estrutural dentro das nossas instituições e é, principalmente, ali que começa o racismo. As mulheres pretas estão trabalhando e não têm tempo de vir discutir política”

Outra pauta de seu mandato é a Educação Infantil. Segundo a vereadora, investir em creches de meio período não é o suficiente, deve-se primeiro debater a questão familiar. 

“Uma pauta que acho muito importante e vou querer discutir com municípios é a questão da nossa Educação Infantil. Hoje, nós temos creche de meio período. Quem é a mãe que trabalha meio período? Como é que se constrói uma Educação Infantil, que é a base da educação para nossas crianças, sem pensar na família? Eu já recebi resposta de dizer que o município, o Estado, não tem compromisso com a família, tem compromisso com a criança, mas, depois que a criança sai da escola, faz o quê? Vai ficar na rua, ou a mãe vai ter que pagar alguém para cuidar e poder trabalhar, mas como ela vai sustentar isso?”.

 O engajamento da vereadora na luta pela educação começou na década de 1980. Foi mãe cedo, aos 14 anos, e precisou pausar os estudos para cuidar de suas filhas gêmeas. Alguns anos mais tarde, voltou à Escola Estadual Aderbal Ramos da Silva. Tânia lembra que precisou fazer um teste para entrar e, quando passou, era preciso pagar uma mensalidade. Por ser uma instituição pública, decidiu que não pagaria, e viu seu nome nos quadros públicos de cobrança que ficavam na parede do refeitório. “Existiam alunos que não iam para a aula naquela semana porque o pai não pagou a mensalidade e aquilo me chamou atenção”. Juntou-se a esses colegas para formar um grêmio estudantil e, com a mobilização, conta que os custos para estudar foram derrubados. 

A líder comunitária também pretende dar visibilidade para as comunidades periféricas, a fim de levar políticas públicas e trabalhos sociais para essas áreas. “Minha luta foi sempre em cima das questões da comunidade”, afirma. 

Tânia reforça que pretende realizar um mandato popular com a participação de toda sociedade na discussão das pautas. Por meio da defesa de orçamentos participativos, que permitem o amplo debate, a vereadora pretende construir coletivamente políticas públicas. “As comunidades não podem ser invisíveis para o nosso país, Estado e município. Esse orçamento participativo traz à sociedade a chance de construir a cidade que queremos, a partir das nossas prioridades”, afirma. 

Habitação, regulamentação fundiária e ocupação também estão entre as pautas do mandato. Segundo Tânia, “em torno de 33 mil pessoas não têm onde morar e, em certo momento, elas têm que morar em algum lugar. Não há um olhar especial e sensibilidade pro nosso povo que ocupa as áreas carentes de forma irregular e que não tem água, luz e saneamento”.

Por fim, Tânia quer levar à Câmara discussões para combater o preconceito e a violência vinculada a gênero, raça, orientação sexual e condições socioeconômicas. “Eu tenho esperança de um dia a nossa sociedade olhar para nós, olhar para para o nosso povo e não ter essa discriminação. Não olhar com um olhar diferente, mas sim com respeito, com amor ao próximo”, ressalta.