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Sexo sem idade: com avanços da medicina, idosos mantêm vida sexual ativa e aproveitam liberdade dos tempos de hoje

Texto: Amanda Ribeiro, Beatriz Santini e Bruna Andrade

Arte: Beatriz Santini

A ideia da terceira idade ainda é muito ligada aos avós sentados em casa em suas cadeiras de balanço, ouvindo rádio, tricotando. A verdade é que os idosos de hoje são muito mais ativos do que em outros tempos, inclusive sexualmente. Graças aos avanços da ciência, essa parte da população tem mantido suas práticas sexuais com o passar dos anos, mesmo que a sociedade no geral ainda ignore esse fato.

 Esse é o caso de Alba Terezinha Kiseski, 69 anos de vida e 37 de viuvez. A idosa, que hoje é frequentadora assídua dos bailes da terceira idade, conta que chegou a entrar em depressão nos meses que se seguiram à morte de seu marido. Felizmente, no entanto, as circunstâncias mudaram rápido, e decidiu que era hora de sair de casa com amigas e voltar a se divertir. Hoje ela não sabe dar números precisos, mas abre um sorriso caloroso ao afirmar que não teve poucos namorados na vida.

 Antes, casos como o de Alba eram raros, tanto por motivos culturais quanto fisiológicos. A idosa mesmo, ao se comparar com sua mãe, que também ficou viúva, reconhece as mudanças culturais pelas quais passaram os assuntos de relacionamento ao longo das últimas décadas: “Quando meu pai morreu, lembro da minha mãe usando preto durante meses, sempre muito triste. Eu cheguei a entrar em depressão quando meu marido morreu, mas as situações foram diferentes; consegui superar, comecei a sair e encontrei outras pessoas”. Alba conta que voltou a se relacionar com outras pessoas cerca de quatro anos depois da morte do marido. Esse tempo, segundo ela, era considerado ínfimo na época de sua mãe.

 Sob a perspectiva fisiológica, acreditava-se que com o avanço da idade havia uma dessexualização das pessoas. As pesquisas desmistificaram isso e mostraram que o que acontece é uma modificação à resposta sexual. Os cientistas passaram a buscar meios de melhorar a qualidade de vida dos idosos e contornar os problemas sexuais trazidos pelo envelhecimento.

 Até 1940, a disfunção erétil era considerada uma evolução natural masculina e não um problema de saúde. Demorou 30 anos, mas em 1970 foi encontrado um recurso para quem sofria com a falta de ereção: as próteses penianas. Em 1980 surgiram as injeções intracavernosas, aplicadas na região do pênis responsável pela ereção, também com o objetivo de resolver o problema. Na década de 1990 os medicamentos orais vieram para melhorar de vez a qualidade da vida sexual dos homens da terceira idade. Para as mulheres, a reposição hormonal tem sido uma alternativa.

 O geriatra Mauro Montaury afirma que, mesmo que inovações tecnológicas tenham mudado a  relação dos idosos com o sexo, ainda existe um preconceito muito grande das pessoas mais jovens com relação ao assunto. “É preciso combater esse estigma de que o idoso é assexuado e que seu nível de consciência é igual ao de uma planta, sentado de frente à TV sem atividade social, ou virando terapeuta de lazer dos netos. Eles têm desejos sexuais e também devem ter o direito de viver a vida intensamente”.

 Apesar da evolução da medicina, não houve uma preparação destes idosos para tratar de sexo atualmente. Eles fazem parte de uma geração que viveu a juventude em um período anterior ao HIV (Vírus da Imunedeficiência Humana). Muitos nem sabem como se proteger durante a relação. O resultado: a faixa etária que mais registra aumentos dos casos de HIV é acima dos 60 anos.

 Em 1996, 7% dos infectados eram da terceira idade. Em 2013, o índice subiu para 13%. Eles não possuem a cultura do preservativo. As mulheres, por não poderem mais engravidar, têm a falsa impressão de inutilidade da camisinha. As campanhas para prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) são voltadas apenas para o público jovem, não atingindo este grupo.

Alba aproveita a terceira idade nos bailes e não deixa de namorar

 Apesar das ‘aventuras amorosas’, Alba gosta de ressaltar que tem consciência das Doenças Sexualmente Transmissíveis e que está sempre preparada para se proteger. Ela diz que não usa o preservativo para mulheres, mas sempre pede para o parceiro usar camisinha. “Eu sempre peço para o meu parceiro usar camisinha e nunca tive nenhum problema. Mas a questão é que eu também demoro muito para ter sexo. Com meu último namorado, fizemos uma vez só durante os seis meses que ficamos juntos. E eu não gostei. Não achei legal” diz ela, rindo.

 O último namoro a que Alba se refere começou há pouco mais de um ano, dentro de um ônibus, quando um senhor mais ou menos de sua idade se sentou ao seu lado. Depois de conversarem durante todo o trajeto, o homem anotou seu telefone em um papel e pediu para que lhe ligasse. Depois da primeira ligação vieram as conversas e os encontros. Disso resultou um relacionamento de meio ano, que acabou porque Alba, acostumada à liberdade de não estar comprometida com ninguém, não conseguiu suportar as restrições impostas pelo parceiro.

 Para a maioria que passou pela adolescência nos anos 1950, ou antes disso, o sexo era um grande tabu. E hoje, com a sociedade vendo-os como seres praticamente assexuados, o debate e a informação sobre o tema ainda são difíceis. Muitos até sabem da importância da proteção, mas não sabem como fazê-la.

 Em pesquisa realizada pela Universidade Federal do Paraná com 98 idosos de Curitiba, em 2011, 88% responderam que acreditam que a prevenção DSTs é necessária, 8% que não e 4% não responderam a pergunta. Entretanto, quando questionados quanto aos métodos de prevenção, 25% não souberam dar exemplos ou não responderam. Dentre os entrevistados, 43% não faziam uso de nenhum tipo de proteção, 43% alegaram fazer e 14% não responderam.

Além da falta de informação e costume de não usar preservativo, outros fatores contribuem para contrair HIV na terceira idade. Nessa faixa etária há uma diminuição da imunidade. As mulheres, em especial, estão expostas ainda mais ao risco: após a menopausa, a pele das paredes vaginais fica mais fina, por isso mais suscetível a ferimentos, facilitando a infecção.

Alba afirmou que vários desses problemas acontecem devido às mudanças de comportamento dos relacionamentos. Em sua época, quando as pessoas se casavam por amor e só chegavam ao sexo quando tinham certeza de que ficariam juntos por muitos e muitos anos, não existiam grande parte dos problemas ligados a DSTs.  “Antigamente a gente se casava com amor. Hoje as pessoas são interesseiras, antes de ficar com alguém procuram saber se os pais têm dinheiro, se aquilo é uma boa oportunidade. Não existe mais amor, não existe o romance da minha época. As pessoas agora só vão atrás de sexo, e muito rápido”.

Hoje em dia, Alba está solteira e pretende continuar assim por algum tempo. Ela diz que às vezes pensa em se casar de novo, mas, com a liberdade que adquiriu nos 30 e poucos anos em que esteve sozinha, afirma que logo muda de ideia. Foi assim com o último namorado, que lhe impunha limites demais. Os planos para agora não envolvem namorados. “Durante o verão eu quero aproveitar a praia com as minhas amigas que vem aí. Na meia estação eu volto aos bailes da terceira idade”. E nos bailes é fácil arrumar alguém para dançar? – perguntamos. Ela ri e diz que não faltam pretendentes – inclusive, vários de seus namorados encontrou nesses bailes, que talvez sejam um dos últimos redutos para se praticar um pouquinho de romance, dançando a dois.

Mesmo assim, as coisas mudaram: Alba disse que não precisa mais de pretendentes para dançar, principalmente se forem daqueles que pisam nos pés. “Se for para atrapalhar, pode sair”. Ela diz que a partir de agora só aceita um namorado que dançar bem. Se não, não tem problema: não vai se importar em ir até o centro do salão e “se divertir com a leveza dos próprios pés”.

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