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Sem apoio financeiro, Pastoral do Migrante atende centenas de estrangeiros e refugiados

Texto: Gabriel Lima (gabrielduwe@gmail.com)
Foto: Pastoral do Migrante

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“Saúde e paz, meu irmão”. É com essas palavras e um sorriso que o padre Joaquim Roque Filippin recebe as dezenas de migrantes que vem todos os dias até a Paróquia Santa Teresinha Menino Jesus, no centro de Florianópolis. Em uma sala ao lado da secretaria da paróquia, o padre coordena a Pastoral do Migrante, entidade que busca acolher e orientar estrangeiros e refugiados que precisam de apoio para a regularização no Brasil.

O projeto criado há 19 anos, por iniciativa do padre Joaquim, foi interrompido por alguns anos por causa de sua transferência para Porto Alegre em 1997, onde também coordenou a criação da Pastoral do Migrante. Em 2013, com o retorno definitivo do padre à ilha, a Pastoral foi reaberta, e ele passou a contar com a ajuda da antropóloga Tamajara Silva, que realiza os atendimentos iniciais.

O haitiano Franklin buscou a Pastoral para a renovação do seu passaporte. Há dois anos no Brasil, seu visto temporário está próximo do vencimento, e seu certificado de permanência ainda não foi expedido. Com noções básicas de português, carregado de muito sotaque, ele ainda tem dificuldade para se comunicar no país. Franklin mora em Santo Amaro da Imperatriz, próximo à Associação de Haitianos que há na cidade. Ele conta que aproveitou o feriado municipal de Palhoça, local onde trabalha como carpinteiro, para tentar regularizar sua situação.

Assim como outros milhares de haitianos, Franklin também entrou no país refugiado pela fronteira do Acre com o Peru. Foi encaminhado para a Polícia Federal, onde precisou apresentar vários documentos e recebeu o Protocolo de Estrangeiro, que permite a emissão da Carteira de Trabalho. “Foi ali que eu percebi que tudo estava acontecendo certo para mim”, desabafa. Quando chegou a Florianópolis Frankin já estava apto para trabalhar, mas a demora pelo certificado de permanência no país ainda o incomoda. “Estou com esperança, mas às vezes fico inseguro”.

Apesar do crescente fluxo de haitianos no Brasil desde 2010, resultado do Acordo Humanitário entre os dois países, a maioria dos atendimentos da Pastoral é para sul americanos. Entre as 361 pessoas atendidas desde 2013, pouco mais da metade eram argentinos. Foram 181. O Uruguai, segundo país da lista, teve 44 atendimentos. Além disso, 165 regularizações feitas na Pastoral foram realizadas pelo Acordo Mercosul, que autoriza a permanência dos sul americanos em território brasileiro.

Nos últimos dois anos a Pastoral já recebeu pessoas de 30 países, com média de 144 atendimentos por mês. Segundo Tamajara, cada pessoa costuma retornar cinco vezes à Pastoral para regularizar e atualizar a sua permanência no Brasil. “Primeiro eles vem em busca de orientação. Depois, trazem os documentos e são encaminhados para a Polícia Federal. E então costumam retornar para retirar o passaporte, carteira de trabalho, certificado de permanência, entre outros documentos”.

Tamajara explica que a Pastoral não abriga os migrantes, mas procura dar orientação para eles. Inicialmente são necessários dois documentos para a regularização: certidão de nascimento e lista de antecedentes criminais no país de origem. Segundo ela, esse procedimento é o mais demorado. “Há países, como o Chile, em que eu consigo esses documentos pela internet. Mas na Argentina, por exemplo, é necessário que algum parente vá até o Consulado em Buenos Aires. Enquanto ocorre a tramitação burocrática, algumas pessoas ficam em situação de rua, pois não é possível conseguir a carteira de trabalho e o albergue municipal só funciona entre às 20h e 6h”.

A Pastoral busca acordo com o poder público e empresas privadas para conseguir acolher melhor os migrantes, segundo explica o padre Joaquim. O padre agendou uma reunião com o prefeito César Souza Júnior e em breve participará de uma audiência pública na Assembleia Legislativa para debater o tema. Para Joaquim, a primeira ação é fazer um novo Estatuto do Imigrante. “Hoje o nosso maior adversário é a lei. Criado em 1980, durante a ditadura militar, o estatuto tem como maior objetivo a segurança nacional, e não o acolhimento do migrante. Há quatro anteprojetos tramitando no Congresso Nacional, mas falta vontade política para aprovação”.

Sobre a cadeira do padre Joaquim está o retrato de João Batista Scalabrini, bispo italiano que inspirou a iniciativa. O bispo fundou a Congregação dos Missionários de São Carlos em 1887 com o objetivo de cuidar dos migrantes italianos que estavam saindo do país. Os missionários scalabrinianos continuam presentes em vários locais do mundo, inclusive em Florianópolis. “Nós seguimos o que Scalabrini propôs: cuidar dos migrantes, não apenas italianos, mas todos que procurarem por nós”, explica o padre.

Além de acolher todas as nacionalidades, a Pastoral também não se restringe a religiões, apesar de pertencer a uma igreja católica. Para o padre Joaquim, o lado social prevalece em qualquer caso. “Deus nos dizia para evangelizarmos pelas semelhanças e não pelas diferenças. Claro que quem desejar é convidado a participar das missas, mas quem é de outra religião não terá nenhum tratamento diferenciado. Inclusive intermediamos para que todos possam exercer sua espiritualidade em Florianópolis”.

Apesar dos seus 78 anos, o padre Joaquim diz que ainda tem disposição para seguir o trabalho que iniciou há quase duas décadas. Sem apoio financeiro de entidades públicas ou privadas, é comum vê-lo usar o dinheiro de sua aposentadoria para pagar taxas de vistos ou protocolos para migrantes em situação de rua. “Eu faço isso pelo bem das pessoas, como Deus me ensinou”. Seu maior sonho é ter recursos para construir um dormitório e conseguir hospedar os migrantes na própria igreja. Assim, além de desejar paz e saúde, também poderia oferecer moradia e alimentação.”

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