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Representante do Ministério das Comunicações fala sobre Inclusão Digital para juventude rural

João Lucas da Cruz Baptista, morador de assentamento de Passos Maia, sob orientação do bolsista Matheus Alves, entrevistou Diego Dorgam, Coordenador Geral de Formação do Ministério das Comunicações. A atividade fez parte das oficinas oferecidas pelo curso de Jornalismo durante o Seminário Estadual da Juventude do Projeto De Olho na Terra e gerou um texto do adolescente publicado na cobertura do Cotidiano UFSC sobre o evento. Confira a entrevista na integra:

João: Por que o ministério financia o projeto?

Diego: O Ministério começou a financiar o projeto da Juventude rural no final de 2012. Nosso objetivo é garantir que a população do campo, principalmente da juventude, tenha acesso as tecnologias de informação e comunicação. A gente entende o processo de avanço técnológico como o MST entende: se ele vem de forma desgarrada ou importado, a tecnologia apenas exclui as pessoas. Por exemplo, quando você recebe um trator em uma fazenda onde trabalham 100 peões e o trator faz o trabalho de 200 peões, ele vai gerar exclusão social e desemprego. A tecnologia da informação faz a mesma coisa: se você colocar celulares, computadores e internet no campo sem ter processo de absorção e empoderamento dessa tecnologia, você vai apenas excluir as pessoas da sociedade do conhecimento.

 

João: Já ouvi falar em sociedade do conhecimento, mas não sei o que é.

Diego: Sociedade conhecimento é o termo que identifica a sociedade que vive em rede, acessa a internet, aprende rápido, recebe noticias instantatneamente.  Ao mesmo tempo que esse termo demonstra essa sociedade, ele também exclui a sociedade do não-conhecimento, que não está recebendo informação em tempo real, não está conectada em rede e não está rompendo barreiras geográficas. Estão inclusas aí a sociedade do campo e das periferias nas grandes cidades.

 

João: Elas não tem recurso para adquirir esse conhecimento, certo?

Diego: Não tem renda, ou tem mas o mercado não chega até ele. Existem cidades no Brasil onde o acesso a internet é muito caro porque para uma empresa chegar lá demanda um investimento em infraestrutura muito alto. Então elas não chegam ou preferem cobrar preços muito elevados. No interior de São Paulo, por exemplo, vendem 10 mega por 30 reais. Já no interior do Pará, para ter um acesso de um mega é preciso pagar 1500, 1800 reais. Então as vezes as pessoas tem algum recurso, mas não o suficiente para aquele preço que é cobrado. Entra então o Ministério das Comunicações, porque entendemos que é a hora do estado intervir na sociedade para garantir os direitos do cidadão.

 

João: O que é o estado intervir na sociedade?

Diego: Isso é um conceito novo para a nossa geração. Significa que onde o mercado não chegar ou onde a sociedade por si não se regular e não garantir direitos, o estado tem a obrigação de intervir. Chegar com recursos, conexão, acesso, equipamento e informação capacitação. E é isso que faz o programa da Juventude Rural, para garantir que essa população que nunca teve acesso ou que nunca teria, tenha o seu direito garantido. Como o que está acontecendo aqui. Sem querer praticar futurologia, mas creio que sem o projeto, boa parte dos garotos que estão aqui hoje não teriam acesso ao conhecimento que estão tendo. A partir desse acesso, eles vislumbram a possibilidade de sonhar com um futuro melhor.

 

Matheus: Como é a aproximação do Projeto com as sociedades em que ele se instala?

Diego: Essa pergunta é interessante porque por trás dela está a discussão sobre como funcionam as políticas públicas. A gente tem uma experiência grande no governo federal sobre como praticá-las. Nós aprendemos que não devemos chegar “sabendo tudo”. Não pode dizer “sei o que  a sociedade precisa, vou levar para ela e depois tchau”. Isso não dá certo porque cada comunidade precisa de coisas diferentes, e a gente não pode achar que sabe tudo sobre ela.

Por causa disso o projeto da juventude rural começa um passo antes. Perguntamos para os movimentos sociais do campo: O que vocês querem fazer na comunidade? Como querem conduzir esse processo de inclusão social nas tecnologias?

Abrimos então um edital, selecionamos propostas e avaliamos as que tem mais condições para implementação e efetividade. De acordo com nosso orçamento, enviamos financiamento para a Universidade, que o transforma em recurso de bolsa e capital, compra equipamentos, paga bolsistas e produz material. Esse primeiro estágio seria o estágio embrionário da política pública. Olhamos para a sociedade e perguntamos: “o que você precisa? Manda no edital que nós vamos avaliar, selecionar e fincanciar o que for possível.”

 

João: Quantas chamadas já foram feitas?

Duas chamadas. Na primeira, no final de 2012, foram selecionadas e apoiadas cerca de 28 instituições, onde foram aprovados mais de 40 projetos. Estranhamente, na segunda chamada tivemos menos participantes, no final de 2013. Foram 2 instituições apoiadas em 3 projetos.

 

João: O projeto é nacional?

Diego: Sim, mas atualmente só estamos com projetos financiados aqui em Santa Catarina e na Bahia. Quando tinhamos as 28 instituições, alcançamos os 26 estados

 

Matheus: Por que houve a queda?

Diego: Alguns projetos apoiados em 2012 continuaram e terminaram no começo de 2014, mas não abriram propostas para agora. A gente vê então que a política diminuiu não por causa do atendimento da demanda, mas sim por problemas na hora da articulação: de conversar com movimentos sociais e agendar com universidades. Mas no total, a gente vê o movimento com aproximadamente 6500 jovens formados e quase 50 projetos aprovados. Aqui na UFSC temos dois projetos: o De Olho Na Terra e outro com comunidades indígenas.

 

João: Os projetos são iguais aqui e na Bahia?

Diego: A chamada é a mesma, mas os projetos são diferentes. Aqui, temos um projeto com um laboratório que faz a ponte com o MST. Mas os outros dois projetos são com aldeias indigenas, então não vai tratar apenas da questão agrária, mas também da cultura, a expressão da sua linguagem e outras relações. Mas o objetivo é sempre o mesmo: dar acesso às tecnologias para a juventude rural.

 

João: É fácil desenvolver esse projeto?

Diego: Nunca é fácil trabalhar com o pessoal do campo porque você tem o desafio de chegar do topo da cadeia da burocracia do governo federal e se relacionar com um assentamento que não tem CNPJ. Nas aldeias indigenas, as pessoas às vezes nem tem RG ou CPF. A dificuldade então é relacionar-se burocraticamente.

Mas a facilidade é que estamos recebendo ajuda das universidades federais. A arquitetura com que fizemos a parceria deixou a relação muito simples para a gente, porque o pessoal da universidade se apropria do objetivo de transformar aquela região, e a gente consegue repassar o recurso para eles que administram dentro da própria instituição. É mais fácil do que se fossemos fazer tudo direto com o pessoal do assentamento, porque então ficaria tão burocratico que começaria a atrapalhar.

 

João: Como vocês conseguiram ver que um projeto como esse valia a pena?

Diego: Essa pergunta é simples: a gente consegue ver porque a gente foi do MST. Basicamente, há um processo de ocupação dos espaços de poder pela classe trabalhadora. Eu fui da militância do movimento estudantil, estava sempre ao lado do MST e da CUT. Sempre caminhamos lado a lado, e percebemos que o MST precisava disso porque vivemos o seu dia-a-dia e acompanhamos ocupações. Conhecemos a realidade e sabemos do que é preciso.

A adesão ao social não brotou da burocracia, pelo contrário: os militantes dos movimentos sociais decidiram entrar no governo federal com objetivo de transformar o estado. E para a gente, transformar o estado significa fazê-lo garantir os direitos  que os cidadãos lutam para ter. Alguns anos atrás eu estava com faixa e camisa vermelha, batendo o pé na rua e peitando policial para fazer as coisas andarem. A partir do momento que eu vislumbrei que o estado que tinha de garantir, eu me organizei para ir para dentro do estado. E a gente sabe que se a gente não estiver lá, não vai sair.

 

Matheus: E qual o planejamento para o futuro do projeto?

Diego: Estamos estudando a possibilidade de transformá-lo em uma política mais sólida. Claro que isso vai passar por uma articulação com as centrais sindicais, mas a perspectiva é de transformá-lo em uma política sólida e definitiva do Estado que garanta direitos a população do campo. Já estamos fazendo alterações em alguns programas para garantir isso. Por exemplo, o programa Gesac. A gente reformulou inteiro para deixar bem claro uma unica prioridade para ele: oferecer acesso para a população do campo, com base já na experiência que a gente teve. O Gesac hoje já é um programa voltado inteiramente para o campo. É uma mudança porque ele era voltado inteiramente para a cidade, nas periferias de grandes centros urbanos. Mas se você está num centro urbano, você tem mais condições de pagar por internet do que alguém que está num assentamento.

Mas a ideia é que a Juventude Rural vire um programa de fato. O ideal pra gente agora é sair desse modelo de política pública embrionário para um mais estruturado, que garanta direitos, tenha calendario de articulação definido por um longo período para a programção, e consiga se adaptar a realidade daquela universidade.

A gente já conhece as demandas, as comunidades, o que é possível fazer. Estamos avaliando como dar um novo passo de maturidade nessa política pública, e estabelecê-la como um programa de fato do Ministério de Comunicações.

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