Reportagens

Crônica: os guerreiros da Alfândega*

Quando o sol começa a ir embora em Florianópolis, eles começam a chegar. São guerreiros armados, dispostos a derrubar os oponentes com seus golpes desenvolvidos em anos, ou até meses ou dias de prática solitária. Os gladiadores se reúnem no Largo da Alfândega toda quinta-feira para o duelo e se transformam em reis no meio da multidão. A arma utilizada é um calibre 1.3, um microfone. As munições são adquiridas ao longo da vida e se reciclam a cada dia: as ideias. Os golpes são obras de arte, criadas ali mesmo, na frente do rival. Como Michelangelo, que tirava os excessos do mármore, eles tiram os excessos do “beat“, transformando-o em uma pista para fazerem suas manobras.

Divididas em duas modalidades, “Conhecimento” e “Sangue”, as batalhas acontecem com plena participação do público. É ele quem decide quem saiu vitorioso. Para se destacar, o guerreiro precisa ter pensamento rápido, um estilo de rima próprio, “flow“, conhecimento geral e, em especial, humildade, tanto na vitória, quanto na derrota. Ao contrário das guerras comuns, os combatentes da Batalha da Alfândega não são inimigos, vencedores e perdedores finalizam a batalha com um gesto de comunhão, presenteando o combatente adversário com respeito.

Um dos guerreiros, é na verdade uma guerreira. Entre tantos homens, Moa se destaca derrubando paradigmas enquanto derruba adversários na rima. Ela vai à Batalha da Alfândega acompanhada de duas pequenas, Luna e Estela, as filhas que têm seis e três anos, respectivamente. As meninas correm pelo campo de batalha no Largo da Alfândega como se corressem pelo pátio de casa. Já todos conhecem as crianças, que são respeitadas como se fossem elas também rimadoras. A mãe divide a vida entre a atenção nas meninas, os adversários da batalha e os adversários da vida. Esses são os piores.

A Batalha da Alfândega tenta pregar um conhecimento que vai além dos livros e das salas de aulas. Lá os combatentes e frequentadores formam opiniões, aprendem sobre pontos de vista e lutam por igualdade. Essa é a maior batalha dos gladiadores. Com seus confrontos, eles mostram uma verdade que as autoridades não querem que seja ouvida. Muitas vezes inimigos fardados tentaram destruir a luta dos guerreiros, mas eles são fortes o bastante para que o coliseu improvisado se mantenha de pé.

A conclusão a que se chega ao fim de uma batalha é que os combatentes não estão se enfrentando. Eles estão lutando contra um inimigo muito maior do que outros MCs. Eles lutam contra um Estado que não os quer lá. Eles lutam contra o preconceito. Eles lutam contra a indiferença de uma sociedade que não os quer ouvir. Eles lutam contra a ignorância crônica de pessoas  limitadas, incapazes de entender que as guerras são viagens em direção à cura, e por serem assim, o ócio não é uma opção.

 

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