Principais hashtags de ataque a jornalistas. // Fonte: RSF

Jornalistas sofreram um ataque por segundo nas redes sociais durante período eleitoral de 2022

Análise da organização Repórteres Sem Fronteiras mostra que maioria das ofensas são dirigidas a profissionais mulheres

Reportagem de Clara Spessatto

Aqueles que sempre estão nos bastidores da matéria, dessa vez viram manchete. Os jornalistas tornaram-se alvos frequentes nesse período eleitoral de 2022. De acordo com a organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF), foram mais de 2,8 milhões de postagens com conteúdo ofensivos e agressivos contra a imprensa no Brasil. A análise foi realizada em parceria com o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Desde 16 de agosto, quando começou a campanha eleitoral, os números registrados pelo RSF representam um ataque por segundo contra os profissionais dos meios de comunicação. Segundo a pesquisa, as datas marcadas por sabatinas e debates com os candidatos à presidência da República resultaram em uma maior quantidade de postagens ofensivas, como na semana de 22 a 28 de agosto. Marcada pelo debate dos presidenciáveis no Jornal Nacional da Rede Globo e com a polêmica envolvendo a jornalista Vera Magalhães, a semana registrou o ápice de postagens, ultrapassando a marca de 2,7 milhões. Esse monitoramento sistemático das redes sociais mostrou como a descredibilização do papel dos jornalistas cresceu na sociedade brasileira, sendo a principal forma de ataque à imprensa.

Número de postagens com termos ofensivos à imprensa no período eleitoral. // Gráfico realizado a partir dos dados disponibilizados no site da RSF

Apesar de não ter sido vítima de nenhum caso de agressão, Aloisio Morais, membro do jornal alternativo Jornalistas Livres, reforça o medo enfrentado pela mídia no período eleitoral. Segundo ele, o receio derivou da falta de respeito e civilidade das pessoas. “A alta quantia de ataques à imprensa mostra o fascismo presente na sociedade brasileira”, afirma. 

Aloisio trabalhou mais de 30 anos em veículos comerciais de comunicação e cobriu inúmeras eleições, mas alega que a deste ano foi diferente das demais. Para ele, o clima está mais tenso e os ataques aos jornalistas estão sendo mais frequentes. “A imprensa está encolhida, mais cuidadosa”, relata.

O jornalista Aloiso Morais (Foto: Carina Aparecida)

A polarização e a desinformação

Em um país marcado pela polarização entre dois candidatos à República de ideologias opostas, o jornalismo enfrentou constantes ameaças e tentativas de descredibilização. “Parece que estamos no meio de uma guerra”, alega Marta de Jesus, editora-chefe do portal Primeira Página, no Mato Grosso do Sul (MS). Segundo ela, as pessoas só querem acreditar nas versões que se enquadram na sua corrente política, contribuindo para a crescente onda de desinformação com as chamadas “fake news”.

Marta trabalhou em 14 eleições, mas diz nunca ter sentido medo anteriormente. “No passado, o dia de eleição era um dia de felicidade, de comemorar a democracia e a história do país. Agora, o clima é tenso e de agressão”, conta. De acordo com a editora-chefe, a população brasileira perdeu o senso da importância de uma imprensa livre que, além de informar, atua como um mecanismo de cobrança e fiscalização das ações do Estado. “Não existe democracia plena sem uma imprensa livre”, reforça.

A jornalista Marta de Jesus (Foto: Arquivo pessoal)

Quando a questão de gênero fala mais alto

Desde o início da campanha, 86% dos ataques a jornalistas registrados pela RSF foram destinados às mulheres, sendo 88% dos 10 profissionais mais atacados do gênero feminino. Diferente dos homens, as agressões destinadas a elas foram de cunho misógino e pessoal. As ofensas mais comuns, segundo o relatório, são “vagabunda”, “vaca”, “idiota”, “ridícula”, “velha” e “feia”. 

A atual presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Samira de Castro, conta que as mulheres são atacadas duplamente: pelo exercício do jornalismo e pela questão de gênero. “Elas são alvos de frases de cunho machista e misógino, de linchamentos virtuais, com divulgação e exposição de seus dados pessoais, além de serem ameaçadas com gestos e palavras em coletiva de imprensa, entrevistas e coberturas de rua”, explica.

A jornalista Samira de Castro (Foto: acervo Fenaj)

A pesquisadora e uma das autoras do artigo “Violência Contra Jornalistas no Canal De Jair Bolsonaro no YouTube”, Janara Nicoletti, relata que a mulher não é questionada apenas pelo seu trabalho, mas por ser mulher e conquistar seu lugar na sociedade. “Ela está incomodando simplesmente pelo fato de ter uma voz”, conta.

Medidas de proteção e a garantia de uma imprensa livre

Além do cenário de descredibilização da imprensa, desinformação, ataques físicos e nas redes sociais, o jornalista enfrenta também a pressão do próprio veículo em que trabalha. Janara Nicoletti conta que, muitas vezes, empregos são colocados em risco diante de conflitos de opiniões. Ela ainda complementa dizendo que a maior parte das agressões à imprensa vêm dos próprios políticos brasileiros. “Quem deveria estar garantindo que o Estado protegesse o mínimo da liberdade de expressão e de imprensa é quem está tentando fazer com que isso seja o tempo todo violado”, afirma. Para a pesquisadora, apesar de já haver mecanismos de proteção e de denúncias, a punição ainda é inexistente.

No início das campanhas eleitorais, a Fenaj disponibilizou o “Guia de proteção a jornalistas na cobertura eleitoral de 2022” com algumas recomendações de como evitar agressões durante o período. Essas medidas, junto com outras propostas dos sindicatos, foram enviadas às empresas jornalísticas e tiveram grande cobrança para que fossem colocadas em prática. Algumas delas foram evitar mandar estagiários para as pautas, não cobrir comitês políticos sozinho e ter sempre um carro no local da cobertura. Além disso, muitos sindicatos conseguiram com o Ministério Público e Estadual recomendações para que as forças de segurança prestassem apoio aos jornalistas e os deixassem trabalhar livremente.

Samira Castro acredita que as medidas de proteção exigidas pela Fenaj e pelos sindicatos foram eficazes e ajudaram a garantir a segurança dos jornalistas. Ela deixa um alerta que vale não apenas para o período eleitoral: “é preciso que os jornalistas, vítimas de violência, registrem o ocorrido e comuniquem ao seu sindicato para que as entidades de classe possam cobrar das autoridades a punição dos responsáveis”.

Guia disponibilizado no site da Fenaj (Fonte: acervo Fenaj)